Depois de uma onda de ataques a escolas em Goiás e no Brasil, governos – estadual e municipais – anunciaram uma série de medidas para garantir a segurança dos alunos e professores nas unidades de ensino. Entre as propostas, estão detectores de metais, revista de mochilas e presença da polícia no ambiente escolar. No entanto especialistas alertam para a complexidade da questão e para a necessidade de enfrentar o assunto debatendo com a sociedade qualquer medida que vise combater a cultura da violência.

Na última sexta-feira, 14, o governador convocou toda a imprensa para detalhar o projeto que tramita na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), em caráter de urgência, e que determina protocolos de seguranças nas escolas das redes pública e privada, de ensino normal e profissional, básico e superior, no Estado. Dessa forma, na visão do governador, “o Estado garante segurança e acolhimento às nossas crianças e professores”. E o governo trabalha com a expectativa de que o projeto já seja aprovado nos próximos dias.

O texto em discussão na Alego institui a Política Estadual de Prevenção e Combate à Violência Escolar no estado de Goiás. Entre as medidas que podem vir a ser aprovadas pelos deputados estão a instalação de câmeras de monitoramento nas unidades de ensino, a utilização de detectores de metais e, em caso de episódios de violência, a responsabilização civil, penal e administrativa do agressor e dos pais ou responsáveis.

Além disso, o texto prevê atendimento de professores e estudantes por serviço de psicologia, campanhas de combate ao bullying e a interlocução com redes sociais e páginas da internet para a remoção instantânea de conteúdos impróprios e de apologia ao crime. As ideias foram construídas em conjunto e envolveu a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), a Casa Civil, a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) e a Secretaria de Segurança Pública (SSP).

Relator do projeto do governo na Assembleia, o deputado Amilton Filho (MDB) reconhece que segurança completa, plena, não existe em lugar nenhum. No entanto, para ele, as medidas propostas pelo governo devem colaborar para eliminar a sensação de insegurança que hoje se tem no ambiente escolar. “Não existe solução mágica, não tem um botão que a gente aperta e vai transformar a escola em um lugar totalmente seguro”, ponderou.

Deputado Amilton Filho (MDB) é relator do projeto do governo enviado para a Assembleia que institui medidas que visam garantir a segurança nas escolas | Foto: Alego

Segundo o deputado, na última semana, pipocaram projetos de leis na casa legislativa tratando sobre o tema segurança nas escolas e ele pediu que todos fossem unificados em um único texto. “Neste momento, precisamos de ações que garantam a integridade física de todo mundo. Alunos têm levado para escola facas, canivetes e estiletes com o intuito de se defenderem. A gente precisa mostrar pro estudante que ele não pode fazer isso”, avaliou.

Ainda nesta última semana, Amilton promoveu uma audiência pública sobre o tema na Assembleia, onde chegou à conclusão de que “não existe uma solução pronta” para a questão. “É uma ação coordenada. Precisa de uma presença maior das forças de segurança, de uma vigilância maior dos pais, que devem orientar e acalmar os filhos, e os professores devem ficar atentos ao comportamento dos alunos”, resumiu.

Segurança na comunidade escolar

Um ponto polêmico que está no projeto de lei é a revista da mochila dos estudantes na porta das unidades escolares. Mas a secretária de Estado de Educação, Fátima Gavioli, explicou que é o próprio aluno que vai abrir a mochila ao entrar na escola para que o coordenador de turma faça a verificação. Em caso de recusa, a família do estudante será chamada. Mas isso só será necessário enquanto não chegarem os detectores de metais nas unidades de ensino.

Na segunda-feira, 17, será repassado aos conselhos escolares R$ 1,8 milhão para a compra de um bastão detector de metais para cada 150 alunos da rede. A previsão é que em dez dias esses aparelhos já comecem a chegar nas escolas.”Nós estamos tirando o dinheiro que seria utilizado em outros projetos pedagógicos para investir nessa questão da segurança porque essa é a emergência”, disse a secretária.

A secretária contou que as crianças estavam levando faquinha de manteiga para a escola para se defender em caso de atentado. “Está na hora de chamarmos as famílias para participar mais das atividades dos filhos”, afirmou Fátima ao anunciar que na próxima quinta-feira, 20, dia em que foi anunciado pelas redes sociais um grande ataque – sem qualquer confirmação de autoria ou veracidade, vale frisar -, será realizado o Dia da Paz nas Escolas.

Entre as atividades previstas para o dia 20 estão palestras cujos temas serão trabalhados junto com a Dedensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil Seção Goiás (OAB-GO), o Ministério Público (MP-GO) e outros parceiros. “A escola é um local de paz e precisa voltar a ter paz nas escolas”, afirmou a secretária de Educação.

Governador Ronaldo Caiado encara de frente o problema da segurança nas escolas | Foto: André Saddi

E enquanto o projeto não é aprovado na Assembleia, o governador pediu que os alunos não deixem de frequentar as aulas por medo e insegurança. Caiado garantiu que o serviço de inteligência das forças policiais já trabalha para garantir a segurança de alunos e professores. Somente nos últimos dias, mais de 15 casos suspeitos foram desarticulados antes mesmo de ocorrer e a polícia apreendeu os respectivos envolvidos.

Municípios também se mobilizam para garantir segurança nas escolas

Em Goiânia, a Prefeitura anunciou na última semana uma força-tarefa nas escolas com 800 agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM), 105 viaturas, cães farejadores e equipes de inteligência que irão acompanhar a entrada e saída dos alunos das unidades escolares. A rede municipal de ensino da capital possui 376 unidades, entre escolas e Cmeis, que abrigam 110 mil alunos.

Além disso, serão usados detectores de metais móveis na entrada dos espaços escolares e foi autorizada a inpenção de mochilas em busca de objetos que possam colocar em risco a segurança do ambiente escolar. Também foi anunciado a implantação do botão de pânico e a ampliação de câmeras de monitoramento e concertinas, que são aquelas redes de arame farpados utilizada para a proteção de muros.

Prefeito Rogério Cruz anuncia medidas para garantir segurança nas escolas | Foto: Jucimar Sousa

“Adotamos medidas necessárias para que todos tenham um ambiente saudável e harmônico para aprender e se desenvolver como cidadãos”, avisou o prefeito Rogério Cruz (Republicanos) durante entrevista coletiva ao anunciar o que chamou de Operação Escolas Sem Violência.

Em Anápolis, policiais da Força Tática estão dando suporte às escolas da rede municipal nos horários de entrada e saída dos estudantes. Os gestores das unidades de ensino também foram orientados a acionar a PM em caso de qualquer atititude suspeita, a qualquer momento do dia ou da noite, pelo telefone 190.

De acordo com a Prefeitura de Anápolis, as rondas já faziam parte da rotina de segurança dos espaços escolares, mas agora foram fortalecidas com a presença dos policiais ouvindo os profissionais de cada escola e orientando os estudantes. Além da atuação policial, o município também dispõe de serviços de monitoramento e vigilância nas 108 unidades da rede.

Em Aparecida de Goiânia, foi anunciado na última semana a implantação do botão de segurança que, ao ser acionado, entra em contato, imediatamente, com as forças de segurança do município. O dispositivo, que já está em funcionamento em 34 unidades escolares da rede municipal, agora deve ser instalado em todas as 94, entre escolas municipais e CMEIs. Ao todo, serão mais de 300 botões disponibilizados.

Modelo de botão do pânico que será instalado nas escolas de Aparecida de Goiânia | Foto: Jhonney Macena

“Vamos ter ainda o reconhecimento facial nas escolas”, acrescentou o prefeito de Aparecida, Vilmar Mariano (Patriota), que quer oferecer uma maior sensação de segurança à comunidade escolar. Na cidade vizinha a Goiânia, o videomonitoramento já é realidade nesses espaços desde março de 2022. As imagens das mais de 1,5 mil câmaras de vigilância, posicionadas em pontos estratégicos dentro e fora das unidades de ensino, são transmitidas para uma central, que aciona uma viatura da Guarda Civil de forma imediata em caso de qualquer evento suspeito.

Guardas civis acompanham a saída dos alunos em escola de Aparecida de Goiânia | Foto: Jhonney Macena

Ações de cunho pedagógico também são promovidas para sensibilizar e conscientizar alunos da importância da cultura de paz e combater a violência. Nas unidades escolares, são debatidos temas como cyberbullying, violência doméstica e sexual, além de problemas de saúde como depressão e ansiedade. “O governador autorizou a revista de mochilas, mas ainda não vamos fazer isso aqui. Vamos ver se com essas ações vamos inibir essas coisas que estão acontecendo e pode acontecer na comunidade escolar”, declarou o prefeito.

Escolas particulares também estão preocupadas com segurança

Para o vice-presidente da Associação das Instituições Particulares de Ensino de Goiás (Aipeg), Marcos Tadeu, as instuições particulares de ensino vêem a situação com muita preocupação e receio de que alguma escola sofra qualquer tipo de atentado. “Nós acreditamos que a divulgação desses incidentes acaba encorajando outras pessoas, outras crianças a tomarem essas atitudes”, comentou ao reforçar que a desinformação – as chamadas “fake news” – precisa ser combatida para promover a segurança no ambiente escolar.

O vice-presidente da associação conta que as escolas particulares estão investindo em mais segurança, seja levantando muros, colocando concertina ou câmeras de monitoramento. Além disso, ele aposta em uma aproximação entre escolas e polícia para que a segurança seja garantida. “Nós precisamos com urgência reestabelecer a paz nas escolas para que a gente consiga exercer o nosso papel que é levar educação de qualidade para as crianças”, declarou.

Marcos disse que as unidades escolares da rede particular de ensino vão promover debates e palestras nas escolas para orientar pais e responsáveis a como prevenir atentados e, caso venha a acontecer, como agir em situações de pânico. “O bem mais valioso é a vida e devemos pensar em medidas que protejam a vida”, afirmou.

Marcos Tadeu é vice-presidente da Associação das Instituições Particulares de Ensino | Foto: arquivo pessoal

Apesar de achar válido o projeto de lei apresentado pelo governo estadual na Assembleia que dispõe sobre a segurança nas escolas, o vice-presidente da Aipeg lembra que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe abordar as crianças de forma que suas mochilas sejam revistadas para ingresso na escola. Mas, para ele, essa é uma questão que os Poderes terão que resolver. “Nós estamos em momento muito delicado e peculiar que precisa de atitudes drásticas e imediatas”, reconheceu.

Segurança nas escolas também é debatida na Câmara Municipal

Em Goiânia, o vereador Geverson Abel (Avante) apresentou na última semana um projeto de lei para criação do Programa Escola Segura. O texto prevê o uso de detectores de metais e de aparelhos de raio-X nas unidades escolares. “É uma forma paleativa para que não aconteça esse tipo de situações. Não vai resolver o problema 100%, mas vai amenizar bastante”, reconheceu.

Vereador Geverson Abel (Avante) quer raio-X e detectores de metais nas escolas | Foto: Hed Ornelas

Para o vereador, não apenas o projeto é importante, mas também a criação de politicas públicas para orientar pais, crianças, adolescente e professores. “As crianças recebem muitas informações, mas ainda não têm maturidade para lidar com temas como a violência. Precisamos promover uma mudança cultural”, comentou.

No entanto, para a vereadora Kátia Maria (PT), a situação é mais complexa. “Botões de pânico e detectores de metais são importantes pro sentimento de segurança, mas sozinhos não resolvem o problema porque existe o adoecimento da nossa sociedade”, disse. “A violência nas escolas agravou muito nos últimos tempos, mas não surgiu agora. Tem a ver com as desigualdades sociais, o bullying, o racismo, a homofobia. Tudo isso gera sentimentos que se transformam em reações agressivas”, completou.

Além disso, para a vereadora, com a ascensão da extrema direita no Brasil, representada pelo bolsonarismo, a situação se agravou. “Circulou muito uma foto de uma criança nos braços do ex-presidente fazendo arminha com as mãos. Esses gestos, essas práticas, têm mais peso que discursos. Uma imagem dessa fica no imaginário de uma criança e de um adolescente de uma forma muito forte”, alegou.

Para Kátia, é preciso um olhar mais profundo para a complexidade da onda de violência que estamos vivendo e pensar em regulação das redes sociais, combate das desigualdades, do preconceito e da intolerância. “Tem surgido muito projeto politiqueiro. Eu poderia, mas não quis apresentar proposta nenhuma sem um debate profundo”, explicou.

Vereadora Kátia Maria (PT) acredita que a segurança nas escolas é um tema que precisa de mais discussão | Foto: Câmara Municipal

Segundo a parlamentar, o caminho é o diálogo. “Não é pelo ódio, não é reagindo. Pânico e extremismo não são o caminho. Repressão não resolve dentro das unidades de ensino. Lugar da polícia não é dentro da escola, mas nas imediações dela. O que a comunidade escolar precisa é de muito acolhimento”, avaliou.

Para especialista, medidas ajudam, mas não resolvem

A professora do Programa de Pós-Graduação em Direito e Políticas Públicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), professora Bartira Macedo de Miranda, alerta que é impossível medir a segurança nas escolas, mas sim a sensação de segurança. E, para ela, os ataques recentes acabaram por trazer uma sensação de insegurança nesses espaços.

A especialista, que também é conselheira seccional da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Goiás (OAB-GO) e associada plena do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reconhece que, no calor do momento, todo mundo está a procura de soluções eficientes para o problema da insegurança nas unidades de ensino. “Alguma resposta deve ser dada para a população para tranquilizar a comunidade”, reconheceu.

Quanto as detectores de metais, Bartira, avisa que não resolve totalmente a situação. “Eles ficam na entrada. Mas alguém pode pular o muro, a janela. E também pode mudar o lugar do ataque para o estacionamento da escola ou qualquer outro espaço, por exemplo”, alertou ao afirmar que não se pode tratar a questão apenas como um assunto de polícia. Além da repressão, é preciso atuar na prevenção. O que, para ela, nesse caso, outras áreas da sociedade são mais aptas e competentes para atuar.

Professora Bartira Macedo alerta que tema é complexo e deve ser tratado como tal | Foto: arquivo pessoal

Para a professora, o discurso de ódio, o aumento da intolerância, a expansão de pensamentos extremistas, a desconsideração da dignidade da pessoa humana, o desrespeito e a apoloia à ditadura, à tortura e à violência são a raiz dessa onda de violência nas escolas. “Todos esses são elementos que incentivam sistemas de ideias que vão desaguar em ações violentas”, explicou. Mas Bartira é otimista quanto ao futuro. “Logo essa situação de crise vai passar e vamos voltar à normalidade”, previu. Para ela, com a diminuição das ocorrências, a situação tende a normalizar.