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Falta de chuva tem deixado agricultores e pecuaristas temerosos em
contabilizar prejuízos milionários no final deste ano e no começo de 2015

Estiagem força retardo do plantio em Goiás.  Por conta do atraso produção de grãos pode ter redução de até 20%
Estiagem força retardo do plantio em Goiás. Por conta do atraso produção de grãos pode ter redução de até 20%

Frederico Vitor

Tudo dependerá dos céus. Não se trata de uma prece religiosa, mas da expectativa da totalidade dos produtores rurais goianos que temem colher prejuízos bilionários se não houver chuva no Estado nos próximos dias. Ultimamente, tanto pecuaristas quanto agricultores lamentam debaixo de sol forte e um calor escaldante, o mesmo aborrecimento: a dificuldade de ganhar o sustento em tempos em que a água está cada vez mais escassa.

Outubro geralmente é o mês em que as chuvas começam a cair, mas não é isso que tem sido visto, principalmente, nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, tanto na cidade quanto no campo. A estiagem prolongada tem preocupado produtores rurais goianos, que já se preparam para contabilizar prejuízos. O grande problema está relacionado com a redução das pastagens, influenciando o custo da carne e do leite que impactou na inflação do País, além do atraso no plantio da safra, que deveria ter sido feita entre o final de setembro e o início do mês de outubro.

Este atraso de aproximadamente um mês pode ainda ter reflexos no plantio da segunda safra, mais conhecida como safrinha, de fundamental importância no abastecimento agrícola do Brasil. Importante fonte de exportação, seu retardo poderá ter reflexos na inflação e na balança comercial brasileira. A safrinha é um período de três meses entre uma safra e outra. Neste intervalo, em seguida a colheita da soja, é feito o plantio de outras culturas, principalmente de milho e sorgo, muito utilizados na ração animal para bovinos, suínos e aves — principalmente frangos.

Além de prover o fornecimento da ração de animais que serão abatidos pelos frigoríficos, a alternância de cultura por meio da safrinha é um procedimento importante no combate de pragas. A safrinha também é um fundamental instrumento de fertilização do solo, pois a palha de milho e do sorgo retém a umidade durante a germinação da semente de soja, sem a necessidade do uso de adubos, proporcionando ao produtor custos menores de plantio com maior rentabilidade.

Atraso da produção

Em Goiás, os agricultores de soja estão com apenas 30% da área total plantada por conta da estiagem. Esse atraso vai refletir na janela de semeadura do milho para segunda safra. Apesar de que ainda é cedo para mensurar os prejuízos, a estimativa é de que as consequências da falta de chuvas vão impactar a colheita. Nas próximas semanas de novembro, o agricultor goiano deve tentar plantar o máximo que puder para que a colheita que, em anos normais sem registro de estiagem, acontece geralmente a partir de 15 de fevereiro, tenha início até o dia 25 do mesmo mês com possibilidades em terminar em março.

Válido lembrar que problemas em decorrência da falta de chuva foram registrados no final de 2013 e no início deste ano, quando produtores goianos amargaram prejuízos estimados em 1,4 milhão de toneladas de grãos, o que equivale a cerca de quase R$ 2 bilhões. O baixo nível da chuva afetou tanto as plantações de soja, milho e cana-de-açúcar, quanto a criação de gado, já que os pastos também foram bastante prejudicados pela forte seca.

O município de Quirinópolis, por exemplo, teve decretada situação de emergência, contabilizando perdas de cerca de 30% da produção de cana-de-açúcar, 50% de soja e outros 50% de milho. Em Cristalina, município que ostenta o título de maior PIB agrícola do Brasil, os produtores da região foram forçados a atrasar o plantio com registro de perdas de 10 a 15%. Em Santa Helena, a média da perda foi entre 20 e 25%. Já em Itumbiara, os produtores perderam cerca de 40% da produção de soja e 30% na produção de cana-de-açúcar. Em Goiatuba a perda de soja variou de 30 a 40%.

Morrinhos perdeu entre 10 e 15% da produção e em Caiapônia o prejuízo ficou entre 5 e 10%. Jataí, na região Sudoeste, registrou 20% de perda. Famoso pela criação de gado leiteiro e produção de leite, o município de Piracan­juba também foi bastante afetado pela falta de chuva. A média da perda foi de 20%.

Seguro agrícola é caro, mas pode minorar os prejuízos

O secretário estadual de Agricultura, Pecuária e Irrigação (Seagro), Antônio Flávio Camilo de Lima, afirma que há um atraso no plantio confirmado em todo o Estado, porém ainda não é possível precisar eventuais perdas e redução da produção agrícola goiana neste ano. O titular da Seagro diz que a preocupação maior tem sido com o volume de chuva, sendo que a expectativa é de que seja mais intensiva, para que seja aumentado o armazenamento de água no solo, criando condições favoráveis ao plantio em larga escala. “Em relação aos últimos anos teremos sim atraso do início do plantio que poderá comprometer a safrinha, que será plantada na sequência da soja.”

Antônio Flávio (Seagro) e Pedro Arantes (Senar): seguro agrícola indicado | Foto: Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção
Antônio Flávio (Seagro) e Pedro Arantes (Senar): seguro agrícola indicado | Foto: Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção

Produtor rural do município de Rio Verde e ex-secretário estadual de Agricultura, Leonardo Veloso afirma que neste ano é imprevisível traçar um cenário, apesar de que as chuvas não começaram a cair com intensidade, como normalmente ocorre neste período. Ele diz que, em um ano normal, quando iniciado o período chuvoso, ao menos cerca de 30% da área já deveria estar plantada, o que ainda não ocorreu em 2014. “A questão mais importante neste momento é o produtor pensar em fazer o seguro agrícola, porque no fator climático não há como interferir.”

De acordo com o consultor de mercado do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Pedro Arantes, as previsões são de que as chuvas venham a se normalizar na região Centro-Oeste apenas no mês de dezembro — cenário que em sua avaliação é preocupante. Se 2015 for um ano de mais estiagem, o produtor não terá muito que se fazer, a não ser considerar o sistema de irrigação. Em Goiás há cerca de 200 mil hectares irrigados, o que é muito pouco — o que corresponde apenas 5% de área plantada em território goiano, se considerado que a área total de plantio é de aproximadamente 4,5 milhões de hectares.

Pedro Arantes também fala do benefício do seguro agrícola para o produtor. Segundo ele, se não ajudaria na safra, pelo menos melhora o controle financeiro do produtor. Apesar de caro, o governo tem subsidiado em torno de 50% a 60% do custo, dependendo da localidade. Contudo, não há alocação de recursos suficientes, sendo que em todo o Brasil, apenas 8% da área plantada está segurada. “Não há o que fazer com este cenário de forte seca, a não ser recorrer ao sistema de irrigação ou fazer o seguro agrícola, que é caro.”

Além da seca, outro problema que tem deixado o produtor rural goiano preocupado é a alta do dólar e as incertezas com a economia brasileira. A elevação do valor da moeda americana incide consideravelmente sobre os preços dos insumos, que são cotados em dólar. Apesar de que nos últimos dez anos, a safra brasileira tenha crescido expressivamente, a indústria nacional de fertilizantes não se desenvolveu na mesma proporção, deixando os produtores rurais dependentes de importações e de custos que se adequam de acordo com o câmbio. “Na média, a cotação do dólar acaba prejudicando mais do que ajudando, e isso é uma preocupação”, diz Pedro Arantes.

Cana-de-açúcar

A estiagem também vai impactar na safra de cana, o que pode acarretar alta dos preços do açúcar em decorrência da queda da produção. Apesar do cenário não favorável, a falta de chuvas não preocupa o Ministério de Minas e Energia, pois a seca não vai comprometer o abastecimento de combustíveis no País, dado o estoque de etanol que já garante abastecimento na entressafra. O que vai ocorrer será a elevação do valor do açúcar no mercado internacional.

O setor sucroenergético tem se mostrado, nos últimos anos, um dos mais importantes segmentos dentro da economia goiana, pelo dinamismo e pela sua capacidade de impulsionar os demais setores. A cadeia produtiva da cana-de-açúcar tem contribuído na medida em que diversas indústrias processadoras têm se instalado no território goiano — apesar da crise vivida pelo setor com a falta de incentivos governamentais que tem priorizado combustíveis fósseis em detrimento do etanol.

Goiás, em 2000, representava 2,9% da área plantada de cana e a produção participava em 3,1% da nacional. Em 2012 a área passou a representar 6,0% e a produção 6,5% dos totais nacionais. A expansão da área plantada de cana-de-açúcar no Estado é explicada pelas vantagens que o território goiano oferece em relação a outras unidades da federação. Os custos com a lavoura de cana são menores, a colheita é quase toda mecanizada e os preços das terras são baixos comparados com São Paulo, maior produtor brasileiro.

Produtores reclamam queda na produção de leite em Goiás

A forte estiagem que atingiu o Estado pode provocar queda na quantidade e qualidade do milho, incidindo no aumento do custo da alimentação do gado, sobretudo o leiteiro. É que a falta de chuva não favorece o pasto, bastante útil à silagem, o método de conservação de forragem que consiste em estocar a alimentação de animais à base de grãos, em período de seca. Como não há chuva e as pastagens estão secando, o que já afetou as principais regiões produtoras de leite do País, incluindo Goiás, a alta do valor da bebida ao consumidor final será inevitável, puxando ainda mais a inflação.

Em período de estiagem, a oferta de leite é baixa também devido à influência do ciclo conhecido como “seca das vacas”. O animal para de dar leite para se preparar para o parto ou para a próxima lactação. Por isso, é importante o produtor ter um estoque de silagem, pois a atividade leiteira exige uma reserva ou um canavial para emergências — o gado leiteiro também se alimenta da cana-de-açúcar, na época seca, como suplemento volumoso, com alto teor de fibra.

Diferentemente do gado leiteiro, o gado de corte é um animal mais resistente e suporta melhor as estiagens mais alongadas e com carências de pasto, mesmo que isso signifique perda de seu desempenho. A alta do preço da carne também é esperada como consequência direta da seca neste ano.

Goiás é o quarto maior produtor de leite do País, atrás somente de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná. Em 2012, foram produzidos 3,3 bilhões de litros, correspondendo a 10% de toda a produção nacional. O faturamento bruto, denominado valor bruto da produção de leite do Estado, está na ordem de R$ 2,7 bilhões.

O rebanho leiteiro goiano é de mais ou menos 2,2 milhões de vacas ordenhadas por ano. As cinco maiores bacias leiteiras de Goiás são Jataí, Piracanjuba, Morrinhos, Catalão e Rio Verde. Completam a lista dos dez municípios maiores produtores Orizona, Luziânia, Ipameri, Mineiros e Quirinópolis. Em média são produzidos cerca de 15 milhões de litros de leite por dia no Estado, sendo que 9 milhões de litros são processados diariamente pela indústria leiteira local.

De acordo com o diretor executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios do Estado de Goiás (Sindileite), Alfredo Luiz Correia, na média é esperada a redução de 20% da produção de leite por conta da seca. O índice não é dos piores, levando em consideração que já foram registrados 50% de queda em anos anteriores. Mesmo assim, a estiagem deste ano só não será pior ao produtor goiano porque houve ações prévias, como o estoque de silagem e assistências técnicas. “A maior preocupação agora é com o impacto da seca em relação à safrinha, fundamental para a produção da silagem.”

Devastação do Cerrado seca os rios, diz estudioso 

Os problemas decorrentes da estiagem podem ser ainda mais sérios, pois as chuvas de julho causaram o efeito de “seca verde” e a existência de água nas camadas superficiais dos solos mascarou, visualmente, a forte estiagem que se abateu em Goiás e nos demais Estados das regiões Centro-Oeste e Sudeste. Os lençóis freáticos não foram abastecidos suficientemente e os resultados são claros na redução do volume dos recursos hídricos, acarretando graves problemas no abastecimento e na geração de energia hidrelétrica.

Não só a agricultura tem perdido com a seca, a falta de chuvas tem impactado fortemente o abastecimento humano. O índice menor de umidade do ar combinado com fortes ondas de calor resultaram na elevada ocorrência de queimadas. O auge do período seco ocorreu no início de outubro, quando as condições climáticas combinaram os menores índices de umidade relativa do ar, altos índices de radiação ultravioleta e à alta concentração de fumaça na atmosfera.

Outro fator preocupante e que demanda maior atenção por parte das autoridades e da sociedade em geral, é o esgotamento dos recursos hídricos do bioma Cerrado, o ecossistema com a mais diversificada flora do planeta. De acordo com o professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Altair Sales Barbosa, há três grandes aquíferos na região do Cerrado que podem estar secando: o Bambuí, Arenito Botucatu e Arenito Bauru.
O primeiro se formou há mais de 1 bilhão de anos, e os outros dois são divisões do Aquífero Guarani, que começaram a se formar há 70 milhões de anos. O Guarani alimenta toda a Bacia do Rio Paraná: a maior parte dos rios de São Paulo, de Mato Grosso, de Mato Grosso do Sul — incluindo o Pantanal Mato-Grossense — e grande parte dos rios de Goiás que correm para o Paranaíba, como o Meia Ponte.

Toda essa bacia depende do Aquífero Guarani, que já chegou a seu nível de base e está alimentando insuficientemente os rios que dependem dele. Por isso, os rios da Bacia do Paraná diminuem sua vazão a cada ano que passa. Como medida de urgência, já estão perfurando o Arenito Bauru, que é mais profundo que o Botucatu, já insuficiente para retirar pequenas reservas de água para alimentar o sistema Cantareira — o mais afetado pela escassez e que abastece a capital paulista.

Assim como ocorre no Can­tareira, outros reservatórios espalhados pela região do Cerrado — Sobradinho, Serra da Mesa e outros — vão passar pelo mesmo problema. Segundo o professor, o processo de sedimentação no fundo do lago de um reservatório é um processo lento. Os sedimentos vão formando argila, que é uma rocha impermeável, desta forma a água não consegue alimentar os aquíferos.