Governo Federal se vê entre necessidade de ampliar consumo e rombo orçamentário

Apesar de reabertura do comércio, intenção de compra continua baixa | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Nesta sexta-feira, 25, o Governo Federal publicou no Diário Oficial da União o calendário para pagamento da 3ª parcela do auxílio emergencial. Os desempregados ou trabalhadores autônomos que foram afastados da profissão pelas medidas contra a pandemia do coronavírus devem receber a parcela de R$ 600 a partir da segunda-feira, 27. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mencionou durante transmissão de live a possibilidade de novos três pagamentos parcelas para o auxílio emergencial, nos valores de R$ 500, R$ 400 e R$ 300, mas frisou que não há nada confirmado.

A medida é vista por economistas como um acerto na contenção da crise econômica global causada pela pandemia e é apontada como razão do aumento da aprovação do governo de Jair Bolsonaro entre o segmento da população que recebe o benefício. Entretanto, a possível redução do auxílio próximo ao pico de números de casos da Covid-19 associada a maus indicadores de confiança na economia podem sinalizar um problema econômico iminente.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na última edição Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, o maior segmento que pode se beneficiar do auxílio emergencial é o dos trabalhadores informais. São 38 milhões de brasileiros, 40,6% da força de trabalho, atuando sem carteira assinada. Esta parcela do país, que se inscreveu pelo aplicativo ou site da Caixa Econômica Federal, pode receber a última parcela do auxílio emergencial nesta segunda-feira, 27.

Aglomerações sociais foram as primeiras a serem proibidas e serão as últimas a retornar | Foto: Reprodução / Natália Michalzuk

Autônomo e abandonado

Natália Michalzuk é bacharel em artes visuais pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e fotógrafa profissional. Com a proibição de se realizar eventos sociais desde o dia 17 de março, a fotógrafa ficou sem seus principais clientes. “Como eu sou majoritariamente fotógrafa de balada, eu e os profissionais desse segmento fomos os primeiros a parar de trabalhar e os últimos que irão voltar. Não há muito o que fazer. Não tem como se manter. Muitos profissionais, como eu, estão vendendo seu trabalho a um valor muito abaixo do mercado para que sejam realizados após a quarentena”, conta Natália Michalzuk.

A fotógrafa conta que, além da campanha para venda de vouchers de ensaios para serem realizados após a quarentena, recorreu ao auxílio emergencial a que tem direito. “Foram três tentativas até ser aprovada”. Ela conta que auxílio foi depositado no dia 13 de junho, dois meses após a primeira tentativa. “O programa é legal, está ajudando muita gente. Mas esperar dois meses para ser aprovado é uma humilhação. Você não tem explicação de nada, não sabe porque tá demorando pra sair o resultado, quem já foi aprovado não sabe porque tá demorando tanto pra receber. Cada dia que passa é uma humilhação diferente né?”

“Muitos profissionais, como eu, estão vendendo seu trabalho a um valor muito abaixo do mercado”, afirma Natália Michalzuk | Foto: Reprodução / Natália Michalzuk

Quanto a perspectiva de melhora em um futuro próximo, Natália Michalzuk afirma: “Eu não faço a mínima ideia. A fotografia é necessária; é basicamente uma memória de um momento que você terá pra sempre, mas agora não é prioridade. Com a volta dos eventos, acredito que as coisas continuem normalmente, mas vale lembrar que muitas baladas fecharam. Para mim, o futuro é totalmente incerto, pode retornar normal, ou muito muito ruim, e não tem muito que possamos fazer”.

Maus sinais

As pesquisas realizadas pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) no mês de junho de 2020 reverberam o relato de Natália Michalzuk. A intenção de consumo das famílias sofreu a maior queda em relação ao mês anterior desde que o índice é medido. Todos os grupos entrevistados se disseram menos seguros quanto a situação do emprego atual em relação ao ano anterior e 57% não acreditam que terão alguma melhora profissional nos próximos seis meses. Este número é 29,5 pontos percentuais menor o do mês anterior.

Para 40,5% dos entrevistados a renda está pior do que no ano anterior e apenas 22,3% avalia que a renda melhorou. Para 44% dos entrevistados que recebem até dez salários mínimos, a dificuldade para se conseguir empréstimo ou crédito para comprar a prazo aumentou, enquanto diminuiu para 30% deste grupo. Já entre aqueles que recebem mais do que dez salários mínimos, a dificuldade aumentou de acordo com 29% e diminuiu para 39%.

Entre todos os entrevistados, 62% afirmaram estar comprando menos do que no ano passado e 60,5% espera que o consumo caia ainda mais nos próximos meses. O principal tipo de consumo a ser cortado pelas famílias é o consumo de bens duráveis, como eletrodomésticos e automóveis. Além da Iintenção de consumo das famílias, o índice de Confiança do Empresário do Comécio (Icec) sofreu queda histórica. O indicador que mede o endividamento e inadimplência do consumidor (Peic), entretanto, mostrou queda em relação ao ano anterior.

Saídas para a crise

Economista Fábio Bentes diz que “destravar” dinheiro parado, como FGTS, é uma boa medida para aliviar crise | Foto: Reprodução / CNC

Fábio Bentes, economista responsável por coordenar pesquisas da CNC, afirma que o menor índice de inadimplência não se dá necessariamente por causas positivas na economia. “Existem dois tipos de demanda por crédito: quando a economia e consumo estão bem, você tem demanda especialmente para pagar contas a prazo. Não é esse o nosso cenário atual. O que vemos, é a demanda pelo crédito de consumo essencial. Então, embora algumas pessoas recorram a empréstimos para pagar as contas, isso tem limite já que o banco não empresta muito para estas pessoas em situação delicada. No balanço final, a demanda total de crédito é negativa em relação ao ano anterior”.

Segundo Fábio Bentes, apenas nos meses de março e abril foram destruídos um milhão de postos de trabalho com carteira assinada. “Esta redução do emprego formal é uma inflexão sem precedentes. Como resultado, os bancos têm medo de emprestar e o consumidor de não conseguir pagar”, afirma o economista. A queda na confiança afeta principalmente o pequeno empresário, contaminado a circulação de capital. Não por acaso o Governo Federal teve de lançar mão do plano emergencial, injetando dinheiro na economia.

“O governo tem um grande abacaxi para descascar”, diz Fábio Bentes. “Há demanda por recursos emergenciais no mercado informal, mas está restrito ao estado das contas públicas que, desde antes da pandemia estavam desequilibradas. Do ponto de vista econômico, o Brasil entrou muito pior do que outros países nesta crise. O auxílio é importante até pro comércio essencial, mas 600 reais é um valor muito menor do que  a renda média no trabalhador. Estima-se que a dívida pública chegue a 90% do PIB deste ano. Some a isto o fato de o orçamento no Brasil ser muito engessado. O resultado é pouco espaço para injetar recursos emergenciais.”

O governo federal também criou crédito para micro e pequenos empresários (o BNDES expandiu em R$ 5 bilhões a oferta de empréstimo para estes empreendedores, por exemplo), mas estas medidas foram consideradas insatisfatórias. “Principalmente porque os bancos não têm interesse em emprestar, já que a taxa selic está baixa e o risco elevado”, explica Fábio Bentes. Além disso, o total destinado a estímulo à micro e pequenos empresários nesta pandemia foi de R$ 16 bilhões; mas o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) estima que o comércio já perdeu R$ 1,210 trilhões desde o início da pandemia. 

Por fim Fábio Bentes diz acreditar que a ideia dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foram interessantes – não apenas para o consumo, mas também do ponto de vista de investimento. “Quando utilizados como recursos para aplicação no mercado de capitais, renderam excelentes taxas para quem aplicou. Por que não ir além e utilizar o fgts para abatimento de dívidas? Isso funcionou no passado. Seria bem vindo pois reduziria endividamento sem envolver ação do governo através de gastos no orçamento, sem a emissão de títulos, nada disso”, conclui.