Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL 3.081/22) do deputado federal Tiago Mitraud, do partido Novo, que propõe revogar leis e decretos que regulamentam diversas profissões. Na justificativa para a proposta, Mitraud argumenta que as regulamentações criam inúmeras barreiras de entrada para  o exercício profissional, que fica limitado a condições criadas para garantir uma fatia do mercado para grupos de interesse. Entretanto, associações e sindicatos das categorias afetadas argumentam que a desregulamentação irá inviabilizar as atividades. 

Tratam-se de atividades que não oferecem risco à segurança, à saúde, à ordem pública. De ator à comerciante, de taxista à biólogo, de detetive à engenheiro, até 107 profissões podem ser afetadas. Confira a lista preliminar (atividades podem ser adicionadas ou removidas de acordo com a tramitação do projeto). 

Em enquete no site da Casa, a esmagadora maioria dos usuários votou contrário ao PL. Nas críticas mais endossadas, se lê: “Como a função política não precisa de qualificação, o deputado pensa que todas as profissões se exercem da mesma forma! Psicologia sem regulamentação não traz risco à saúde e à sociedade???”; “sem regulamentação da engenharia no país vamos entrar em uma decadência total” e “Que absurdo! Está incentivando o indivíduo a não estudar. Com a graduação já existe muita irresponsabilidade imagina sem essa exigência.”

No ponto de vista do deputado

No Projeto de Lei, Mitraud escreveu: “Vemos grupos de profissionais alegando que, dadas as restrições impostas, irão garantir um nível de segurança e qualidade. O que não se vê: uma enorme massa de profissionais qualificados em busca de emprego e dispostos a oferecerem sua mão de obra proibidos de trabalharem por não atenderem aos critérios formais, que na grande maioria das vezes, não possuem correlação com a qualidade do serviço prestado.”

“Assim, um profissional que atua há décadas na área e tem clientes satisfeitos muitas vezes passa a ter que se submeter a exigências desnecessárias para seguir na legalidade, caso contrário, não pode exercer a atividade. Por outro lado, alguém que apenas cumpra os critérios formais, mas não possui as competências necessárias para o exercício da atividade, poderá ir nesses mesmos clientes e mencionar que, apesar de não ter experiência, legalmente está apto para trabalhar.

“Isso gera um aumento de custo na economia e também uma barreira à entrada de novos prestadores de serviço, o que diminui a competição e aumenta os preços praticados. Nos casos em que as exigências legais são abusivas, ainda pode haver perda da qualidade, eliminando bons profissionais do mercado e privilegiando pessoas que cumprem requisitos tão somente burocráticos. A despeito do exposto, entendemos as preocupações com as atividades cuja má prática possa acarretar em riscos à saúde da população. Logo, as profissões que, de alguma forma, possam afetar a sanidade física dos seus usuários não estão incluídas no texto.” 

Direito do Trabalho

Para especialistas, isso seria o fim da exigência de diplomas e, automaticamente, da formação acadêmica. A advogada trabalhista Rafaela Morais afirmou ao Jornal Opção que a desregulamentação profissional é um risco imensurável para toda a sociedade. “Ao contrário do que consta no PL 3081/2022, a desregulamentação de profissões gera sim riscos à saúde, segurança, ordem pública, incolumidade individual e patrimonial”, frisa. Ela prevê que com isso o fim de diploma (formal), ou seja, a formação acadêmica.

“A desregulamentação acaba com a fiscalização técnica profissional, acaba com a fiscalização das universidades, possibilitando que cada vez mais profissionais (ainda mais) desqualificados adentrarem no mercado de trabalho. O PL 3081/2022 gera grave vulnerabilidade social”, pontua.

O advogado trabalhista Eduardo Costa disse haver inúmeros equívocos e contrações na proposta, o que deve dificultar a própria tramitação no Congresso Nacional. “Todo projeto de lei ainda tem que ter uma justificativa plausível para nos convencer sua existência, e a justificativa do PL 3081/22 é apenas que, em tese, a regulamentação pelo Estado impõe ‘inúmeras barreiras de entrada’ de novos profissionais, o que não é verdade, pois senão não existiria ninguém atuando nas cerca de 35 profissões abrangidas”, pontua.

Opinião dos profissionais

Pela proposta, engenheiros não precisariam de regulamentação | Foto: Reprodução

Nadia Somekh, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU), afirmou que o Conselho trabalhou prontamente e conseguiu impedir que a legislação que regula o exercício da Arquitetura e Urbanismo fosse revogada. De toda forma, o CAU Somekh entende que, sem a regulamentação legal das profissões de arquiteto e urbanista, haveria riscos à segurança e saúde dos cidadãos, além de patrimoniais.

O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (Crea-GO) lançou petição para pedir arquivamento do projeto de lei. Segundo Gracielly Oliveira Assessoria de Imprensa do Crea-GO, 18 mil pessoas já assinaram o documento. Os argumentos apresentados são: “A desregulamentação pode acabar com a fiscalização técnica dos profissionais, deixando a população à mercê de profissionais malformados ou até mesmo sem formação técnica. Pode também abrir espaço para o surgimento de cursos alternativos de algumas semanas, como se fossem cursos oficiais que demandam anos para formar um profissional. A desregulamentação pode ainda gerar desvalorização salarial pelos mesmos serviços prestados hoje.”

Luciano Matos, diretor do Sindicato dos Professores (Sinpro) se manifestou: “Este PL representa o modelo político do Estado mínimo derrotado nas urnas, que precariza, privatiza e terceiriza o serviço público de qualidade que deve ser oferecido à população, e desvaloriza os orientadores educacionais. Esse conteúdo em parte estava na PEC 32 do Bolsonaro (Reforma Administrativa), que conseguimos barrar com a mobilização das(os) trabalhadoras(es), depois muita luta, em plena pandemia”, completa ele, lembrando que Tiago Mitraud teve atuação incisiva em defesa da PEC 32, das terceirizações e privatizações.