Cientista político David Fleischer aponta ainda as coligações proporcionais como um dos maiores problemas do sistema político-eleitoral brasileiro

Cientista político David Fleischer: “Representação distrital ligaria o eleitor ao eleito, mas é difícil que o Brasil adote esse sistema”
Cientista político David Fleischer: “Representação distrital ligaria o eleitor ao eleito, mas é difícil que o Brasil adote esse sistema”

Cezar Santos

J.B.S. é atendente de lavanderia, tem 36 anos, segundo grau completo, mora em Goiânia, é solteira e mãe de uma garota de 11 anos. Não tem interesse especial por política. Afirma que não votou em Dil­ma Rousseff (PT) na eleição de outubro, tendo optado por “aquele moço bonito”, confirmando o nome do senador Aécio Neves (PSDB). Para governador, cravou Marconi Perillo (PSDB). Para o Senado, só consegue lembrar depois que lhe são sopradas duas possibilidades: Vilmar Rocha (PSD) ou Ronaldo Caiado (DEM). “Votei no Caiado”, diz.

E para deputado, no caso estadual e federal, em quem a senhora votou? Ela pensa um pouco, pensa mais…

— “Não me lembro”, responde J., com um sorriso meio encabulado.

Não é caso isolado essa memória curta dos brasileiros com relação a quem votaram, principalmente para vereador, deputado estadual e deputado federal. Em questão de meses, semanas, às vezes dias, grande parte dos eleitores — estima-se que metade deles — não se lembra mais quais os nomes sufragou na urna para representá-la nos Legislativos.

“A falta de conexão entre eleitor e candidato, principalmente ao Legisla­tivo, é um dos maiores problemas do sistema político eleitoral brasileiro”, diz o cientista político americano naturalizado brasileiro David Verge Fleischer, professor emérito da Universi­dade de Brasília (UnB) e professor visitante na Universidade de Washington (EUA).

O cientista político questiona: se o eleitor não se lembra do nome de seu deputado e vereador, como vai cobrar desempenho deles? Por isso, afirma, falta essa ligação entre o eleitor e quem lhe pediu o voto, um compromisso entre representado e representante.

Fleischer diz que a melhor maneira de fazer essa conexão é a representação distrital, porque aí o eleitor teria uma ligação muito mais direta com o eleito. O professor está falando de um dos pontos fulcrais da reforma política, tema muito em voga atualmente. Mas ele tem pouca esperança de que a proposta passe no Congresso. “No Brasil atual, acho inviável que se adote esse sistema.”

Nesse sentido, o professor diz que a alternativa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e mais de cem entidades, que têm uma proposta de reforma política, seria positiva.
A proposta da OAB prega eleição de deputados em dois turnos: no primeiro se vota nos partidos, estabelecendo a cota proporcional para cada sigla nos Estado; no segundo turno, cada partido lança uma lista aberta com o dobro de candidatos em relação às vagas.

“Não há dúvida que isso reduziria tremendamente os custos das campanhas para deputados, tanto estaduais quanto federais. É uma alternativa, que está sendo apresentada como iniciativa popular para o ano que vem”, diz David Fleischer.

Ainda no tocante as eleições proporcionais, Fleischer diz que as coligações também provocam muita confusão na cabeça do eleitor, que não entende, por exemplo, que muitas vezes quem tem muito mais voto não é eleito, e outro com menos voto sim. “E se eu votei no candidato do partido X, eu tenho de esperar que eu ajudei a eleger alguém do partido X, mas nem sempre ocorre isso, o que confunde a cabeça do eleitor.”

O professor diz que poderia ajudar bastante se as coligações proporcionais para eleger deputado fossem proibidas, observando que na eleição majoritária, continuaria tendo coligações.

Cláusula de barreira é importante, diz cientista político

David Fleischer diz que seria bom colocar a cláusula de barreira, não de 5%, mas de 2 ou 3%. Isso reduziria o número de partidos na Câmara dos Deputados para uns 10 ou 12, no máximo — na próxima legislatura, nada menos que 28 siglas terão representação na Câmara.

O professor acredita com dessa forma haveria muitas fusões e incorporações de partidos. E as grandes siglas, as seis ou sete maiores, seriam favorecidas, o que ajudaria a aprovar a proposta no Congresso.

“Com isso, se resolveria inclusive aquele problema de pequenos partidos alugarem tempo de TV aos maiores. Há um slogan no Sebrae: ‘pequenas empresa, grandes negócios’ (risos); então, pequenos partidos, grandes negócios. Com as incorporações e fusões, os partidos maiores ficariam com o maior tempo de televisão.”

Tem quem ache que a lista aberta de candidatos é outro problema sério, e defendem que tem de fechar a lista e votar apenas no partido numa lista pré-ordenada. “Acho isso inviável, porque deputados de grandes partidos acham que foram eleitos por causa do voto nominal, por isso, dificilmente isso passa no Congresso. Seria uma forma de fortalecer bastante os partidos, mas dificilmente passaria.”

Sobre a proposta é tornar o voto facultativo, David Fleischer afirma que o Brasil já é maduro suficiente para não ter voto obrigatório.

Outro tema, a reeleição, o cientista político acha interessante, porque dá a possibilidade de o eleitor dar mais uma chance ao gestor, se aprovar o primeiro governo que ele fez. “Se não fez uma boa gestão, não é reeleito. Foi o que aconteceu aqui em Brasília. O governador Agnelo [Queiroz, do PT] tinha uma avaliação tão ruim, que ele nem passou no primeiro turno. Ou seja, ele recebeu um julgamento muito duro da população.”

Para Fleischer, o lado negativo da reeleição é que o prefeito, governador, presidente têm toda a máquina a sua disposição, para usá-la na campanha eleitoral. Isso porque no nosso sistema de reeleição, não tem desincompatibilização — ou só tem em alguns casos.

Sobre o financiamento exclusivamente público das campanhas, proposta que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (parada por estar sob vista do ministro Gilmar Mendes), David Fleischer não acredita que seja tão eficaz como vem sendo apregoada. E ele teme que possa até piorar o problema do caixa 2, se a Justiça Eleitoral não tiver condições de fiscalizar.

“Acho que pode até proibir contribuições, mas ainda haveria caixa 2. Na verdade, pode até piorar o caixa 2. Nessas eleições, ficou claro quem contribuiu para quem no caixa 1, que dá uns 20 ou 25% do total de doações”, afirma.

O nó da questão, diz David Fleischer, é que o Congresso jamais daria poder e recursos materiais e pessoais ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para realmente fiscalizar e monitorar toda a campanha. “Pode-se até descobrir o caixa 2, mas para isso tem de ter recursos materiais e humanos, o que o TSE não tem para fiscalizar e monitorar.”

Para instituir financiamento exclusivamente público de campanha, segundo o catedrático, tem que reduzir drasticamente o custo das eleições. “E o grande custo das eleições são as proporcionais com lista aberta de candidatos. Se fechar a lista, fica mais viável o financiamento público, mas, repito, isso não passaria no Congresso.”