Estados e municípios são passageiros da agonia
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A forma de composição e distribuição da carga tributária no Brasil torna entes federados dependentes de repasses da União para não fecharem com prejuízo
Afonso Lopes
A saúde financeira do governo federal não interessa apenas aos governistas e à presidente Dilma Roussef. Todos os Estados e municípios também torcem para que Brasília consiga finalmente se equilibrar porque seus cofres estão diretamente ligados com o volume disponível de recursos, legais ou obtidos via convênios. Isso ocorre porque a distribuição da carga tributária no Brasil é excessivamente concentrada no governo federal, restando, no final das contas, muito pouco para os outros dois níveis de governo, que é onde se concentram as maiores pressões.
Essa concentração de recursos em Brasília não foi promovida pelo governo atual nem pelos governos imediatamente anteriores. É, na realidade, uma herança do período civil-militar de 1964. Dessa forma, o general-presidente conseguia facilmente controlar, inclusive politicamente, todos os governadores. Os presidentes civis que assumiram na abertura democrática, José Sarney, e na democracia, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e agora Dilma, nada fizeram para repactuar essa distribuição. Curiosamente, na ditadura e na democracia a motivação para se concentrar a maior parte dos impostos em Brasília é idêntica: manter governadores e prefeitos praticamente dependentes da boa relação com o governo federal.
Impostos
Oficialmente, essa concentração federal da carga tributária serve para o governo federal redistribuir o desenvolvimento entre todos os Estados de maneira a privilegiar o desenvolvimento econômico e social dos mais pobres em relação aos mais ricos. Na prática, funciona também como uma camisa-de-força política, que impede os governos estaduais de voo independente.
Além disso, as únicas transferências automáticas são das tributações que levam a denominação de imposto. Taxas, licenças e contribuições ficam fora. A Cide, por exemplo, que é um imposto que incide sobre os combustíveis, é federal. Na prática, Estados sobrevivem estruturalmente do FPE, o Fundo de Participação dos Estados, e dos repasses do governo federal através de convênios. Nas cidades, a dependência é dupla, dos governos federal e estadual.
Como Brasília não conseguiu controlar as suas finanças, ocorreu um efeito cascata imediato em todos os Estados brasileiros. Com honrosa excessão do Rio de Janeiro, que continua recebendo um monte de dinheiro por conta das obras preparatórias dos Jogos Olímpicos no ano que vem, todos os demais estão em sérias dificuldades. A pior situação é do Rio Grande do Sul, que nem sequer consegue quitr devidametne a folha de pagamentos dos servidores públicos estaduais.
Em tese, os governadores de oposição à Presidência poderiam agir politicamente já que o país vive sob a regra democrática. Na prática, o buraco é sempre e muito mais abaixo disso. Sem o dinheiro extra de Brasília, a possibilidade de os Estados não conseguirem pagar mensalmente as parcelas de suas dívidas é imensa. Quando isso ocorre, o governo federal corta inclusive os repasses legais, e fica legalmente impedido de agir através de convênios, que se tornam igualmente proibidos.
Em Goiás e na maioria dos demais Estados, governadores tiveram que aumentar em alguns pontos as fontes de arrecadação próprias, que caem diretamente em seus cofres sem terem antes que passar por Brasília. É o caso do ICMS e do IPVA, impostos estaduais. Já as cidades dependem principalmente do IPTU/ITU, que também entrou na roda de aumentos nacionais.
O grande problema nessas soluções domésticas é o agravamento da recessão imposta via canetaço pela equipe econômica federal. A ideia central do governo é combater a disparada dos preços via aumento das taxas referenciais de juros incidentes sobre o enorme estoque da dívida pública. Com isso, e como efeito imediato desse aumento nos juros, a necessidade de caixa do próprio governo federal aumentou, ao mesmo tempo em que os juros altos indicaram para o mercado que haverá menos dinheiro em circulação para sustentar o consumo e, assim,
realimentar a roda produtiva. Como consequência, vieram o adiamento dos planos de investimento, a queda geral nas vendas e o aumento do desemprego, agravando ainda mais o efeito recessivo do aumento nos juros. A soma de todo esse panorama francamente hostil para os negócios e para os empregos foi a queda na arrecadação em todos os níveis. Em julho, conforme o próprio governo federal admitiu, o país arrecadou 10% menos que o mesmo mês do ano passado, que já não tinha sido nenhuma “brastemp”.
Como as despesas dos estados e da União não param de crescer, inclusive em relação à folha de pagamento dos servidores, Brasília tenta de todas as formas empurrar goela abaixo mais um imposto, a CPMF. Para obter o apoio dos governadores e das bancadas federais fiéis a eles, prometeu dividir a bolada com os Estados. Ao mesmo tempo, e para tão somente manter o equilíbrio e não despencar de vez, Estados aumentaram os impostos próprios. Nas principais cidades, que detém melhor e mais diversificado poder de pressão, há aumentos nos impostos municipais, como IPTU e ISS, imposto que incide sobre o setor de serviços.
São saídas alternativas, e de fôlego bastante curto. Os Estados e as cidades, da forma tributária como são, totalmente dependentes da arrecadação federal, só vão conseguir respirar sem ajuda de aparelhos caso Brasília se organize e pare de sangrar na economia. Mas para que isso ocorra, o governo federal teria que parar de sangrar também na política. Estados e municípios são passageiros dessa mesma agonia.