Nas redes sociais, as pessoas se sentem à vontade para destilar seus pensamentos preconceituosos e individualistas

Major Araújo que homenagear jornalista de fora; Tatiana Lemos quer dinheiro público para gays e lésbicas | Carlos Costa/Alego e Câmara Municipal de Goiânia
Henrique Morgantini
Especial para o Jornal Opção
Existe uma página no Facebook que se autointitula Igreja Internacional. É um espaço de humor ácido, que se destina a fazer sátira desta guerra ideológica que usa a religião como fio condutor para selecionar quem está com a razão e quem deve morrer. O mais interessante é que os tempos andam tão ásperos no debate social brasileiro que um perfil como este de humor rasgado é facilmente confundido com uma página comum, que realmente defenda a sério eventuais fundamentalismos.
O autêntico debate social brasileiro acontece, sim, nas redes sociais. É por lá que o indivíduo se sente suficientemente à vontade para destilar cuidadosamente seus pensamentos mais abruptos, preconceituosos e individualistas. Usando para isto toda a agressividade que só a covardia do anonimato pode dar.
A fúria do teclado e do smartphone nunca foi tão incontrolável.
Acontece que eu, em meu perfil, reproduzi uma mensagem da tal Igreja Internacional na manhã da última quinta-feira. Não opinei, tampouco disse que era verdade ou sátira. A mensagem, sob forma de imagem, dizia respeito às mulheres tatuadas. Eis o conteúdo: “Mulher tatuada? Tô Fora. Não mereço mulher promíscua e rodada”.
O resultado previsível foi uma concentração superior a 100 comentários na primeira hora de todo o tipo e um recorde de compartilhamentos indignados. Alguns pontos são interessantes e merecem observações já que revelam muito dos traços do usuário de internet e sua forma de lidar com “verdades” e “informações”. A começar pelo não questionamento da origem da informação. Quem é mais escolado na internet conhece há muito a tal página de humor, mas quem não, simplesmente leu “igreja” e o conteúdo e se ofendeu com tamanho desatino.
Estamos, de fato, acostumados a ver igrejas neopentecostais sendo agressivamente preconceituosas com segmentos sociais e características, por assim dizer, urbanidade.
Mas, em seguida, veio um fato incrível: o suposto ódio da Igreja Internacional às tatuadas sumariamente promíscuas deu lugar a outro ódio semelhante: as mulheres se revoltaram por não serem aceitas por uma igreja imaginária que elas jamais tiveram conhecimento ou jamais pensaram em frequentar. As pessoas, homens e mulheres, não conhecem a igreja e sequer sabiam que ela existia, mesmo assim demonstraram revolta por não serem aceitas como são.
E aqui cabe a primeira grande reflexão sobre nosso comportamento nas redes sociais: não importa de que lado estamos, nós não queremos apenas ter a nossa razão, nós também queremos que o outro, o adverso, o contrário, também sucumba à nossa posição e concorde com a gente.
Não queremos ser aceitos, queremos a submissão.
Seja você LGBT, pastor, integrante da “marcha das vadias”, ateu, tatuado, você quer ter razão e ser reconhecido por isso.
Sejam Bolsonaros, Willis, petralhas, tucanalhas, lulistas, golpistas, você não quer opinar: você quer oprimir.
O fato de haver uma igreja que não me aceite simplesmente me colocaria na condição de não aceitar a mesma igreja. Ou seja: eu não vou passar nem na porta dela, quanto mais ir lá debater qualquer tema relacionado à minha vida. Mas não é o que ocorre. O que realmente acontece é uma incitação natural ao embate, seja verborrágico, seja físico. Porque eu ter razão não é o bastante, eu quero a opressão do Eu-Certo contra o Todo-Errado.
Este cenário atinge o Brasil e chega a Goiás através de dois acontecimentos antagônicos. Na Câmara Municipal, a vereadora Tatiana Lemos (PCdoB) apresentou projeto que cria o Conselho Municipal dos Direitos Humanos de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT). Na ideia da parlamentar, o Paço Municipal deverá reservar um Fundo de Enfrentamento à Homofobia e Promoção da Cidadania LGBT, ou como ela chamou, “Fundo Goiânia Sem Homofobia”. A ideia é esta mesmo: angariar fundos oriundos de multas aplicadas em ações de enfrentamento das questões homofóbicas. E usar isso para ações sociais referentes ao tema.
Na Assembleia Legislativa, o deputado Major Araújo (PRP) apresentou proposta de condecoração de cidadania goiana à jornalista Rachel Sheherazade (SBT). Segundo ele, a comentarista, que muitas vezes permeia a apologia à violência, “representa o retrato vivo da luta da liberdade de expressão, de forma muito neutra e isenta”.
A proposta de Araújo recebe a manifestação direta sob a forma de um abaixo-assinado que já coletou mais de mil assinaturas contra a honraria. Além do fato de que a jornalista jamais fez algo por Goiás, o grupo reivindica que as posições de Sheherazade são abomináveis e preconceituosas.
Na Câmara, Tatiana deve sofrer retaliações e aguentar muitos comentários agressivos e preconceituosos contra gays, principalmente depois do tal Trans-Jesus que, com os peitos à mostra, foi “crucificado” em cima de um carro de som.
Em comum, está a intolerância de todos os grupos. A incapacidade de diálogo e de compreensão do outro lado dentro de um cenário democrático é justamente o ponto de intersecção destas massas antagônicas. Em uma democracia representativa, as diversas camadas sócio ideológicas podem e devem ser por quem emita opiniões afinadas com seus grupos.
Só existe Rachel Sheherazade e Bolsonaro porque há quem aplauda e ouça a primeira e vote no segundo. É a representação da vontade de determinada parcela da sociedade. Da mesma maneira que ignorar um movimento social, comportamental, antropológico como o LGBT é uma barbárie enquanto sociedade. Um agente político que se negue a debater a criação de políticas públicas envolvendo este tema simplesmente se mostra como alguém despreparado para a lide democrática.
Acontece que de ambos os lados há o combate sem diálogo, na base da força seja no discurso, seja na porrada. A melhor forma de impedir que o Major Araújo criasse um “Sheherazade Day” em Goiás seria impedi-lo de ser eleito porque este é o embate democrático. Agora, se o policial, que é o mesmo do projeto histriônico de “Bolsa Arma”, está lá, não foi por imposição ou levitação: ele foi eleito por representar o sentimento da população. Fechar-se a isso é se negar a enxergar a própria sociedade em que se está inserido.
Igualmente, tentar “não reconhecer” reivindicações de um movimento social é fazer aquele cacoete do avestruz que, diante dos perigos do meio, tem como reação enfiar a cara num buraco para não ver mais nada: é como se, ao fechar os olhos e dizer “isso não existe”, a realidade mudasse e deixasse de existir.
No Brasil, há uma série políticos-avestruz deste jeito.
E, como consequência final, perdemos o debate. Abrimos mão de obter cabeças pensantes e capazes de promover o debate lógico e democrático a fim de produzir um resultado comum de aceitação, ainda que a partir de suas origens ideológicas, para simplesmente xingarmos e batermos boca. Queremos a morte sumária das bichas em seus guetos na mesma velocidade que pretendemos torturar cristão nas fogueiras que eles sabem tão bem fazer.
Queremos a prisão e a tortura para os reacionários e adeptos do golpe militar. E uma passagem só de ida para Cuba para todos os demais.
Queremos ganhar a razão do outro, o que já é errado, porque deveríamos nos limitar a conquistar a aceitação social, legal e democrática. E só. Mas mesmo assim, queremos tudo. E queremos no grito. Ou na porrada.
Falamos demais, saímos no braço demais, enquanto nossa energia se perde num grande silêncio de pouquíssima cidadania e senso de humanidade.
Sheherazade disse que quem tem dó do menor de idade amarrado ao poste, que o adote. Pois eu digo que se o deputado bélico Major Araújo quer agradar Sheherazade, que faça como ela pediu, que a leve pra casa e lhe conceda o título de “Rainha do Meu Batalhão”. E que as bichas, sapatões, travestis, e toda a horda de vontade que se exista no Humano, seja de ordem sexual ou comportamental, seja respeitada. E toda ação contrária que se baseie em ódio seja punida em Lei.
Eu exalto Taiana Lemos e desprezo Major Araújo. Eu também sou a sociedade. E esta é a minha “opressão”.
A ausência de Ordem nas pessoas, nas instituições geram o caos.
A Desordem como regra levou-nos a esse caos que afronta o “senso comum” – eis pois porque “…nossa energia se perde num grande silêncio de pouquíssima cidadania e senso de humanidade.”
Parabéns, sr. Morgantini.
Vc pode exaltar a Tatiana mas quem esta cansado de passar a mão na cabeça de menor assassino que faz e acontece contando com a impunidade não pode concordar com as ideias da Sherazade que é um obscurantista? Democrático demais… Mais um iluminado para tutelar aqueles que não coadunam de seus valores… Saudades do José Maria e Silva…
Eu concordo com algumas coisas e discordo de outras. Sheherazade não deve nem saber onde fica Goiás (no sentido figurado é claro), não concordo com o título para ela, porém é de se compreender a opinião dela com relação a marginalidade instalada no país, em que governos não reagem para dar um basta na criminalidade e o povo se cansa gerando intolerância no país. Agora a medida da vereadora sou contra, criar secretarias não é solução e sim cabide de emprego que não gera retornos positivos. Quer acabar com preconceito o jeito é investir em educação, morais e cívica que sumiu das escolas, não existe cidadania por isso há ódio entre as pessoas.
Eu concordo com algumas coisas e discordo de outras. Sheherazade não deve nem saber onde fica Goiás (no sentido figurado é claro), não concordo com o título para ela, porém é de se compreender a opinião dela com relação a marginalidade instalada no país, em que governos não reagem para dar um basta na criminalidade e o povo se cansa gerando intolerância no país. Agora a medida da vereadora sou contra, criar secretarias não é solução e sim cabide de emprego que não gera retornos positivos. Quer acabar com preconceito o jeito é investir em educação, morais e cívica que sumiu das escolas, não existe cidadania por isso há ódio entre as pessoas.