Entenda por que preços caíram, mas consumo interno de carne ainda é baixo
05 maio 2024 às 00h00
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Dois fatores contribuíram para uma significativa queda no consumo de carne bovina no Brasil. Primeiro, a abertura das exportações para a China que resultou em um aumento drástico no preço da arroba do boi, que saltou de cerca de R$ 190 para R$ 350, quase dobrando o valor. Esse acontecimento, conforme aponta Sílvio Carlos Yassunaga Brito, presidente do Sindiaçougue, foi o principal motivo para o reajuste nos preços da carne, ocasionando uma queda abrupta nas vendas desse alimento, não apenas em Goiás, mas em todo o Brasil.
Em seguida, veio a pandemia, a qual, como menciona especialistas, contribuiu para agravar a situação em nível mundial. A diminuição da renda da população e o aumento da pobreza devido ao fechamento do comércio durante a pandemia fizeram com que muitos brasileiros deixassem de incluir a proteína em suas refeições. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o preço das carnes em geral aumentou 18% em 2020, mas a alta desacelerou em 2021 (+7%) e 2022 (+1,84%).
Em 2022, o consumo de carne bovina atingiu 24,2 kg por habitante, representando o menor nível em 18 anos no Brasil, de acordo com dados divulgados pela Consultoria Agro do Banco Itaú BBA. Segundo o relatório, este foi o quarto ano consecutivo de queda no consumo per capita.
Essa diminuição ocorreu mesmo com o aumento na produção de carne bovina no país em 2022, que alcançou 7,9 milhões de toneladas (em equivalente carcaça) no ano passado. Deste total, 5,2 milhões de toneladas foram consumidas no mercado interno, o que corresponde a 65%, enquanto 2,85 milhões de toneladas foram exportadas. As exportações registraram um aumento de 23,8% em relação a 2021.
Goiás
Goiás tem registrado um aumento contínuo no número de abates e na criação de gado de corte, destaca Patrícia Honorato, Superintendente de Produção Rural da Seapa – Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O estado ocupa o segundo lugar nacional em número de abates de bovinos, com mais de 3,5 milhões de animais abatidos no primeiro trimestre de 2023, o que representa cerca de 18% do total. De acordo com dados da Seapa, foram produzidas 945,6 toneladas de carcaça no período, equivalente a quase 18% do total.
Outro aspecto importante, conforme informado por Patrícia Honorato, é que Goiás possui o terceiro maior rebanho do país, com 24,4 milhões de animais. Os municípios com as maiores criações são: Nova Crixás, São Miguel do Araguaia, Porangatu, Caiapônia, Mineiros, Jussara, Goiás, Jataí, Crixás e Aruanã.
Patrícia Honorato acredita que um possível aumento na produção, combinado com o fato de que Goiás lidera em geração de empregos, resultará em um maior consumo de carne e, consequentemente, na redução dos preços. “Há uma esperança de que ocorra uma queda nos preços para o consumidor final devido à maior competitividade e ao aumento da oferta interna, o que resultará em preços mais baixos”, destaca.
Os preços da arroba registrados nos três primeiros meses deste ano, que giravam em torno de R$ 233, continuam em declínio, impulsionados, por um lado, pela maior oferta de animais prontos para abate e, por outro, pela redução na demanda dos frigoríficos, devido às longas escalas de abate.
Na busca por melhores preços, os pecuaristas têm buscado alternativas, como reter os animais onde as condições das pastagens permitem e onde os custos dos insumos e derivados são mais favoráveis.
No início deste ano, após um breve período de estabilidade, os preços voltaram a cair. No entanto, a expectativa dos produtores é que, a médio prazo, mesmo que não alcancem os níveis dos anos anteriores, as cotações se estabilizem em valores mais favoráveis.
Segundo Marcelo Penha, Assessor Técnico do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (IFAG), entidade vinculada à Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (FAEG), o estado produziu aproximadamente 945,6 mil toneladas em 2023 e exportou cerca de 320 mil toneladas de carne bovina. Ele destaca que a China é o principal comprador da carne bovina de Goiás, adquirindo 178,7 mil toneladas, o que representa 56% de todas as exportações do estado.
Em 2023, o estado de Goiás exportou para 83 países, sendo os seis principais: China, EUA, Hong Kong, Chile, Rússia e Egito. O total exportado atingiu aproximadamente 320 mil toneladas. Marcelo Penha ressalta que “as exportações são de grande importância para o equilíbrio entre produção e consumo de carne bovina, uma vez que em Goiás elas representam até 30% de toda a produção do estado.”
Ele explica que a China é uma importante parceira do Brasil, sendo responsável por cerca de 56% de toda a carne exportada, tornando-se crucial para as exportações de carne de Goiás. Nesse contexto, ele lembra que o próprio país continua sendo o maior consumidor da carne goiana, acrescentando que “basta uma melhora na economia para que o consumo possa atingir até 75%.”
Conforme explicado por Marcelo Penha, os preços para o consumidor final podem retornar aos níveis de 2019. “Estamos ingressando novamente no ciclo de alta do bezerro e da arroba, já que o Brasil permanecerá como o principal exportador de carne bovina, além da entrada de novos compradores, como Japão e Coreia do Sul. Nossa arroba continua sendo a mais competitiva do mundo, com pecuaristas aprimorando constantemente suas técnicas de produção e entregando uma carne de melhor qualidade.”
Em Goiás, a redução nos preços da carne nos primeiros quatro meses de 2024 foi perceptível, embora modesta. O consumo também aumentou no Estado. “No entanto, apesar do aumento no consumo, ainda não se traduziu em um aumento no faturamento para os comerciantes do setor”, afirmou o presidente do Sindiaçougue, Sílvio Carlos Yassunaga Brito. “Com a diminuição dos preços, esperávamos um aumento mais significativo nas vendas, o que ainda não ocorreu.”
A migração do consumo que ocorreu em 2022, da carne bovina para o frango e carne suína, continua evidente e contribui para a queda nos preços da carne bovina”, explica Sílvio Carlos. Ele observa que, apesar disso, os preços estão diminuindo, embora de maneira gradual, tanto nos cortes traseiros, como alcatra, colchão mole e contrafilé, quanto nos cortes dianteiros, como acém, músculo, paleta e peito, com quedas entre 10 e 12% neste ano.
No entanto, mesmo com essa redução, os proprietários de açougues ainda não perceberam um aumento significativo nas vendas. “Não houve um aumento substancial em nossas vendas. Isso indica que o poder de compra da população ainda é baixo”, lamenta Sílvio Carlos. Ele ressalta, por outro lado, que os preços da carne suína e do frango estão mais atraentes, o que leva os consumidores a preferirem esses cortes.
Sílvio Carlos destaca que aqueles que compram em maiores quantidades têm condições de oferecer melhores descontos, como é o caso de alguns supermercados. A reportagem visitou esses estabelecimentos em um dia de promoção de carne bovina e pôde observar que a população formava filas para adquirir cortes com preços reduzidos. Genival Barbosa, 68 anos, aposentado, aguardava na fila por cerca de 50 minutos, mas afirmava que valia a pena. “Eu sempre venho aqui nesse dia de promoção porque, em dias normais, não consigo comprar. Chego a pagar até R$ 4 a menos no coxão mole, por exemplo. Se fosse apenas um quilo, talvez não fizesse diferença, mas aproveito para comprar carne para a semana toda. Vale a pena esperar até uma hora na fila”, assegurava.
Para Sílvio Carlos, as previsões para o futuro não são as mais animadoras. Ele ressalta que a tendência é de aumento nos preços até o final do ano. “Atualmente temos preços estáveis, mas a perspectiva a partir de agosto é que esses valores sofram um reajuste que persistirá até o final do ano”, afirma. Sílvio Carlos enfatiza que no mercado interno há influências externas, como o dólar e as exportações.
Ademar Lopes, proprietário de uma casa de carnes na região Noroeste, relata que durante o período pré-pandemia, suas vendas eram mais do que o dobro do que são atualmente. Ele destaca que, devido à queda nas vendas, teve que dispensar três funcionários. “Infelizmente, houve uma grande redução no consumo de carne. Antes, havia clientes que compravam 10 quilos por semana e agora estão adquirindo apenas metade disso. Tivemos que repassar os aumentos de preço para o consumidor, o que resultou em uma diminuição ainda maior no consumo de carne bovina. Por causa disso, com pesar, precisei demitir três funcionários”, declara.
Meury Feitosa, autônoma, comenta que a carne já está vindo “pré-salgada”. “Nem precisamos mais comprar carne seca, pois a carne já vem salgada (risos). Apesar de ter notado uma leve queda no preço, ainda está muito caro. Eu, por exemplo, faço muito tempo que não compro picanha e não sei quando poderei ou se poderei novamente”, lamenta.
José Expedito, comerciante de 55 anos, expressa ceticismo em relação a uma possível queda nos preços. “Estou um pouco cético quanto a isso. Os proprietários de frigoríficos estão preferindo exportar, o que torna a carne cara para nós aqui no Brasil. Mesmo eu, com um poder aquisitivo razoável, reduzi o consumo em casa. Imagino como está para as pessoas que ganham salário-mínimo”, diz.
Joselina dos Santos, 60 anos, explica que está enfrentando dificuldades para incluir carne bovina nas refeições. Ela menciona que em sua residência vivem seis pessoas e por vezes não é viável garantir a presença dessa proteína diariamente. Joselina observa que os preços nos açougues ainda não demonstraram redução. “Ouço os políticos dizendo que os preços baixaram e agora os pobres podem comprar carne, até mesmo picanha. Mas eu te pergunto: algum trabalhador consegue pagar R$ 55 pelo quilo de picanha? Na minha casa, ficamos contentes quando conseguimos comprar carne de segunda”, desabafa.
Renato Costa Esperidião Jr, produtor rural e proprietário da Agrogem Agropecuária, com fazendas em Goiás, Pará e Tocantins, destaca que a situação dos produtores não é boa. Ele observa que, do jeito que está, se não houver alguma compensação, vários produtores deixarão a atividade. “O preço caiu muito para os produtores nos últimos 12 meses, mais de 50%, o que não se reflete nos açougues para o consumidor final.”
Renato Costa ressalta que o custo está mais alto do que o preço de venda e, por essa razão, está se tornando quase inviável trabalhar com gado de corte. “Nosso custo está cerca de 20% maior do que o preço de venda”, lembra. Renato Costa denuncia que o monopólio dos frigoríficos é a causa dos preços defasados para o produtor.
Para o produtor, quem mais sofre com esse monopólio é o criador de gado, já que, nessa cadeia, ele é a parte mais fraca. “Infelizmente, o produtor é o elo frágil da cadeia, ele não consegue impor o seu preço ao mercado, então, como consequência do aumento, será a saída de vários produtores da atividade e a consequente diminuição da oferta, o que deve elevar os preços”, critica.
Outro grande problema, de acordo com Renato Costa, é que enquanto a @ teve uma queda de mais de 50%, o custo de produção não reduziu na mesma proporção, o que fez com que a atividade entrasse em colapso e prejuízo.
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