Em Goiás, governo tenta manter fôlego para cumprir desafio do RRF
09 fevereiro 2020 às 00h01
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Existe ainda uma série de obrigações e restrições que o Estado deve obedecer para ser considerado apto a aderir ao RRF, e meio caminho já foi andado
Foi publicada no final de janeiro deste ano a lei que autoriza o governo de Goiás a vender empresas estatais, tais quais a Celg Geração e Transmissão (Celg G&T); a Indústria Química do Estado de Goiás (Iquego); a Goiás Telecomunicações (Goiás Telecom) e a Metrobus. A lei, aprovada pela Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) e sancionada por Caiado recentemente, atende a um das muitas exigências feitas pela União para a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Esse é um dos grandes desafios que o governo Caiado precisará enfrentar este semestre, e a aposta para vencê-lo tem sido alta.
O RRF, aprovado pela Lei complementar 159/2017, foi criado para fornecer aos Estados com desequilíbrio financeiro grave ferramentas para o ajuste de suas contas. Assim, ele complementa e fortalece a Lei de Responsabilidade Fiscal, que não trazia até então previsão para o tratamento de casos como esse.
O regime é voltado apenas aos Estados em grave situação financeira que, conforme a LC 159/2017, são aqueles que a receita corrente líquida (RCL) anual do Estado é menor do que a dívida consolidada ao final do último exercício; o somatório das suas despesas com pessoal, juros e amortizações seja igual ou maior que 70% da RCL e o valor total de obrigações seja superior às disponibilidades de caixa.
Existe ainda uma série de obrigações e restrições que o Estado deve obedecer para ser considerado apto a aderir ao RRF. Segundo o Tesouro Nacional, o Estado que tenha interesse em ingressar no regime deve apresentar ao Ministério da Economia um Plano de Recuperação Fiscal, do qual constem um conjunto de leis como a autorização de privatização de empresas dos setores financeiro, de energia, de saneamento e outros, para utilização dos recursos para quitação de passivos; adoção pelo Regime Próprio de Previdência Social mantido pelo Estado; a redução dos incentivos ou benefícios de natureza tributária de, no mínimo, 10% ao ano; revisão do regime jurídico único dos servidores estaduais da administração pública ou aprovação de lei para disciplinar o crescimento das despesas obrigatórias (teto de gastos), entre outros.
Atento a isso, o governo de Goiás tem, literalmente, feito o dever de casa. De meados de 2019 para cá, Caiado conseguiu emplacar na Alego a PEC da Previdência, Estatuto do Magistério e servidores, além de, é claro, um novo programa de incentivos fiscais. Com a sanção da lei que autoriza a venda de estatais, o governo tenta se aproximar ainda mais da viabilização de adesão ao RRF.
Entre os instrumentos de recuperação oferecidos pelo RRF aos Estados em crise financeira está a redução integral das prestações relativas aos contratos de dívidas administrados pelo Tesouro Nacional por até 36 meses e a suspensão temporária dos requisitos legais exigidos para a contratação de operações de crédito. Ficam suspensas, também, as proibições e determinações aplicadas por descumprimento dos limites estabelecidos para despesas de pessoal e dívida consolidada.
Além disso, dentro do regime, o Estado também não precisará comprovar que suas contas estão em dia para transferências voluntárias. Entre os benefícios, Goiás poderá contratar operações de crédito com a União para finalidades determinadas e com um limite que será estabelecido pela Secretaria do Tesouro Nacional. Porém, junto com os benefícios vêm também as restrições.
Conforme o Tesouro Nacional, o Estado que aderir ao RRF fica impedido, dentre outras coisas, de conceder reajustes a servidores e empregados públicos e militares além da revisão anual assegurada pela Constituição Federal, criar cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa; alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa; realizar concurso público, ressalvadas as hipóteses de reposição de vacância; criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza a servidores e empregados públicos e de militares e criar despesa obrigatória de caráter continuado.
O que pensam os economistas
“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”, disse um famoso personagem de histórias em quadrinhos. A máxima pode ser aplicada ao pé da letra no caso do RRF, uma vez que o Estado precisa “andar nos eixos” caso consiga entrar no regime. De acordo com o presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-GO) e professor de Economia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás) Valdivino José de Oliveira, o “RRF é uma medida extrema mas que ajuda o Estado a equilibrar as contas”.
Para o economista, do ponto de vista econômico, o RRF diminui o tamanho do Estado e, “para aqueles que defendem uma economia mais liberal, isso é o melhor dos horizontes”.
Em contrapartida, há uma série de restrições que vêm com os benefícios. O presidente do Conselho Regional de Economia Acadêmico de Goiás e membro do Fórum Nacional pela Redução das Desigualdades Sociais, Marcos Antônio Silva, destaca o impacto das vedações impostas pelo RRF. Segundo ele, com o regime o Estado fica impossibilitado de realizar concursos públicos, criar cargos e conceder incentivos fiscais o suficiente, o que, conforme ele, deixa a “economia mais tímida”.
No início deste ano, a titular da Secretaria da Economia, Cristiane Schmidt, afirmou que enviou à Alego projetos que viabilizam a entrada de Goiás no RRF. O presidente da Casa, Lissauer Vieira (PSB), especificou os projetos como sendo os já aprovados, como a PEC da Previdência e o Estatuto dos servidores e do Magistério.
Questionado sobre o comparativo entre o RRF e o Plano Mansueto, programa federal de socorro financeiro aos Estados, Vieira adiantou que ainda não é possível “colocar a discussão sobre o Plano Mansueto na mesa”, uma vez que ele “ainda não existe”.