Em desentendimento com governo federal, Caiado apresenta contraproposta para PEC da Segurança Pública
29 dezembro 2024 às 00h00
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Buscando promover maior autonomia aos estados e, ao mesmo tempo, impedir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do governo federal que visa dar mais poder de atuação às forças de segurança federais, o governador Ronaldo Caiado (UB) enviou uma uma contraproposta própria para inibir o que ele chama de “cortina de fumaça” para “concentração de poder”.
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No documento, o governador propõe dar mais autoridade para os entes federados legislarem sobre questões penais, como crimes contra o patrimônio, meio ambiente e contra a dignidade sexual. O mandatário estadual também pontuou o contingenciamento de recursos dos fundos de segurança para estados que optem por não seguir as diretrizes de segurança do governo federal.
“A referida PEC, em síntese, expande as competências privativas e exclusivas da União Federal, concentrando no órgão central atribuições e prerrogativas que hoje são titularizadas pelos Estados-membros. Em síntese, é possível afirmar que a almejada reforma constitucional proposta pelo Governo Federal institui verdadeira relação de subordinação dos Estados e Municípios à União em matéria de segurança pública, quando o contrário é que deve ocorrer, em nome da descentralização, eficiência e, logo, mais democracia”, diz trecho do anteprojeto.
Segundo Caiado, a proposta apresentada pelo governo representa um “retrocesso ímpar”. A principal crítica do governador goiano é o aval que o texto dá à União para determinar diretrizes gerais para a segurança pública, incluindo no sistema penitenciário.
Mesmo não tendo apoio de outros chefes do Executivo estadual, o governador afirmou que irá trabalhar “fortemente” para derrubar a PEC do governo Lula. Atualmente, a proposta elaborada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública está sendo finalizada na Casa Civil, para ser apresentada ao Congresso Nacional.
Crimes coloquem proposto em xeque
No documento, Caiado diz ainda que crimes recentes escancaram a inaptidão da União Federal para o combate à criminalidade violenta e às organizações e facções criminosas. São eles:
- Caso Antônio Vinícius Lopes Gritzbach: o corretor de imóveis e delator do Primeiro Comando da Capital (PCC) foi executado a tiros de fuzil no dia 8 de novembro no Terminal 2 do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo – o maior da América Latina. O governador disse que o crime foi uma falha da Polícia Federal (PF) que não conseguiu prever ou reagir ao crime por meio de ações de inteligência;
- Atentado terrorista em Brasília: Em 13 de novembro, o homem-bomba Francisco Wanderley Luiz, protagonizou um ataque terrorista na Praça dos Três Poderes, em Brasília. O autor do crime explodiu um veículo perto da Câmara dos Deputados e arremessou explosivos em direção ao prédio do Supremo Tribunal Federal e à estátua “A Justiça”, antes de cometer suicídio. Caiado pontuou que Francisco agiu sem que os órgãos de segurança do Governo Federal identificassem a ameaça;
- Resgate de militares do Exército: No dia 18 de novembro, militares do Exército foram atacados a tiros na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. A Polícia Militar do estado foi acionada para socorrer a corporação de militares, além de promover o patrulhamento da área para restabelecer a segurança local, fato que colocou em xeque a preparação das forças sob comando do governo Lula, conforme o anteprojeto;
- Roubo de veículos do G-20: Entre os dias 14 e 16 de novembro, dois carros da comitiva do G-20 foram roubados em ocasiões distintas – sendo que um dos veículos foi recuperado por policiais civis e militares do Estado do Rio de Janeiro.
“Tais fatos, em limitado recorte temporal, bem demonstram as recorrentes e graves falhas da União na gestão da segurança pública. […] Portanto, não é possível se afirmar, de modo algum, que os Estados membros não possuem aptidão necessária para liderar a gestão da segurança pública, demandando tutela da União Federal – que, ao contrário, não vem demonstrando bons resultados na área”, reforçou.
O mandatário estadual ainda comparou os resultados do governo federal com o índice de criminalidade em Goiás. Conforme dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP), houve quedas nos crimes de homicídio (56%), latrocínio (88%), furto e roubo de veículos (80%), roubos a instituições financeiras (100%) e a transeuntes (88%) nas comparações de 2018 a 2024.
Somente no primeiro semestre de 2024, foram cumpridos 4.997 mandados de prisão e apreensão, abordados 584.937 veículos e 840.445 pessoas e recuperados 1.900 veículos com registro de furto ou roubo. Além disso, foram realizadas 12.224 prisões em flagrante e desarticulados 124 grupos de crime organizado. As forças de segurança pública estaduais também capturaram 4.015 foragidos da Justiça, apreenderam 2.319 armas de fogo e mais de 12 toneladas de drogas.
Especialista comenta PEC
O especialista em segurança pública, Franceildo dos Santos, explica que a PEC pode provocar instabilidade nas forças policiais, visto que cada estado tem a própria particularidade e infraestrutura, impossibilitando uniformizar um modelo único contra a violência, como previsto pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Segundo ele, o ideal seria uma estratégia de fortalecer os estados em relação às suas particularidades. O especialista conta que o decreto de uso seletivo da força já existe e que apenas basta colocá-lo em prática.
“Os estados e o Instituto Federal podem vir a sofrer consequências como, por exemplo, um aumento na criminalidade, uma dificuldade para elucidar determinado crime e até mesmo a dúvida da ação diante do policial e diante de um crime. Se ele pode ou não utilizar aquelas ferramentas, porque se ele não utilizar, qual a interpretação que pode vir no futuro”, explica.
“Então isso, de certa forma, inibe. A insegurança jurídica no uso da força, ela acaba levando esse policial à omissão. Talvez isso seja a maior penalidade para a sociedade”, reforça o especialista.
Franceildo diz que o mais viável neste contexto é a contraproposta de Caiado. Segundo ele, o projeto iria reforçar o combate à criminalidade tanto dentro quanto fora dos presídios – berço das grandes organizações criminosas.
“A força policial fica refém, ela não tem, na prática, essa autonomia que deveria ter para o combate ao crime. Então, o bandido ao praticar determinado crime, tem uma certeza dessa impunidade. O governador Caiado deixou isso bem claro, um dos maiores elementos do crime em Goiás mora em outro estado, mas não tem condições de chegar lá porque a lei não permite a incursão da polícia. Deveria haver um plano de governo para as particularidades do estado, não um plano eleitoreiro”, concluiu.
PEC
O Governo Federal tem avançado na construção da PEC da Segurança Pública que, em tese, visa reorganizar e fortalecer o sistema de segurança brasileiro. A base da proposição é integrar os entes federados ao conferir status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (Susp), de forma semelhante ao que ocorre com o Sistema Único de Saúde (SUS) e com o Sistema Nacional de Educação (SNE). A ideia é garantir maior eficiência nas ações de segurança em todo o País, com diretrizes gerais que considerem as particularidades e a autonomia dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
O projeto, que está em análise na Casa Civil e que será enviado, em breve, ao Congresso Nacional, busca criar mecanismos para padronizar protocolos essenciais, como boletins de ocorrência e mandados de prisão – o que, segundo o projeto, tornaria os processos mais ágeis e eficazes. O governo federal argumenta que sem integração, dados sobre crimes e criminosos podem se perder e, assim, prejudicar investigações e operações conjuntas. A PEC busca trazer uma linguagem única para a segurança pública no Brasil.
Veja o que muda
- Susp: criado em 2018 por lei ordinária, o Susp ganha status constitucional. Isso significa maior estabilidade e proteção contra mudanças políticas de curto prazo. Ele servirá de base para a integração das forças de segurança em nível federal, estadual e municipal.
- Atualização das competências da PF e da PRF: a PF terá a ampliação de sua atuação em crimes ambientais e outros de repercussão interestadual ou internacional. A PRF, por sua vez, se tornará uma polícia ostensiva federal, atuando não apenas nas rodovias, mas nas ferrovias e hidrovias, além de apoiar as operações estaduais.
- Padronização nacional: será criada uma linguagem única para a segurança pública, com padronização de boletins de ocorrência, mandados de prisão e outros protocolos, o que facilitará a comunicação entre as polícias de diferentes unidades da Federação.
- Recursos contínuos: a PEC constitucionaliza o Fundo Nacional de Segurança Pública e Política Penitenciária. A medida visa dificultar cortes ou desvios de recursos. Isso garante a continuidade de investimentos em tecnologia, capacitação e equipamentos para as forças de segurança.
- Diretrizes nacionais para a segurança pública: a União passa a ser responsável por definir diretrizes gerais para a política de segurança e defesa social, incluindo o sistema penitenciário, de modo a estabelecer uma abordagem integrada e articulada em todo o País.
Veja o que não muda
- Autonomia dos estados: os estados e os municípios continuarão responsáveis pelo comando e pela gestão de suas próprias polícias. A PEC não interfere nas competências locais.
- Sistemas descentralizados: não haverá a centralização dos sistemas de tecnologia da informação e as unidades federativas não precisarão mudar suas plataformas tecnológicas. Isto é, a PEC não centralizará o uso de sistemas de tecnologia da informação.
- Sem novos cargos: a proposta não cria cargos públicos, mas ajusta os que já existem de acordo com as funções necessárias.