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Na presidência, o vice precisa reverter rapidamente a falta de credibilidade para recuperar imagem do país

Vice-presidente Michel Temer, ao contrário de Itamar Franco quando sucedeu o impedido Fernando Collor, não poderá sacar um plano econômico radical
Vice-presidente Michel Temer, ao contrário de Itamar Franco quando sucedeu o impedido Fernando Collor, não poderá sacar um plano econômico radical

Afonso Lopes

O pior para uma crise econômica grave é a falta de credibilidade do governo em lidar com ela. Quando isso ocorre, forma-se a tal tempestade perfeita, um caos absoluto e aparentemente sem alternativa. É óbvio que isso tende a criar condições para soluções menos afetas à economia propriamente dita e mais intimamente próximas das saídas pela tangente política. Nos países parlamentaristas, invariavelmente a consequência é o voto de desconfiança e a imediata troca do primeiro-ministro, quando não de toda a estrutura de governo. O Brasil vive, de certa forma e em grande medida, uma anomalia do seu sistema, o presidencialismo mitigado. Não é parlamentarista, mas também não pode ser considerado um presidencialismo clássico. O resultado dessa ambiguidade é o processo de impeachment, que usa argumentação jurídica apenas como um tapete por onde passa a decisão política.

A verdade é que o pedido de impeachment da presidente Dilma Roussef teria passado completamente desapercebido se o governo dela não tivesse provocado, por inúmeras medidas econômicas desastrosas e desastradas, um dos piores momentos econômicos da história do país. Jamais, como agora, tantos fatores se juntaram negativamente ao mesmo tempo. E aí, a tese do impeachment, traduzido pelo canto de guerra do “fora, Dilma”, emplacou de vez.

Esse é o cenário pós-impeachment que vai recepcionar o provável governo de Michel Temer. Ele chega sem saldo no cheque especial em matéria de paciência da população. Ao contrário, talvez desembarque no Palácio do Planalto com ligeiro saldo negativo dada todas as circunstâncias sempre traumáticas de um processo de afastamento de presidente da República. Isso também ocorreu em 1992, quando o vice Itamar Franco substituiu Collor de Mello. Não há como esquecer que ambos, presidente e vice, são parte indissolúveis de uma mesma chapa. A herança, portanto, não é somente o comando do Palácio, mas também boa parte do desgaste do titular afastado.

Itamar Franco teve o grande mérito de se mostrar confiável aos olhos da população. Até quando propôs bobagens, como o pedido que ele fez para a Volkswagem refabricar o aposentado e superado Fusca, resultado de um saudosismo ou romantismo fora da realidade, ele foi automaticamente “perdoado” pela população. Isso porque o primeiro julgamento, e que realmente importa no caso da substituição, é o conjunto da credibilidade. Com Fusca ou sem, o que apoiou o governo Itamar numa sólida base foi a seriedade com a qual se apresentou uma saída para a crise moral e econômica da época.

Obedecidas as proporções, é a mesmíssima situação que se tem hoje. Collor antes e Dilma agora não sobreviveram aos problemas porque perderam completamente a crença que detinham antes, quando foram eleitos. A população, majoritariamente, não acreditava que Collor de Mello conseguiria tirar o país da crise, como também não acredita que Dilma tenha a mínima condição de realizar tal tarefa.

Temer, então, vive a mesma situação herdada de Itamar Franco. Com um pequeno e importante detalhe negativo do ponto de vista da recuperação da credibilidade: desta vez, não há plano econômico para ser sacado das pranchetas técnicas. Itamar teve a oportunidade de trocar a matriz econômica, inclusive a moeda. Temer não poderá fazer isso. Mas ele vai precisar alcançar o mesmo resultado de Itamar em relação à credibilidade dele e de seu governo. E aí vai se entrar num vespeiro sem tamanho no campo moral e uma encrenca impossível de ser mensurada em termos de tamanho no campo econômico. Ou seja, ele sai da confortável vidinha de vice-presidente decorativo da República, papel reservado aos vices pela Constituição em vigor, e cai no olho do furacão.

Uma quase tempestade perfeita, com a única diferença de que ele estará chegando, e não saindo. Sem possibilidade de sacar de um plano econômico inédito, que surpreenda a população e a coloque em compasso de espera de resultados, Temer terá que agir imediatamente ao impeachment especialmente no setor político. E a primeira impressão é a que fica. Se o governo que ele terá que oficializar tiver um clima de feira das pulgas, com tudo para não perder qualquer negócio, fatalmente será impossível para ele surfar na necessária onda da credibilidade. E sem esse quesito, não haverá o que fazer para quebrar o ciclo da crise econômica, principal motivação real para a iminente queda da presidente Dilma Roussef.

Temer tem experiência suficiente para montar uma ótima estrutura política de governo, mas não se sabe se a equipe que o cerca agora e que subirá a rampa do Palácio do Planalto dentro de alguns dias com ele, tem a mesma disposição.

Muito mais difícil do que vencer a eleição e chegar à Presidência é orientar o governo de tal forma que o poder seja mantido. Dilma conseguiu isso no primeiro mandato, mas viu sua credibilidade espatifar quase instantaneamente após a reeleição. É ruim falar em “bala de prata” em qualquer situação, mas é uma frase que vem bem a calhar no caso de Temer. Não haverá uma segunda chance. O governo dele terá que chegar “chegando”. Ou ele começa a ganhar credibilidade logo no primeiro pronunciamento que fizer à nação, ou ele dará continuidade à agonia. E será apenas uma questão de tempo para também ser derrubado. A economia não perdoa ninguém.