Educação cívica deve ser ensinada em sala de aula
02 abril 2016 às 11h47
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Projeto de deputado no Acre permite a discussão: não cabe à escola ensinar valores morais? Tal função não pode ser atribuída apenas à família
Luiz Gonzaga Bertelli
Neste ano, pela primeira vez no País, estudantes dos ensinos fundamental e médio terão aulas sobre corrupção. A experiência, salvo engano inédita, pelo menos em termos oficiais, se dará no Acre, fruto de lei proposta pelo deputado Jairo Carvalho (PSD). A matéria leva o nome de “Política, politicagem e conscientização contra a corrupção”. Durante o regime militar, nós tivemos algo parecido com a introdução das aulas de Educação Moral e Cívica, que não foram adiante apesar dos bons propósitos.
A novidade, em princípio, sugere ser mais uma dessas improvisações mirabolantes que lembram coelhos tirados da cartola. No entanto, há respaldo institucional na iniciativa. O Tribunal de Justiça e a Procuradoria Geral de Justiça do Acre deram apoio imediato, por meio da desembargadora Cezarinete Angelim e do procurador Oswaldo de Albuquerque.
Também existe consistência pedagógica e filosófica nela, pois uma das vozes mais vigorosas na defesa da escola nesse terreno é a do filósofo Michael Sandel. Nascido em Minnesota, Sandel é professor de Harvard, onde ministra um concorrido curso intitulado “Justiça”, que vai nessa direção. Sandel já escreveu dois livros: “O que o dinheiro não compra” e “Justiça: qual é a coisa certa a fazer?”.
Sua posição ficou explícita numa resposta dada à revista Exame, em entrevista publicada em 2015. Indagado sobre correções de rota quando a educação familiar não basta para cumprir a missão de transmitir valores aos filhos, ele disse que escolas e empresas têm papel essencial no cultivo daquilo que chamou de virtudes cívicas.
Virtudes cívicas são as atitudes de cidadãos que tenham como objetivo o bem comum, cuja solidez não lhes permite negociar o princípio da honestidade e do respeito mútuo. São atitudes diárias de procedimentos voltados ao respeito às leis e regras estabelecidas pelo pacto social. Sandel recorreu a um exemplo prosaico para esclarecer o conceito: obedecer ao sinal vermelho, mesmo em circunstância de atraso danoso, cuja ausência de câmeras, ou radares poderiam safar o transgressor.
A julgar pela informação da assessoria jurídica do deputado Jairo Carvalho, o Brasil está de fato carente das virtudes cívicas. Recentemente foi constatado em escolas estaduais do Acre, que chapas concorrentes aos grêmios estudantis haviam comprado votos por R$ 1 real ou em troca de lanches. Reproduziam práticas que remetiam às eleições a bico de pena da República Velha, ainda vigentes em grotões do País.
Tão grave, ou pior, é o resultado de uma pesquisa feita pelo Curso de Pedagogia da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), de 2010, e que, infelizmente, não teve a divulgação merecida. Realizado em salas de aula, o levantamento mostrou que os universitários — e estamos falando de um dos estados mais evoluídos do País — não tinham noção exata do que fossem práticas corruptoras.
Atitudes francamente condenáveis na condução dos estudos, aliás, largamente adotadas, não eram entendidas como corrupção, a saber: o uso da mentira para fugir de responsabilidades escolares; a recorrência à “cola”; plágio ou cópia de textos da internet na elaboração de trabalhos e até a compra deles. Tais desonestidades não eram vistas como corrupção. Para os acadêmicos, a falta de postura ética e moral associada à palavra corrupção era restrita aos políticos que se apropriam de dinheiro público. Se não sou político, não sou corrupto.
Pedagogos e psicólogos concordam que a infância, devido à disponibilidade e plasticidade da criança, é o período próprio para a aquisição das virtudes cívicas. Nessa idade, o ser humano é eminentemente educável — e atenção — também corruptível, se sua formação for desvirtuada. Resta à sociedade brasileira — e o debate é extremamente promissor — decidir se a escola deve, de vez, ocupar esse espaço. A rigor, formar cidadãos também é atribuição dela.
Luiz Gonzaga Bertelli é presidente do Conselho de Administração do CIEE-SP e presidente do Conselho Diretor do CIEE Nacional.