Economistas criticam proposta de congelar salário mínimo para conter inflação: ‘É penalizar ainda mais quem já está sobrecarregado’

31 maio 2025 às 21h00

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A proposta de congelamento do salário mínimo como medida para conter a inflação, sugerida pelo economista Arminio Fraga, gerou reação negativa de especialistas. Em entrevista ao Jornal Opção, a economista Greice Guerra criticou duramente a ideia, classificando-a como ineficaz e injusta para a população de baixa renda.
“Eu acho que, apesar dele ser um economista renomado e respeitado pelo mercado, inclusive já foi ministro da Fazenda, no meu entendimento o caminho não é por aí”, afirmou Greice. Para ela, congelar o salário mínimo não resolveria o problema da inflação no Brasil, e sim agravaria ainda mais a vulnerabilidade social.
A economista reconhece que o reajuste do salário mínimo pode, sim, ter impacto sobre os preços ao gerar menos dinheiro em circulação na economia. “Quanto mais dinheiro circulando, maior é a elevação dos preços, porque você aumenta o consumo. É lei de oferta e procura”, explica.
Porém, ela enfatiza que isso não justifica uma medida tão extrema como o congelamento: “Você pode até criar uma crise de confiança no mercado. Pode trazer uma desesperança de crescimento econômico.”
Greice lembra que experiências internacionais já demonstraram o fracasso dessa estratégia. “A gente já viu isso na Turquia e não deu certo. Reduz artificialmente, mas a realidade de mercado é outra. Você vai ver uma população empobrecida, aumenta a desigualdade social, aumenta a informalidade e cai a receita das empresas.”
Além disso, ela destaca os impactos negativos sobre a arrecadação do Estado: “Se as pessoas deixam de comprar, as empresas deixam de vender. Se não tem venda, como é que gera imposto?” A proposta, segundo ela, surpreende por vir de um nome como Arminio Fraga.
“Me surpreendo com essa ideia do Arminio. Ele é muito respeitado no mercado. Mas congelar o salário mínimo é penalizar a população brasileira, que já vem extremamente penalizada, sobrecarregada de impostos, de elevação de preços e escândalos como o que vimos recentemente no INSS.”
Para ela, a solução está na disciplina fiscal do Estado. “O que o governo tem que fazer é parar de gastar, tem que reduzir os seus gastos. Não que eu seja contra políticas sociais, eu acho que tem que ter, mas está demais. Está aumentando o déficit fiscal, o que eleva a inflação e a Selic”, alerta.
Greice também criticou a recente taxação do setor produtivo, citando como exemplo a cobrança do IOF. E conclui: “É preciso criar um marco fiscal eficiente, e não penalizar o trabalhador que já vive com um salário mínimo.”
Para Guerra, a medida, embora tecnicamente viável, é extrema, regressiva e socialmente injusta. Ela ainda avaliou os riscos dessa política e apresentou alternativas mais sustentáveis para o controle inflacionário.
“Congelar o salário mínimo é uma medida extremada”, afirma. “Entendo que, tecnicamente, ela pode ser aplicada. Mas, politicamente, é inviável. Já pensou? O governo já está com uma avaliação ruim. Se congela o salário mínimo, isso atinge em cheio aquele público que realmente o elegeu, que são as classes com rendimentos menores.”
Ela também aponta como fundamentais a manutenção da reforma tributária aprovada em 2023 e a implementação de uma reforma administrativa eficiente.
“A reforma tributária foi um avanço, mas é de longo prazo. Vai terminar de ser implantada só em 2032, isso se o governo não mexer até lá. Precisamos de medidas de curto prazo. A reforma administrativa, por exemplo, é primordial. Se o governo fizer uma reforma eficaz, ele restaura a confiança do mercado. E isso diminui a expectativa de inflação — e expectativa de inflação alta gera inflação.”
Questionada sobre como conciliar o controle inflacionário com a preservação da renda dos trabalhadores, especialmente os de baixa renda, Greice Guerra explica que o estímulo ao setor produtivo pode ser o caminho.
“Se o governo diminui seus gastos, adota um marco fiscal crível e eficaz, ele resgata a confiança do investidor. Com mais confiança, há mais investimentos, mais empresas se abrem, mais empregos são gerados. Aí o governo arrecada mais, e talvez nem precise mexer no salário mínimo.”
Por fim, Greice critica a resistência do atual governo em adotar medidas de responsabilidade fiscal. “O governo precisa se ajustar, mas é muito resistente. Não aceita. E sem esse ajuste, não há como restabelecer a confiança — nem da população, nem dos investidores.”

Mas o que diz a proposta de Arminio Fraga?
Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central do Brasil, defendeu congelar o salário mínimo por seis anos, com reajustes limitados apenas à inflação do ano anterior, sem aumento real. A medida, segundo ele, seria essencial para promover um forte ajuste fiscal e garantir o equilíbrio das contas públicas.
Fraga, que é sócio-fundador da Gávea Investimentos, já havia sugerido a ideia em abril, durante um evento realizado nos Estados Unidos. Na ocasião, destacou que gastos com a folha de pagamento e previdência consomem cerca de 80% do orçamento federal.
Em entrevista ao jornal O Globo, o economista reafirmou sua visão sobre a necessidade de contenção de despesas públicas. De acordo com suas estimativas, congelar o salário mínimo por seis anos geraria uma economia de 1 ponto percentual (p.p.) do PIB ao final do período.
Hoje, pelas regras vigentes, o salário mínimo no Brasil pode ser reajustado em até 2,5% acima da inflação. A política de valorização real do salário mínimo foi uma das principais promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Para Armínio Fraga, no entanto, a situação fiscal do país é insustentável. Ele afirma que o Brasil precisa cortar gastos o equivalente a 3 p.p. do PIB para evitar um colapso nas finanças públicas, especialmente com a taxa de juros reais girando em torno de 7% ao ano.
Segundo o ex-presidente do BC, o país está pagando juros altíssimos há mais de três décadas, o que desestimula o investimento produtivo e limita o crescimento da economia brasileira. Ele também critica a falta de priorização orçamentária no governo federal.
Fraga alerta que o Brasil já enfrentou os efeitos negativos de políticas fiscais populistas no passado, citando a crise econômica vivida durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff como exemplo do que pode dar errado.
Após apresentar a proposta publicamente, Fraga enfrentou críticas de diversos setores da sociedade. Em resposta, argumentou que o congelamento do salário mínimo seria, na verdade, “espetacular para os pobres”, pois contribuiria para a queda dos juros e estimularia o crescimento dos investimentos no médio e longo prazo.
O economista também reconhece que há alternativas ao congelamento, como o corte de gastos tributários, mas ressalta que essa medida seria politicamente mais difícil de aprovar por afetar grupos de interesse poderosos.

“É sem sentido”, diz economista Jeferson Castro
Também em entrevista ao Jornal Opção, o economista Jeferson Castro criticou duramente a ideia de congelar o salário mínimo como forma de controle da inflação. Para ele, a proposta ignora os verdadeiros fatores que impulsionam o aumento dos preços e penaliza justamente a população mais vulnerável.
“Eu acho que controlar a inflação não é questão de salário. Salário é parte só da inflação”, afirmou Castro. “O salário vem sendo corrigido pelo INPC, mas uma avaliação do PIB, que a gente chama de produtividade, também precisa entrar na conta. Isso é muito importante para garantir crescimento econômico.”
Segundo Castro, essa estratégia não tem respaldo nem histórico de sucesso em outros países. “Não vejo sentido nenhum você fazer um congelamento de salário. Isso não existe em lugar nenhum do mundo. O salário tem que acompanhar ou a variação da inflação, ou a variação da inflação mais a variação do PIB”, disse. “Não conheço nenhum país que tenha feito isso e tenha obtido sucesso.”
O economista também rejeita a ideia de que o reajuste do salário mínimo tenha impacto direto e significativo na inflação. Para ele, o argumento de que colocar mais dinheiro nas mãos dos trabalhadores aumentaria os preços não se sustenta.
“Quer dizer, se você colocar mais dinheiro nas mãos de quem ganha salário mínimo, vai aumentar a inflação? Não tem sentido. A composição do salário pode ser um dos componentes da inflação, mas não é um componente determinante”, defendeu.
Castro alerta ainda para os riscos sociais de uma política que congele os salários. Segundo ele, a medida agravaria a desigualdade já existente no país, aprofundando a concentração de renda.
“Você congelar salário hoje, você vai dar dinheiro para quem tem dinheiro, para quem tem salários mais altos. Isso traz uma brutal concentração de renda. Só piora as desigualdades do país”, afirmou. “A gente já tem uma brutal concentração de riqueza e de renda. Se você congela o salário, pior ainda.”
Para o economista, há alternativas mais eficazes e sustentáveis para o controle da inflação — e que não penalizam os mais pobres. A principal delas, segundo ele, passa por políticas de estímulo à produção.
“Vamos pegar a inflação de hoje, que está rodando em 5,4%. A de alimentos, quase 8%, mas já vem caindo. O primeiro ponto é aumentar a produção de alimentos, e o Brasil já vem fazendo isso”, explicou. “Mas não é só alimento. É preciso aumentar a produção de outros produtos também.”
Jeferson Castro defende a retomada de uma política industrial no país como instrumento essencial para enfrentar a inflação de forma estrutural. “A política industrial é importante. Ao invés de comprar produtos industrializados de fora, precisamos fabricar aqui. Isso reduz muito o custo. Tanto é que a inflação nos países desenvolvidos gira em torno de 2% a 3%. Uma das razões é porque eles têm produção industrial significativa”, apontou.
“Produção que agrega tecnologia tem que ser feita no país. Assim, você joga o preço do produto ou serviço para um nível mais baixo.” Para o economista, enfrentar a inflação com justiça social passa, necessariamente, por políticas que aliem crescimento produtivo e distribuição de renda — e não por medidas que suprimam direitos básicos dos trabalhadores.
Castro ainda defendeu que o Brasil precisa adotar uma política industrial voltada à incorporação de tecnologia e valorização da produção interna como forma de reduzir a inflação de forma sustentável. Para ele, medidas estruturais como a reforma tributária e uma revisão na política de juros são mais eficazes do que cortes de gastos ou congelamento de salários.
“A reforma tributária é muito positiva nesse sentido porque você desburocratiza, simplifica toda a tributação. O custo para a empresa diminui e, como o preço vai ser jogado pelo mercado, isso significa que você joga o preço para baixo”, explicou o economista.
Castro afirma que o Brasil seguiu o caminho de mais de 170 países que já adotaram reformas fiscais para reduzir custos estruturais da economia. Ele acredita que o impacto da reforma tributária pode ir além do ambiente de negócios e contribuir diretamente para o controle inflacionário.
Outro ponto central na visão do economista é a política de juros adotada pelo Banco Central. Para ele, manter a taxa Selic em patamares elevados, como os atuais 14,75%, é contraproducente.
“A taxa de juros hoje, no meu ponto de vista, provoca inflação. Por quê? Porque as empresas modernas captam muito dinheiro no mercado: financiamento, empréstimos. Quando você tem uma taxa de largada como essa, o custo de produção dispara”, criticou.
Ele explica que a elevação da Selic traz dois efeitos colaterais nocivos: encarece o financiamento para as empresas, que hoje operam com cerca de 60% do capital vindo de crédito, e aumenta de forma significativa os gastos do governo com o pagamento da dívida pública.
“A cada 1% que você aumenta a Selic, você tem R$ 45 bilhões a mais de despesa com a dívida. Isso significa que o governo vai ter menos dinheiro para investir, por exemplo, em crédito para pequenas e médias empresas ou na agricultura, setores que poderiam dinamizar a economia”, argumentou.
Ainda sobre o congelamento do salário, Jeferson refletiu: “Você imagina, se faz uma proposta dessa, incendeia o movimento sindical. O movimento sindical jamais vai aceitar. É politicamente inviável. Jogar a culpa da inflação no trabalhador que ganha um salário mínimo? Não tem sentido”, disparou.
O economista também comentou sobre como equilibrar o combate à inflação com a garantia de uma renda digna para os mais pobres. Para ele, a solução está na qualificação profissional.
“O caminho que eu vejo é pela educação. Você melhora a capacidade dos trabalhadores, eles têm ascensão social, melhoram o salário, a massa salarial aumenta. Isso impulsiona a economia. E com mais tecnologia, você produz aqui dentro o que antes era importado”, concluiu.

“Economicamente inviável”, afirma economista Everaldo Leite
Para o economista Everaldo Leite, também ouvido pelo Jornal Opção, a ideia é equivocada e pode provocar sérios impactos econômicos e sociais no país. Segundo Leite, o congelamento do salário mínimo não é uma medida simples e seus efeitos se espalhariam por diversos setores da sociedade.
“Para o trabalhador, impediria, no curto prazo, que elevasse o seu poder aquisitivo. Para os empresários, diminuiria o ritmo da elevação dos seus custos. Para o setor público, reduziria o impacto sobre os gastos com salários e previdência”, explica. No entanto, ele alerta que, ideologicamente, a proposta representaria “um passo rumo ao próprio fim do salário mínimo, liquidando de vez o legado de Vargas”.
Leite lembra que o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira define o salário como um dos “preços” da economia, ao lado da taxa de câmbio, dos juros, da inflação e dos lucros. Para ele, o fato de Fraga ter escolhido justamente o salário mínimo como alvo do congelamento não é coincidência.
“Seria difícil vir ao público com uma ideia de congelamento de lucros e juros, o mercado não se interessaria. Onde haveria menos resistência seria na legislação que define o salário mínimo”, observa.
O economista também rebate a lógica de que o aumento do salário mínimo seja o vilão da inflação. “Essa relação só teve relevância quando vivíamos os males da inflação inercial, que foi debelada com o Plano Real, em 1994. Hoje, não tem o menor sentido atribuir, diretamente, ao salário mínimo, uma influência sobre a formação da taxa de inflação”, afirma.
Everaldo Leite critica ainda a tese ortodoxa baseada na Curva de Phillips, que relaciona inflação e desemprego. Segundo ele, essas ideias “nunca foram verificadas empiricamente”. E destaca que congelar salários, como um dos “preços” da economia, “não resultou em interrupção permanente da inflação”.
Sobre experiências internacionais, Leite é categórico: “Desconheço completamente o caso de algum país que tenha congelado exclusivamente o salário mínimo para combater a inflação”. Ele lembra que, no Brasil, durante os Planos Cruzados e no governo Collor, houve congelamentos amplos de preços e até da poupança, sem resultados positivos.
Os impactos para a população mais pobre seriam severos, segundo o economista. “O salário mínimo congelado significaria não haver ganho real durante seis anos, reduzindo o potencial multiplicador do crescimento da renda no país”, alerta. E completa: “Para o trabalhador assalariado seria um desincentivo ao trabalho formal e uma estagnação em seu consumo mensal”.
Leite afirma que, ao final de um eventual congelamento, o salário mínimo se resumiria a um valor meramente de subsistência. “A sua extinção seria o caminho”, lamenta. Por fim, ele destaca que os danos seriam amplos e atingiriam todos os setores da economia.
“No longo prazo, todos seriam prejudicados pelo congelamento do salário mínimo, já que resultaria num engessamento do crescimento da economia”, avalia. E conclui: “A proposta do economista Armínio Fraga é inviável econômica e politicamente, pois os resultados não serão os que ele alardeia”.

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