Desenvolvimento do Entorno interessa a Goiás, ao Distrito Federal e ao Brasil. Mas faltam ações
11 fevereiro 2017 às 10h43

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Dependência histórica que o Entorno tem de Brasília só acabará se a região for industrializada e, para que isso ocorra, um trabalho conjunto se faz necessário

Marcos Nunes Carreiro
Na década de 1950, o Brasil debatia a questão do crescimento econômico e do desenvolvimento. Linguisticamente, as duas palavras, crescimento e desenvolvimento, podem até ser sinônimas, economicamente, porém, há diferenças. Um país desenvolvido não é o que tem dinheiro, mas aquele que consegue distribuir esses recursos. Isto é, que consegue, por meio de políticas públicas, reposicionar os frutos de seu crescimento econômico.
Em meio ao debate, o presidente Juscelino Kubitschek, que era um estadista, percebeu que, para “redistribuir” o desenvolvimento brasileiro, reduzindo as desigualdades regionais, precisava descentralizar, simbolicamente, o poder. A saída escolhida — que, ressalte-se, não era a única — foi a criação de Brasília. A mudança da capital do Rio de Janeiro para o Planalto Central foi fundamental para expandir o desenvolvimento de outras regiões do país, como o Centro-Oeste e o Norte.
A construção de Brasília desenvolveu Estados como Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Pará e Maranhão, tanto à época quanto atualmente. Imagine, caro leitor, o que seria do interior brasileiro sem Brasília? Seguramente, um muito menos desenvolvido do que é hoje. Porém, se há desigualdade regional em termos nacionais, há também desigualmente regional em termos estaduais. Em Goiás, o desenvolvimento se concentra na Grande Goiânia (acrescentando-se aí Anápolis) e no Sudoeste do Estado, onde se encontram cidades como Jataí e Rio Verde.
Nesse contexto, regiões como o Entorno do Distrito Federal, Nordeste e Norte ainda não são desenvolvidas. O governo Marconi Perillo tem atuado para integrá-las ao desenvolvimento, mas, para que esse objetivo seja alcançado de fato, é preciso criar medidas mais fortes para impactá-las. Uma solução seria incentivar sua expansão industrial. Existe potencial.
O Entorno, com mais de 1,5 milhão de habitantes, precisa, por exemplo, de empregos. O último levantamento feito pelo IBGE apontou que aproximadamente 200 mil pessoas se deslocavam dos municípios do Entorno para estudar e trabalhar em Brasília. Logo, se fosse construído na região um polo industrial, uma espécie de Daia do Entorno, haveria geração de emprego e sustentabilidade de renda, uma vez que parte dos produtos ali industrializados poderia ter como destino final o mercado consumidor do próprio Distrito Federal, que conta com uma população superior a 3 milhões de pessoas.

A proposta existe, o que falta são recursos e maior força política, visto que é comum o pensamento de que o Entorno é “terra de ninguém”, nem de Goiás nem do Distrito Federal, quando, na verdade, pertence aos dois. A ligação entre o Entorno e Brasília não é por pura proximidade geográfica, mas histórica, afinal Brasília não foi construída no vazio. Eduardo Pessoa de Queiroz e Marília Steinberger, pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), mostram, num artigo escrito em 2007, o contexto de ocupação populacional quando da construção de Brasília, na década de 1950.
Quando a nova capital foi construída, cidades como Pirenópolis, Luziânia e Formosa já existiam, fundadas a partir da utilização de sítios para mineração, desde o início do século 18 — Flores e cidade de Goiás também surgiram nesse contexto. E, a despeito da mineração, outras fontes econômicas surgiram como uma alternativa à exploração aurífera, caso da pecuária em Formosa. Além desses, também estavam formados à época da inauguração de Brasília, Corumbá de Goiás, Abadiânia, Alexânia, Cristalina, Cabeceiras e Unaí. Tanto que o território do Distrito Federal é resultado do desmembramento de Luziânia, Formosa e Planaltina de Goiás.
Logo, é errôneo pensar que Brasília fundou o Entorno. Na verdade, foi o contrário: ao desmembrar os municípios já existentes para assentar Brasília, emergiu, paralelamente, um entorno. Juntos, Brasília e as cidades a sua volta já contavam, no início da década de 1960, com uma população de mais de 300 mil habitantes. O que a nova cidade fez, então, não foi criar aglomerações populacionais ao redor do Distrito Federal, mas inflar as que já estavam lá.
Basta dizer que, em 1960, o número de habitantes no Distrito Federal era de 150 mil; apenas dez anos depois, passou para mais de 500 mil e, em 1980, já ultrapassava um milhão. Nesse contexto, obviamente, o crescimento populacional não ficou limitado ao Distrito Federal. No início dos anos 60, o Entorno contava com apenas sete municípios; em 1980, eram 13, número que aumentou para 22 no fim da década de 1990. Para ficarmos em dois exemplos, em 1960, Formosa tinha 21 mil habitantes e Luziânia, 27 mil; vinte anos depois, a primeira duplicou sua população (43 mil) e a segunda triplicou (92 mil).
O resultado é evidente: com ocupação e uso do solo para fins urbanos dando-se de maneira completamente desordenada, houve reflexos diretos na condição social de vida da população do Entorno e do próprio Distrito Federal. Assim, as deficiências existentes em áreas como saúde, educação e renda, tão faladas atualmente, vêm de muito antes. Conclui-se, portanto, que a presença de Brasília foi extremamente necessária para o desenvolvimento dos Estados periféricos, mas trouxe também mazelas para a região a sua volta, o que aconteceu antes e também agora.
O Distrito Federal, que tem uma extensão territorial muito menor que Goiás, tem também mais recursos — parte do custeio em áreas como segurança, saúde e educação é feito pelo governo federal. Somando-se isso a alta atração de pessoas para a capital, o resultado é uma alta falta de controle no Entorno, que não tem nem recursos nem meios para arcar, por exemplo, com os problemas de segurança gerados por Brasília. Vem daí a afirmação feita no início deste texto: o Entorno não é “terra de ninguém”, mas “terra de dois”, pois a solução para seus problemas deve partir tanto de Goiás quanto do Distrito Federal, que precisam trabalhar em parceria.
O ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda tinha alguns projetos para ajudar Goiás a investir no Entorno, fomentando o desenvolvimento na região. Porém, nada saiu do papel. O deputado federal por Goiás João Campos (PRB) tem um projeto antigo que visa permitir a aplicação de 10% dos recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) nas cidades do Entorno. O projeto esbarra em várias questões e nunca foi para frente. O atual governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB), também apresentou projeto semelhante quando era senador, mas com uma porcentagem muito menor: 0,5%.
Agora, como governador, Rollemberg parece dar sinais de que tem a intenção de ajudar no desenvolvimento do Entorno. Até porque desenvolver o Entorno significa também fortalecer outras regiões — a expansão do Entorno beneficia, por exemplo, o Nordeste goiano, região com a qual mantém ligação. É claro que isso depende mais do governo goiano que do Distrito Federal, pois o Entorno pertence a Goiás. Porém, qualquer política para a região precisa do apoio também do governo federal e do governo da capital. Tanto é que Rollemberg e Marconi Perillo (PSDB) têm dialogado bastante desde o começo de seus mandatos.
Nas conversas, Marconi garantiu que irá entregar em breve os dois hospitais regionais — de Águas Lindas e de Santo Antônio do Descoberto — do Entorno Sul, o que desafogará a demanda por serviços de saúde na capital federal. Além disso, existem propostas no sentido de criar núcleos de geração de emprego e renda na região, com o objetivo de reduzir a demanda por emprego em Brasília. Neste, o governo do DF estaria presente.
Aliás, algumas parcerias já foram firmadas entre as duas unidades da Federação. Entre elas está a construção da Estação de Tratamento de Esgoto em Águas Lindas de Goiás, que tem previsão de entrega para março. As obras estão sendo executadas pelo Consórcio Saneago/Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb). Outra parceria é em relação à obra que permitirá a captação de água da Usina Corumbá 4, mas esta, que tem recursos federais, está paralisada por uma ação do Ministério Público, embora os governos já trabalhem para destravá-la.
Esse diálogo tem sido facilitado graças ao Consórcio Brasil Central, que reúne Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Tocantins e Distrito Federal, e cujo objetivo é impulsionar a economia dos Estados envolvidos. Porém, se o diálogo entre Goiás e DF é fácil, difícil é tirar os projetos do papel. O motivo principal permanece sendo a falta de recursos, uma das razões para que o polo industrial do Entorno não tenha sido implantado.
Porém, nem tudo precisa vir necessariamente “de cima”. A questão: se os Estados periféricos podem se reunir para lutarem, juntos, por um maior desenvolvimento, por que os municípios também não o fazem? E já até existe um grupo que reúne as cidades do Entorno. Denominado Ride, sigla para Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno, o grupo surgiu de um esforço da União, em 1998, para que os municípios atuassem em conjunto visando diminuir as disparidades socioeconômicas da região.

A ideia era boa, mas o problema é que a Ride nunca funcionou a contento e sempre foi alvo de críticas por parte de vários políticos ligados à região. Por isso, os municípios sempre atuaram de maneira isolada para resolver os inúmeros problemas surgidos da falta de planejamento pela qual as cidades do Entorno foram feitas. Alguns municípios, como Cristalina, conseguiram se desenvolver razoavelmente — a cidade tem um dos maiores PIB agrícola do Brasil e a maior área de irrigação da América Latina, o que proporciona uma produção diversificada durante todo o ano.
Enquanto isso, cidades como Formosa apostam no turismo. O município está localizado na região do Salto do Itiquira, uma queda de água de 168 metros de altura. Além disso, conta com cenários variados de beleza natural, como cachoeiras, trilhas e paredões, característica compartilhada por Pirenópolis, que conta também com casarões coloniais, festas populares e igrejas. Porém, tudo esbarra na falta de investimentos apropriados e na não diversificação da economia. É aí que voltamos à necessidade de industrialização da região.
Nova Ride?
Os prefeitos do Entorno começam a entender a necessidade de trabalharem juntos, sobretudo em um período de crise econômica, em que não apenas os municípios, mas também os Estados e União não têm dinheiro. Na semana passada, os prefeitos de Valparaíso de Goiás e Cidade Ocidental, Pábio Mossoró (PSDB) e Fábio Corrêa (PRTB), se reuniram com o presidente da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Goiás (Codego), Júlio Vaz. O objetivo: debater a implantação de um distrito industrial no Entorno Sul.
O Entorno Sul, onde estão localizadas as cidades de Valparaíso, Luziânia, Santo Antônio do Descoberto, Novo Gama, Cristalina e Cidade Ocidental, é considerada a região mais promissora do Entorno e é onde serão instalados os hospitais regionais construídos pelo governo estadual.
A reunião — que contou com o auxílio da deputada estadual, Lêda Borges (PSDB) — mostra um possível movimento de trabalho conjunto entre os prefeitos do Entorno para que o projeto saia do papel. Aliás, esse é um projeto que conta com o interesse do governo estadual. De acordo com o prefeito de Cidade Ocidental, dois empresários do município estão dispostos a discutir uma parceria com o governo para a criação do distrito; os dois dispõem de uma área de aproximadamente 150 hectares, local onde seria instalado o polo.
Um distrito no local seria, de fato, benéfico, visto que fica entre dois portos secos, o de Santa Maria e o de Anápolis, o que garantiria rotas de escoamento da produção industrial, além de empregos diretos e indiretos. Tanto é que Valparaíso, cidade que segundo o prefeito não tem vocação industrial, seria beneficiada pela geração de empregos e geração de oportunidades no ramo de serviços.
Na verdade, o distrito é uma necessidade, pois ajudaria (e muito) os municípios a diminuir sua dependência de Brasília. Estudo realizado pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon), em 2015, mostrou à época que 94,5% do PIB do Entorno provinha da capital federal, cenário não visto em outras regiões metropolitanas do País, como o ABC Paulista, que é industrializado. Uma das razões é o fato de produtos industrializados terem maior valor agregado.
Portanto, é fato: o Entorno precisa se industrializar para se desenvolver economicamente.