A produção de leite em Goiás tem raízes históricas e a tradição, passada de pai pra filho, precisou se modernizar para entrar no século XXI. Mesmo com todo o investimento já feito pelos produtores, o setor enfrenta problemas crônicos que atrapalham a lucratividade do ramo. Falta de previsibilidade do preço e instabilidade são apenas alguns dos fatores desanimadores para quem trabalha na cadeia produtiva leiteira.

Como se isso não bastasse, desde o início do ano, produtores sofrem com a concorrência do leite importado, principalmente da Argentina e Uruguai, que tem sua entrada no Brasil facilitada pelo Mercosul com preços, muitas vezes, mais baratos do que aqueles que os produtores brasileiros conseguem entregar.

O excesso de oferta do leite importado tem pressionado os preços nacionais para baixo e isso tem gerado uma crise entre os produtores locais, que, com razão, não podem vender por um valor que não paga nem o custo de produção.

Com a promessa de solucionar esse problema, em Brasília, há rumores de possíveis restricões à compra de lácteos importados. O governo uruguaio, inclusive, demonstra estar preocupado com a possibilidade. Tanto que enviou ao Brasil na última quarta-feira, 30, o ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca (MGAP) do Uruguai, Fernando Mattos. Mesmo assim, especialistas alertam que as medidas do governo federal têm sido insuficientes para estancar a crise e valorizar um setor que faz parte do “DNA” do Brasil profundo.

Qual o problema do leite importado?

O gerente técnico da Federação da Agricultura do Estado de Goiás (Faeg), Edson Novaes, explica que a cadeia produtiva do leite é uma das mais complexas do setor agropecuário, com desafios estruturantes e conjecturais. E ele lembra que crises cíclicas na cadeia da pecuária são recorrentes. “Há desafios grandes e históricos que precisam ser revolvidos, como a alta instabilidade de preço durante o ano e falta de previsibilidade de preço pelo produtor”, afirmou.

Edson reclamou ainda que o “custo Brasil” é alto. Isso significa que o preço da operação de logística e a alta carga tributária acabam tornando o leite brasileiro menos competitivo no cenário internacional. ” A taxação sobre o maquinário agrícola, como a ordenha mecânica e o trator, por exemplo, na Argentina e Uruguai, é muito menor do que a que temos no Brasil”, pontuou.

Assim, num contexto de importações excessivas, segundo o gerente, os preços da produção brasileira “são pressionados ainda mais pra baixo, aniquilando a renda dos produtores”. “Reduz a atividade econômica de centenas de municípios que dependem única e exclusivamente do leite”, destacou. Justamente por isso, ele defende que, especialmente o governo federal, precisa de medidas urgentes “para equilibrar esse jogo”.

Em Goiás, cerca de 22 mil pessoas dependem da atividade leiteira, segundo o técnico da Faeg. “É uma atividade que tem sua importância econômica e social”, contextualizou. Dessa forma, as importações têm impacto em todos os atores da cadeia produtiva. “Atinge em cheio pequenas e médias indústrias que sobrevivem da produção desses derivados”, lembrou.

E Edson cobra mais fiscalização da qualidade dos produtos importados e mais atenção ao homem do campo brasileiro. “Precisa, logicamente e principalmente, de um programa mais estruturado para que os pequenos produtores enfrentem esses momentos de crise”, sugeriu. Ele lembra que não é proibido importar, mas medidas emergenciais a curto prazo são necessárias.

Sobra qualidade, falta competitividade

“Temos que ter um preço bom para o consumidor, pra indústria e para o produtor. Não dá pra baixar o preço para que o produtor não cubra nem seu custo de produção. Hoje muitos produtores não estão conseguindo fechar as contas”, pontuou o gerente da Faeg.

A superintendente de produção rural da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Patrícia Honorato, lembra que o leite em Goiás tem uma cadeia produtiva consolidada, apesar do momento sensível que vive. “É vinculada a questões culturais. E dados mostram que quando os produtores de leite estão bem estruturadoas, a atividade se torna muito mais rentável. Até mesmo mais que a soja. Com tecnologia e inovação, o leite dá uma alta rentabilidade”, afirmou.

Por isso, Patrícia acredita que, com investimentos maciços em genética e nutrição animal, a produção se torna mais competitiva. Apesar dos desafios, a superintendente garante que a qualidade do leite goiano é muito boa. “Nossa produção de leite é a sexta maior do país. Somos responsáveis por 9.1% da produção nacional”, revelou.

Alta carga tributária e preço da logística brasileira tornam leite menos competitivo | Foto: Jonas Oliveira/ Secs

Para o diretor executivo do Sindicato das Indústrias de Laticínios no Estado de Goiás (Sindileite), Alfredo Luiz Correa, o leite brasileiro – e goiano – não é competitivo. Apesar disso, ele acredita que a importação é bem vinda. No entanto, ele é contra a forma como o leite tem entrado no país. “Tem muito leite entrando no Brasil de forma errática e sem a fiscalizaçao devida”, denunciou.

Alfredo destacou ainda que existem países em que o leite é subsidiado, principalmente na Europa. “Mas esse não é o pensamento da política brasileira”, lamentou. Segundo ele, o custo de produção dos produtos lácteos no Brasil está ficando “inviável”. E, no cenário nacional, ele destaca que o leite mineiro e paranaense “são mais competitivos”.

Segundo o diretor executivo do Sindileite, 80% do que é produzido em terras goianas vai pra outros Estados. E São Paulo é o principal destino. “Em Goiás, a soja é mais atrativa para o produtor”, comparou. Mas ele ressalta que a qualidade do leito goiano é “excelente”. “O melhor do Brasil”, disse orgulhoso.

Congresso se movimenta para conter importações de produtos lácteos

11 dos 17 deputados federais por Goiás integram a Frente Parlamentar em Defesa das Cooperativas e Pequenos Laticínios do Brasil com Leite Nacional e da Pecuária Leiteira Brasileira (FPDCPLB). O deputado Gustavo Gayer (PL) é quem coordena os trabalhos.

Além de Gayer, completam a lista dos goianos na frente: Adriano do Baldy (PP), Daniel Agrobom (PL), Dr. Zacharias Calil (UB), Flávia Morais (PDT), Ismael Alexandrino (PSD), José Nelto (PP), Lêda Borges (PSDB), Magda Mofatto (ex-PL, a caminho do Mais Brasil), Marussa Boldrin (MDB) e Silvye Alves (UB).

O deputado federal José Nelto afirmou que as importações de leite são “um golpe contra o produtor”. “Eles estão quebrados. Quem vende uma vaca, vai descapitalizar e pode não voltar mais para o mercado”, alertou. Quem concorda com ele é o também deputado federal Daniel Agrobom, que considera a entrada dos produtos lácteos no Brasil como “absurdas”.

Segundo Nelto, já foram feitas reiniões com o as equipes do vice-presidente, Geraldo Alckmin, e do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. O objetivo seria reverter esse quadro “para não prejudicar um setor da economia que gera milhões de empregos”. Para o parlamentar, por conta dos excessos de importações de leite da Argentina e Uruguai, o Mercosul deixou de ser vantajoso para o Brasil. “Não vejo nenhuma vantagem de participar do bloco”, arrematou.

O deputado Adriano do Baldy, que também integra a frente, também acredita que a questão é “de extrema importância e urgência”. “A incursão do leite argentino e uruguaio no mercado brasileiro tem efetivamente lançado um impacto adverso sobre a cadeia produtiva leiteira nacional, repercutindo inclusive na realidade em Goiás. A notável escalada das importações, tem provocado uma significativa queda nos preços do leite e seus subprodutos no âmbito do mercado doméstico”, destacou.

Segundo Adriano, o Congresso Nacional tem discutido e analisado medidas que possam atenuar o impacto negativo dessa situação. “Isso inclui a consideração de regulamentações mais rigorosas no que se refere às importações e, igualmente, a avaliação de ajustes nas alíquotas aplicadas aos derivados lácteos provenientes dos países do Mercosul”, relatou.

Produtor precisa investir em tecnologia para tornar produção mais rentável | Foto: Wenderson Araújo / CNA

E, para além do legislativo, para o pepista, também é preciso investir na modernização da cadeia de produção do leite nacional. “O aprimoramento tanto da eficiência quanto da qualidade dos processos se revela vital para viabilizar uma competição mais justa e eficaz por parte dos produtores locais”, acrescentou.

A deputada federal Marussa Boldrin lembra que a cadeia leiteira brasileira tem sofrido com a desvalorização já há algum tempo. “Os custos estão aumentando, a lucratividade está sendo reduzida, a falta de previsibilidade do custo também afeta a própria indústria leiteira. Isso tudo tem prejudicado muito a produção”, destacou.

E Marussa alerta que a com a entrada de leite externo, essa realidade tende a piorar. Na Câmara Federal nós temos que garantir que isso não aconteça. Diversos projetos tramitam no parlamento com o intuito de combater e minimizar o impacto das importações dos produtos lácteos. “Nós temos uma capacidade produtiva muito boa e temos excelentes produtores técnicos”, pontuou.

Cadeia produtiva leiteira goiana em números

O leite corresponde a 6,1% do valor bruto da produção goiana, o que corresponde a uma quantia de R$ 5,7 bilhões. Na comparação com 2022, foi registrado um aumento de 5,4% nos números. Os dados são do boletim informativo Agro em Dados, da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa).

No primeiro semestre de 2023, Goiás exportou 149,9 toneladas de produtos lácteos, uma queda de 9% com relação ao mesmo período do ano anterior. Apesar disso, o montante lucrado foi maior: US$ 6,5 milhões (aumento de 6,5%). Os principais produtos exportados são queijos, creme de leite, leite condensado, leite em pó e doce de leite.

Já com relação às importações goianas de produtos lácteos, o cenário é outro. De janeiro a julho deste ano, Goiás importou US$ 6,5 milhões, um aumento de 69,5% comparado com o mesmo período em 2022. Nos seis primeiros meses de 2023, foram importadas 1,4 mil toneladas de produtos lácteos (crescimento de 63,3%). E apenas dois países são a origem dessas importações: Argentina (72,7%) e Uruguai (27,3%).