Dependente da China, agronegócio brasileiro arrisca futuro sem acordos estratégicos

10 maio 2025 às 21h00

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Diante da guerra comercial entre Estados Unidos e China, especialistas em geopolítica apontam qual direção o Brasil deve tomar neste momento. O embaixador Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), destacou, em entrevista à jornalista Camila Souza Ramos, do Globo Rural, a importância estratégica de o Brasil ampliar sua presença nos mercados internacionais por meio de novos acordos.

Segundo ele, “o país permanece excessivamente dependente de mercados tradicionais, como China e União Europeia, o que torna sua balança comercial vulnerável a variações políticas e econômicas externas”. Barbosa defendeu que, para garantir maior estabilidade e crescimento sustentável, o Brasil precisa diversificar seus destinos de exportação, especialmente no agronegócio, setor responsável por uma parcela significativa das vendas externas do país.
O embaixador apontou que, apesar da competitividade dos produtos brasileiros, o país ainda enfrenta barreiras tarifárias e sanitárias em diversas regiões do mundo. Nesse sentido, ressaltou a urgência de firmar acordos bilaterais e multilaterais, como com o Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífico (TPP), além de ampliar parcerias com blocos dos quais já faz parte, como a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi).
Na avaliação do embaixador, esses acordos podem reduzir barreiras e proporcionar acesso facilitado a mercados como os Estados Unidos, países da Ásia e da África. Barbosa criticou a lentidão da política comercial brasileira e alertou que, enquanto outros países se adiantam na celebração de tratados, o Brasil corre o risco de ficar para trás na disputa por espaço global.
A entrevista reforça a ideia de que, mais do que uma opção, a celebração de novos acordos comerciais é uma necessidade para a consolidação do Brasil como potência exportadora. Para isso, o país precisa adotar uma postura mais proativa nas negociações internacionais e investir em diplomacia econômica.
Especialistas, no entanto, afirmam que a guerra comercial entre as duas maiores potências, em algum momento, vai terminar — ou seja, um acordo irá ocorrer. O problema é que as consequências poderão respingar no agronegócio brasileiro. Por essa razão, sugerem cautela ao setor. É o que disse o presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), João Martins, à revista Forbes.
Neste cenário de incertezas, as tensões comerciais entre EUA e China estão impedindo a aquisição da Viterra — apoiada pela Glencore Plc — pela Bunge Global SA, por US$ 8,2 bilhões, de acordo com fontes familiarizadas com o assunto.
A China ainda não aprovou o acordo, e executivos e consultores da Bunge estão cada vez mais preocupados com a possibilidade de a divisão política continuar a atrasar o processo.

Em relação ao acordo com a Bunge, houve uma análise minuciosa por parte da China, que considera que a fusão aumentará a concentração da indústria e poderá impactar os interesses de segurança alimentar de Pequim, disse uma das fontes. A mesma fonte acrescentou que os órgãos reguladores relevantes estão conduzindo uma análise cuidadosa de conformidade, diante da importância estratégica do acordo.
Com o objetivo de manter os leitores informados sobre o assunto, o Jornal Opção ouviu entidades representativas do setor do agronegócio e economistas que analisaram a atual conjuntura econômica mundial, especialmente o embate entre as duas maiores potências comerciais do mundo: Estados Unidos e China.
Brasil precisa se preparar para novo cenário do comércio internacional
A chefe de Gabinete da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Goiás (Seapa), Paula Coelho, fez uma análise detalhada do atual cenário da geopolítica mundial e dos reflexos para o agronegócio brasileiro, especialmente para Goiás — diante da disputa comercial entre Estados Unidos e China.
Com formação em Administração pela PUC Goiás e mestrado em Negócios Internacionais pela Hult, em São Francisco (EUA), Paula enfatiza que o Brasil ainda não está preparado para tirar proveito das oportunidades que surgem.
“Tem que analisar até que ponto o Brasil está pronto para tirar vantagem disso”, afirma Paula. Segundo ela, a briga entre os dois gigantes abre brechas no mercado, mas o Brasil ainda não consegue aproveitá-las plenamente. “Quando a gente analisa as exportações, principalmente de soja e carne, houve um aumento em volume, mas uma queda no valor”, explica. “Ou seja, exportamos mais, mas por um preço mais baixo.”
No caso da carne bovina, ela observa que, mesmo com a China desabilitando frigoríficos dos EUA, o país norte-americano ainda mantém mais plantas habilitadas a exportar para os chineses do que o Brasil. “A China tem migrado parte de sua demanda para a Austrália, não para o Brasil, porque falta ao Brasil um ponto-chave: a rastreabilidade.”

Paula destaca que, para conquistar mercados mais exigentes como Japão, Coreia do Sul e países do Acordo de Associação Transpacífico (TPP), o Brasil precisa adotar a rastreabilidade como política pública. “O Japão é um dos países que melhor remunera pela carne bovina. E para exportar para lá, é fundamental comprovar a qualidade desde o nascimento do bezerro até o abate”, detalha.
Ela critica a lentidão do governo federal para firmar novos acordos e ampliar mercados. “O Brasil está estagnado. A gente nunca teve tantas fazendas habilitadas, mas falta o governo federal correr atrás de acordos comerciais importantes, como o TPP”, afirma. “Precisamos diversificar nossos parceiros e não depender tanto da China, que sempre impõe barreiras protecionistas quando os preços sobem.”
Apesar disso, Paula diz que Goiás está entre os estados mais bem preparados para enfrentar esse novo cenário. “Temos várias fazendas habilitadas a exportar para a União Europeia, que tem as exigências mais rigorosas. Goiás, junto com Mato Grosso, responde por 50% das fazendas aptas para esse mercado”, destaca. Segundo ela, o estado tem investido em missões internacionais e está implantando políticas de rastreabilidade para se alinhar aos padrões globais.
“A União Europeia já começou a exigir rastreabilidade para carne, soja, cacau, óleo de palma. E a China deve seguir o mesmo caminho”, diz. “Na soja, é mais simples: basta garantir que não vem de áreas desmatadas ilegalmente. Mas na pecuária, a rastreabilidade é mais complexa.”
Ela lembra que países vizinhos, como o Uruguai, já adotam a rastreabilidade há anos, e o Brasil está correndo por fora. “A Argentina anunciou antes da gente. Os EUA já têm. O Uruguai tem há muito tempo. Nós precisamos acelerar para conseguir argumentar melhor nossos preços”, afirma.

Paula finaliza com uma crítica à inércia federal: “Infelizmente, Goiás, como outros estados, acaba prejudicado porque o governo federal não está se movimentando para firmar acordos importantes. A disputa entre Estados Unidos e China é incerta, e o Brasil está perdendo oportunidades por não se posicionar melhor.”
Guerra comercial entre EUA e China abre oportunidades para o Brasil, avalia economista
A guerra comercial entre Estados Unidos e China pode representar, ao menos no curto prazo, uma janela de oportunidade para o agronegócio brasileiro, especialmente para os produtores de soja da região Centro-Oeste. A avaliação é do economista Sérgio Castro, doutor pela Unicamp e professor da PUCGO.
“A guerra comercial entre as duas potências gera uma oportunidade para o Brasil e para o Centro-Oeste, especialmente no caso da soja”, afirmou o professor. “Com o aumento das tarifas para os produtos americanos, os chineses vêm comprando mais da nossa produção.”

Segundo Castro, dados de abril já mostram um reflexo direto desse cenário. “O Brasil aportou quase 50% mais navios carregados de soja nos portos chineses em comparação com o mesmo período do ano passado”, relatou. “Isso é claramente um resultado de curto prazo.”
Apesar do momento favorável, o economista alerta para os riscos de instabilidade. “A maior certeza que temos é a incerteza. A situação com o governo Trump é altamente instável. Hoje (Quinta-feira, 8) mesmo há uma reunião entre representantes chineses e americanos na Suíça para tentar reduzir as tensões e negociar.”
Castro defende que o Brasil deve usar essa oportunidade para consolidar sua presença no mercado chinês e, ao mesmo tempo, diversificar seus destinos de exportação. “Somos muito dependentes da China. Ela representa hoje cerca de 70% das nossas exportações de soja. É importante que o país aproveite esse momento para abrir novos mercados.”
Ele cita como exemplo o Acordo Transpacífico, bloco comercial que reúne países como Vietnã, Malásia, Tailândia, Japão e Nova Zelândia. “O Uruguai e a própria China já estão se aproximando desse grupo, mas o Brasil ainda não. Um dos entraves são as exigências rigorosas em relação à rastreabilidade e ao controle ambiental da soja, o que ainda é um desafio para nós.”
Outro fator que traz incerteza ao mercado é a nova legislação da União Europeia, que proíbe a importação de soja oriunda de áreas desmatadas. “Essa medida afeta diretamente a produção de estados como Mato Grosso, Rondônia e Pará”, observou o professor.
Apesar dos desafios, Castro vê oportunidades também em nichos de maior valor agregado. “Temos muito potencial na produção de proteína isolada de soja e na soja e milho não transgênicos. Precisamos explorar melhor esses mercados.”
Sobre a América Latina, o professor pondera que acordos como o da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) têm um potencial limitado. “A maioria dos países da região não são grandes importadores. O México é uma exceção, mas ainda prioriza o mercado americano.”
Ele destaca, no entanto, o papel estratégico do Acordo Transpacífico. “Esse bloco pode, de fato, fazer diferença para os exportadores brasileiros. Ainda temos uma participação pequena e há muito espaço a ser explorado.”
Para o caso específico de Goiás, Castro acredita que o estado está inserido na conjuntura nacional de oportunidade. “Goiás é um produtor importante e, junto com o Centro-Oeste, se beneficia desse momento. Tivemos uma safra excelente, com crescimento de 14% em relação ao ano passado.”
Ao concluir, o economista reforça que o Brasil precisa adotar uma postura estratégica e proativa diante das mudanças no comércio global. “Esses momentos de instabilidade são fundamentais para repensarmos nossa atuação. O país não pode se acomodar. Precisamos buscar novas parcerias com urgência.”

Segundo ele, o modelo de livre comércio tradicional está sob ameaça. “Há quanto tempo não conseguimos concluir um novo acordo na OMC? O protecionismo já vinha crescendo, e com a postura de Trump, o cenário mudou radicalmente. É quase um retorno ao mercantilismo. Isso deixa uma herança muito ruim para o comércio internacional como o conhecemos no pós-guerra.”
Presidente da Faeg vê oportunidade para o agro brasileiro com medidas tarifárias dos EUA
O presidente do Sistema Faeg/Senar, do Conselho Deliberativo do Senar Goiás e vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Mário Schreiner, avalia que o agronegócio brasileiro pode se beneficiar das medidas tarifárias adotadas pelos Estados Unidos, especialmente durante a gestão de Donald Trump.
“O Brasil, com certeza, deve se oportunizar, de certa forma, dessas medidas tarifárias que o Trump vem promovendo. Alguns mercados que os Estados Unidos ocupavam não devem ser mantidos na escala, então surge uma oportunidade para o Brasil”, afirmou.
Apesar disso, Schreiner destacou que a abertura de novos mercados deve ser uma prioridade constante para o setor agropecuário, independentemente do cenário internacional.
“A busca por novos mercados e novas alternativas é extremamente necessária. O Brasil ainda está muito abaixo da expectativa quando se trata de acordos bilaterais, multilaterais ou entre blocos. Ficamos muito presos ao Mercosul, que também não avança como deveria”, criticou.
Segundo ele, é essencial que tanto o governo quanto o setor privado estejam empenhados em expandir a presença do Brasil no comércio internacional.
“Essa é uma preocupação que deve ser de todos. Esses espaços estão sendo ocupados paulatinamente, principalmente por países asiáticos que vêm aumentando as importações do Brasil.” Para Schreiner, ainda há desafios na forma como o Brasil se posiciona no mercado global.

“Em termos mercadológicos, não somos exímios vendedores. Os países compram da gente mais pelo que nós temos para vender do que por estratégia comercial. Precisamos avançar nesse caminho.”
Ele também alertou sobre o risco de concentração excessiva das exportações em um único destino, como a China. “Hoje, grande parte da nossa balança comercial agropecuária depende da China. Isso é sempre um risco. Por isso, buscar a diversificação de mercados é fundamental.”
Schreiner lembrou que o Brasil tem feito avanços, ainda que lentos, na diplomacia comercial, especialmente com o trabalho dos adidos agrícolas em vários países desde o início dos anos 2000. “Desde 2003, 2004, temos adidos agrícolas em muitos países, o que faz uma enorme diferença no campo da negociação e da diplomacia. Eles têm apoiado muito o setor agropecuário.”
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