De Jânio Quadros a João Dória: seja com a direita ou com a esquerda, discurso populista sempre volta
07 janeiro 2017 às 11h21

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Desde Getúlio Vargas, tratado como o pai dos pobres, chefes do Poder Executivo abusam do populismo no Brasil para conquistar eleitores

Do pai dos pobres ao caçador de marajá, o populismo continua a encontrar políticos que adotam suas práticas de discurso e identificação com determinada parcela da sociedade para darem força e voz a um agente público que espelha sua imagem em uma espécie de salvador da pátria. A defesa de parte de um povo contra aquele outro grupo apontado como o culpado de ser o causador de todos os males enfrentados por um país em um dado momento ganha espaço.
E erra quem gosta de dizer que o populismo é uma prática política adotada apenas pela direita ou pela esquerda. A figura do líder carismático que pauta seu discurso na luta de classes sociais e minorias oprimidas contra uma elite corrupta e controladora das riquezas de uma nação ou aquele político que lidera uma frente de combate à invasão de imigrantes e o retorno às práticas éticas e morais da sociedade dos bons costumes contra os avanços do comunismo, na briga pela defesa dos valores da família, os dois exemplos vão e voltam, independe da época vivida.
Este líder carismático e próximo das pessoas, que representa geralmente uma figura identificada como o ser que trabalha voltou a dar novos exemplos de que existe espaço para ele atuar no campo político, na conquista emocional de um povo, eleitores ou sociedade, com o resultado das eleições municipais de 2016 em algumas cidades.
Vendido como figura não política, o empresário João Dória Júnior (PSDB), que é filiado a um dos grandes partidos brasileiros e se veste de gari e varre as ruas da capital paulista em sua posse, mostram que, em tempos de divulgação ao vivo nas redes sociais, há sim espaço para um discurso que nem sempre significa sucesso das suas práticas políticas a longo prazo.
Getúlio Vargas, político centralizador e autoritário, que ao mesmo tempo concedeu, a partir do Estado Novo, avanços importantes aos trabalhadores e garantiu direitos que existem até hoje, como a CLT, o salário mínimo, a carga horária semanal e as férias remuneradas, usou sua figura popular para controlar as informações contra seu governo e, mesmo assim, viu seu governo ruir com a péssima situação econômica. O pai dos pobres é o maior exemplo de populista no Brasil. E nele muitos se inspiraram.
Assim como Getúlio Vargas combateu uma propagada e acreditada por muitos ameaça comunista, figuras como a de João Dória surgem na política no momento em que a representação da esquerda é retirada do poder por consequência de uma crise institucional, econômica, política e ética envolta em escândalos de corrupção.
Prato cheio
A corrupção e o discurso do combate aos corruptos sempre se tornam pratos cheios na mesa do populismo. Com a figura do político de profissão encarada de forma negativa por grande parte da população brasileira, que foi às ruas para pedir o impeachment de uma presidente da República, o espaço foi aberto para discursos populistas com a venda da imagem de figuras apolíticas. Pessoas que não querem ser enquadradas na visão criticada do gestor que governa com base na carcomida coalisão de interesses econômicos e dispostos a tudo para atingir o sucesso de seus projetos de poder.
Não só João Dória se viu beneficiado e soube usar bem o discurso populista pautado no sucesso pelo trabalho, como outros também venceram eleições em capitais importantes. Como o ex-presidente de um clube de futebol, Alexandre Kalil (PHS), em Belo Horizonte (MG), contra o candidato do presidente nacional do partido de Dória, que amargou a segunda derrota seguida em Minas Gerais em um intervalo de dois anos. O senador Aécio Neves (PSDB), que perdeu para Dilma Rousseff (PT) em seu Estado para presidente em 2014, no ano passado não conseguiu eleger o deputado estadual tucano João Leite no segundo turno na capital mineira.
Dória se vestiu de gari e varreu ruas de São Paulo em uma tentativa populista de se mostrar um homem do povo, mais um, identificado com o trabalhador paulistano. Kalil venceu em Belo Horizonte, e, com base em suas frases de efeito e sua ascendência síria, descartou os termos pejorativos usados para identificar peessedebistas ou petistas na polarização política que cresceu a partir das eleições presidenciais de 2014: “Acabou coxinha e mortadela. O papo agora é quibe”.
Vassourinha
A mesma vassoura usada por Dória para se promover em seu ato de posse como prefeito de São Paulo já foi instrumento eleitoral de combate à corrupção por outro político populista, usado inclusive como jingle de campanha. Presidente eleito em 1960 com ajuda do partido de direita UDN, Jânio Quadros (PTN) dizia que varreria a corrupção do País. Com ele, foi eleito o vice-presidente da outra chapa — a eleição para presidente e vice eram separadas. O vice João Goulart (PTB) se tornou o sucessor de Jânio, mas não ocupou o cargo, apesar da renúncia do titular sete meses depois de este ocupar a Presidência.
Apoiado no anseio da população, que queria uma renovação na política brasileira, Jânio Quadros se elegeu com discurso populista e uma proposta de governo revolucionária. Tratava-se de um político conservador e anticomunista, mas que começou a ser mal visto quando concedeu, em agosto de 1961, uma condecoração a Che Guevara, um dos líderes da revolução cubana, por este ter libertado mais de 20 religiosos presos em Cuba.
Na carta de renúncia, de 25 de agosto de 1961, Jânio manteve o discurso populista ao dizer que “forças terríveis” conspiraram contra o seu governo: “Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou indivíduos, inclusive, do exterior. Forças terríveis levantam-se contra mim, e me intrigam ou infamam, até com a desculpa da colaboração”.
Assim como Getúlio, o governo de Jânio terminou com a renúncia. No caso de Vargas, o discurso era o do político que iria “restabelecer a paz com a anistia e garantir a opinião do povo com a liberdade das urnas”, como dizia seu material de campanha em 1930. No final de agosto de 1954, sob a pressão para renunciar ao poder, escreve uma carta suicida que diz em sua primeira frase “Deixo à sanha de meus inimigos, o legado de minha morte. Levo o pesar de não ter podido fazer, por este bom e generoso povo brasileiro, e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que pretendia”.
O jingle “Varre, varre, vassourinha…”, ligado à imagem de Jânio Quadro com uma vassoura a varrer a corrupção, fez o sucesso eleitoral que seu governo acabou não concretizando. “Varre, varre,varre vassourinha!/Varre, varre a bandalheira!/Que o povo já ‘tá’ cansado/De sofrer dessa maneira/Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado!/Jânio Quadros é a certeza de um Brasil, moralizado!/Alerta, meu irmão!/Vassoura, conterrâneo!/Vamos vencer com Jânio!”
No receituário populista, Iris aposta em mutirão para arrumar a cidade

Nos casos de Getúlio Vargas e Jânio Quadros, apesar do sucesso junto à classe trabalhadora da figura do pai dos pobres e do discurso de varrer a corrupção do País, o fim de seus governos foi melancólico e não resultou no sucesso das políticas anunciadas com base na construção de uma figura populista carismática e próxima do povo. Mas o populismo encontra novos representantes em todo o mundo, e com sucesso em alguns casos.
O mais emblemático deles é o discurso nacionalista recheado de ódio e preconceitos do presidente eleito dos Estados Unidos. Donald Trump, empresário bem-sucedido que apostou na ideia da retomada da criação de empregos e da força econômica americana como novamente a maior potência do mundo depois da crise iniciada em 2008. “A pergunta de amanhã é: quem vocês querem que governe a América, a classe política corrupta ou o povo?”, perguntava Trump um dia antes das eleições.
Um discurso que atraiu a maioria dos eleitores brancos de classe média afetados com a crise econômica que acarretou a desindustrialização em alguns Estados e destruiu empregos. Gente que se viu representada por Trump, o político que não veio de cargos públicos e que prometeu combater o crescimento do número de imigrantes e o resgate dos valores tradicionais da família americana.
Até no processo de impeachment brasileiro, o populismo ganhou sua carga emocional, mesmo sem pensar no que seria a Ponte Para o Futuro, plano de governo costurado por PMDB, PSDB, DEM e outros partidos que faziam parte da oposição a Dilma Rousseff (PT) no Congresso. O apelo veio com o hino nacional, a camisa da seleção brasileira de futebol e o forte uso das cores verde e amarelo, em uma espécie de salvação nacional com o resgate de um patriotismo que representava a busca pela ética e a moral diante de escândalos de corrupção revelados pelas investigações da Operação Lava Jato. Soma-se também a criação de heróis nacionais, numa disputa entre bem e mal, que simplifica os problemas econômicos, políticos, éticos e institucionais na caça aos vilões nacionais.
A falência do governo Dilma se deu por diversos erros que culminaram em seu processo de impeachment, que deu espaço para uma agenda, seja ela necessária ou não, de medidas impopulares e praticamente nula aprovação de um governo, chamado de poder de transição, que ainda se sustenta por seu forte apoio no Congresso. Apoio este que pode ser testado e passar por rupturas com a falta de negociação com parlamentares. O que inclui, também, a eleição para presidente da Câmara dos Deputados, na qual dois deputados querem o cargo e fazem campanha contra o possível candidato apoiado pelo governo federal, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que busca alternativas jurídicas para disputar uma reeleição não permitida pela Constituição Federal e o Regimento Interno da Casa.
Mutirões
Também aqui, em Goiânia, as eleições municipais mostraram que o discurso populista ainda tem bastante espaço quando se tratam de figuras históricas que têm uma atuação de proximidade com o povo, abusam do discurso do dom divino e se espelham em modelos já aplicados em outras gestões como solução, mesmo que décadas depois de usados.
O fascínio gerado na população pela figura do líder carismático, fruto do discurso populista, deu certo para Iris Rezende (PMDB), que assumiu o cargo pela quarta vez em Goiânia neste mês. Mesmo tendo sido responsável direto pela reeleição de Paulo Garcia (PT) no pleito de 2012, o peemedebista se beneficiou de um fim de mandato do petista recheado de erros, inclusive com a ausência de coleta de lixo em alguns bairros da cidade e ruas tomadas por buracos. A separação entre PT e PMDB na capital se mostrou boa no projeto eleitoral de Iris, que pode usar o discurso da dívida deixada por Paulo Garcia para ganhar tempo para tentar colocar a casa em ordem.
Iris promete uma gestão descentralizada, com criação das subprefeituras, sancionadas em lei por ele em 2008 e até hoje inexistentes. Mas o prefeito anunciou durante a disputa uma velha prática de seus mandatos: os mutirões nos bairros. Considerados atos interessantes se feitos de forma pontual, a preocupação é a de que o mutirão se torne o grande solucionador dos problemas da capital. Cabe a pergunta: o que não aconteceu nas décadas de 1980 e 1990 no Estado, quando o peemedebista foi governador, seria agora um modelo de sucesso?
Ter a confiança de parte do setor privado foi algo demonstrado por Iris na primeira semana. A negociação rápida com fornecedores que ainda têm pagamentos a receber pela prestação de serviços na cidade resultou, mesmo sem a quitação das parcelas em atraso, na colocação novamente de máquinas nas ruas para tapar buracos e retomar a coleta de lixo onde ela havia parado.
Centralizador
Se, por um lado, a figura conhecida de homem público centralizador, que tem conhecimento, ou parece ter, de todos os atos da prefeitura, o perfil de Iris não condiz com a promessa eleitoral de criação das subprefeituras, que podem melhorar, por exemplo, o trânsito da cidade. Tempo o peemedebista terá para cumprir ao menos essa promessa, já que a lei existe desde 2008 e está prevista na legislação a figura dos subprefeitos.
Com a Câmara Municipal presidida pelo PMDB, caberá ao prefeito enfrentar o desgaste com outros vereadores de acabar com a função pequena, mas que é usada para aprisionar o voto do eleitor, que é a de fazer favor ao morador do bairro do parlamentar com um serviço corriqueiro de roçagem de lote, troca de lâmpada ou asfaltar uma rua. Criar as subprefeituras dará fôlego ao Legislativo, que poderá cumprir sua função de discutir leis e fiscalizar a prefeitura.
A ação de resolver os problemas de um setor ou região da cidade por meio de mutirões não parte da discussão com a comunidade sobre quais serviços serão prestados. É mais uma espécie de agenda pré-determinada que usa os moradores em sua execução. Dada a insatisfação das pessoas com a classe política e a necessidade de se preocupar com outros problemas, estará a população disposta a parar de fazer qualquer coisa e ir a mutirões porque a prefeitura decidiu realizar uma ação em determinado bairro?
Que o dom divino ou a força do homem que trabalha dia e noite pela população realmente ajudem na elaboração de políticas públicas que discutam e melhorem a mobilidade urbana, a geração de empregos, os investimentos em infraestrutura, a iluminação pública, a segurança, o recolhimento e tratamento do lixo, a distribuição de água tratada e captação e destinação do esgoto. Que o discurso populista não termine em impeachment, renúncia, abandono do cargo ou justificativa para erros de uma gestão que mal começou. l