Em 1992, Júlia Salomão foi diagnosticada com câncer de mama. Na época, exames de rotina eram raros e havia menor consciência sobre fatores de risco que aumentam a predisposição à esse tipo de tumor. Quando percebeu o nódulo por meio do toque e decidiu procurar uma opinião médica, descobriu que o câncer estava em uma etapa avançada (no estágio três entre os quatro estágios possíveis). O médico disse a ela que o tumor provavelmente tinha surgido muitos anos antes, e, com histórico da doença na família, Júlia Salomão poderia tê-lo detectado antes e que deveria ter atenção constante dali em diante.

A doença, causada pela multiplicação desordenada de células anormais, forma um tumor com potencial de invadir outros órgãos e, no estágio três, quando o câncer está evoluído, é comum que médicos recomendem a remoção total dos órgãos afetados, dos linfonodos e de outros tecidos. Em Goiânia, médicos recomendaram a remoção total das duas mamas – cirurgia chamada de mastectomia – mas Júlia Salomão escolheu fazer o tratamento em São Paulo, onde o cirurgião José Aristodemo Pinotti conseguiu tratar o tumor com remoção apenas parcial de uma das mamas. 

“Para muitas mulheres, a ideia de retirar as mamas é intimidante, é mutilação”, comenta Júlia Salomão, que aborda esse e outros tópicos relacionados ao câncer em sua palestra Eu Venci o Câncer. “A mama é símbolo sexual e de feminilidade e, conversando com mulheres em minhas palestras, percebo como o tabu da sexualidade é um obstáculo. Elas têm vergonha de ficarem nuas em frente ao espelho e apalpar o corpo em busca do tumor. Elas temem a extirpação da mama e muitas vão à óbito, principalmente em classes menos favorecidas, por falta de aconselhamento e assistência”.

Em suas palestras, Júlia Salomão busca conscientizar acerca dos grupos de risco, cuidados necessários, a importância dos exames de rotina, mas principalmente sobre a atitude necessária para enfrentar o tratamento sem se deixar desistir. “Eu falo: esqueça a vaidade, o que está em jogo é a sua vida”, diz ela. “Para mim, é gratificante abrir um espaço para que possam fazer perguntas. Elas vem com curiosidade enorme, interessadas pelo suporte de ter alguém que teve a doença e teve coragem de contar para elas. Há uma carência de referências, porque a doença é estigmatizante e poucas têm coragem de falar.”

Com palestras, Júlia Salomão inspira mulheres que lutam contra o câncer | Foto: Reprodução

Júlia Salomão afirma que dúvidas sobre o tratamento estão entre os temas mais questionados. “Em geral, as pessoas são fatalistas. Pensam que nem adianta buscar a cura, que a quimioterapia e a radioterapia são piores do que a doença – não são! O tratamento foi o que me salvou.” Outro tema frequente é a depressão. “Quando tiver câncer de mama, tive muito medo, mas não podia passar meu medo para meus filhos. O maior desafio é estar no fundo do poço mas encarar os desafios necessários, uma luta por vez.”

Júlia Salomão relata que, à época, desenvolveu depressão profunda e que faz acompanhamento médico até hoje. “Quando não tinha ânimo, quem me deu coragem foi o médico cirurgião. Mas hoje, quando olho para trás e percebo que meu aconselhamento dá força e orienta outras pessoas,  entendo que vale a pena lutar.”

Após a cirurgia bem sucedida em São Paulo, Júlia Salomão fez a quimio e radioterapia em Goiânia, além de reposição hormonal por cinco anos. Nesse período, não teve recaídas e foi considerada curada. Em 2009, Júlia Salomão teve um novo câncer, no colo do útero, mas tendo sido diagnosticada precocemente, o tratamento foi simples, rápido, e garantiu a ela uma segunda vitória sobre o câncer.

Os desafios

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o câncer de mama é o quinto tipo que mais mata em todo o mundo, com 627 mil vítimas por ano. O grau de hereditariedade da doença é de 10%, o que significa que um em cada dez casos são causados por mutações genéticas herdadas. Todos os cânceres têm origem em mutações genéticas, mas algumas dessas mutações são causadas por hábitos de vida que podem ser modificados para evitar a doença. 

Ruffo de Freitas Júnior é médico e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), onde coordena o Programa de Mastologia. O médico e pesquisador explica que, os fatores não modificáveis que aumentam a probabilidade de desenvolver o câncer de mama são a idade; ser mulher (1% dos casos ocorre em homens); não ter filhos após os 30 anos de idade; menstruar pela primeira vez cedo, antes dos 12 anos, ou parar de menstruar tarde, após os 55 anos de idade. 

Um dos hábitos modificáveis é a alimentação – a dieta mediterrânea, rica em peixes, aves, folhas, legumes, castanhas e azeite ajuda a reduzir a chance de surgimento do câncer de mama. O exercício físico pode reduzir em 20% a 25% o risco, segundo Ruffo de Freitas. O consumo de bebida alcoólica, o sobrepeso e a reposição hormonal são outros fatores que aumentam a probabilidade do surgimento do tumor. Além disso, algumas mulheres estão em grupos de risco a depender do histórico da doença na família e da maior quantidade de tecido glandular nas mamas. 

Álcool, sedentarismo e reposição hormonal indiscriminada aumentam número de casos, diz Ruffo de Freitas | Foto: Reprodução

Segundo o médico, exames de rotina, como a mamografia, têm alta possibilidade de detectar o tumor precocemente, permitindo a chance de cura e redução da mortalidade em 30%. Para algumas mulheres, ressonância magnética e ultrassonografias são recomendadas. 

Segundo Ruffo de Freitas, o câncer de mama está aumentando no Brasil. Com consistência são registrados mil a 3 mil casos a mais do que no ano anterior, de forma que neste ano 66 mil casos são esperados. O aumento pode ser explicado por mudanças nos hábitos de vida: cada vez mais brasileiras de 40 a 50 anos fazem reposição hormonal, o número de obesos e o consumo de álcool está aumentando. Existe ainda outra preocupação com o diagnóstico tardio da doença. Ruffo de Freitas afirma: “Deixamos de fazer 45% do total de mamografias durante a pandemia de Covid-19. Hoje, colhemos as consequências. Em 2022, estamos diagnosticando muitos tumores em estágio avançado.” 

Por outro lado, Ruffo de Freitas afirma que nos últimos anos o tratamento também avançou. “Hoje, a cirurgia mamária pode remodelar a mama, houve um ganho estético enorme que diminui a resistência das mulheres ao tratamento”, diz Ruffo de Freitas. “Além disso, aparelhos de radioterapia são muito mais precisos, o que é um ganho porque reduz danos colaterais a outros órgãos como o coração. As medicações de imunoterapia para tumores avançaram. Houve avanço dos conjugados anticorpo-droga (ADCs), que são quimioterápicos aplicados com anticorpos especificamente desenhados para se conectar a um receptor nas células tumorais, poupando as células saudáveis de nossos corpos.”

Bons hábitos

Carlos Alexandre Vieira é professor do programa de pós-graduação em Ciências da Saúde da UFG e professor da Faculdade de Educação Física e Dança. O cientista pesquisa, entre outros temas, os benefícios do exercício físico na prevenção e tratamento do câncer de mama. Segundo Carlos Alexandre, existem fortes evidências científicas sobre a importância de realizar exercícios durante ou após o tratamento. “Em 2019, estudo publicado no Medicine & Science in Sports & Exercise mostrou que o exercício é capaz de melhorar a fadiga relacionada ao câncer (um dos efeitos adversos mais comuns que as pacientes enfrentam), a qualidade de vida, função física os níveis de ansiedade e depressão.”

Italo Wolff –  Qual a importância do exercício para essas pacientes?

Carlos Alexandre Vieira – A prevenção do câncer refere-se a um conjunto de medidas para reduzir ou evitar a exposição aos fatores de risco. Mulheres obesas apresentam maior risco de desenvolver diabetes, doenças cardiovasculares e câncer de mama. Nas mulheres acima de 70 anos, a obesidade está presente em aproximadamente 70% das mulheres com câncer de mama. Estima-se que mais de 50% das mortes associadas ao câncer de mama apresentam associação com a obesidade.

Por outro lado, os estudos mostram que um estilo de vida ativo é um fator preventivo, podendo reduzir o risco de desenvolvimento de vários tipos câncer. Pessoas fisicamente ativas, após serem diagnosticadas com CA mama, tem estatisticamente maiores chances de sobreviverem quando comparadas aquelas consideradas inativas. Existem evidências científicas que o exercício tem impacto positivo sobre a aptidão física e força muscular dessas mulheres.

Como destacado anteriormente, o exercício pode e deve ser praticado por essas mulheres, porém é interessante destacar a importância dos profissionais de saúde nesse processo. Lembre-se que um trabalho multiprofissional ajuda muito, fale com seu médico, busque um professor de Educação Física para orientar seus exercícios, uma nutricionista para ajudar a rever seus hábitos alimentares.”

Qual tipo de exercício e como deve ser feito?

De forma geral, é melhor se exercitar do que não fazer nenhuma atividade. Os exercícios mais eficientes para melhorar os efeitos adversos do tratamento e da doença são exercícios aeróbios e resistidos. Como exemplos de exercícios aeróbios podemos citar a caminhada, corrida e andar de bicicleta, entre outros. Para melhorar a força muscular, o mais recomendado é a musculação, porém outras práticas também podem trazer benefícios, tais como o pilates.

As recomendações mais atuais sugerem que essas mulheres realizem exercícios entre duas e três vezes por semana, porém nosso grupo de pesquisa (LAMOVH) vem realizando estudos buscando identificar qual é a dose mínima de exercícios que pode gerar benefícios para essa população. Vários dos nossos estudos conseguiram identificar melhora na força muscular, capacidade funcional, fadiga, qualidade de vida e ansiedade de pacientes com câncer de mama, realizando musculação apenas 1 vez por semana. De fato isso é muito bom! Hoje, baseado em nossos achados, somos categóricos em recomendar para mulheres com câncer de mama que se exercitem pelo menos 1 vez na semana, se possível com a supervisão de um professor de Educação Física. É melhor fazer 1 vez por semana do que não fazer nada.