Comportamento do ‘eleitor volátil’ pode definir segundo turno da eleição presidencial

23 outubro 2022 às 00h00

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Uma pesquisa do Datafolha, contratada pela TV Globo e o Jornal Folha de S.Paulo, divulgada no final de semana após as eleições do primeiro turno, no sábado, 8, mostrou que cerca de 10% do eleitorado decidiu o voto no dia da eleição ou na véspera. Aqueles que tomaram a decisão no dia da votação chegaram aos 7%, enquanto os que decidiram na véspera foram 3%. Isto é, um em cada dez eleitores decidiu em que candidato votar para presidente horas antes de ir à urna. Por outro lado, 81% já tinham definido o voto para presidente um mês antes das eleições. Os demais decidiram 15 dias antes (6%) ou faltando uma semana para o pleito (4%).
A poucos dias do segundo turno, um levantamento do Ipec, divulgado na segunda-feira, 10, destacou que 94% dos brasileiros já decidiram o voto para presidente da República. Nesse sentido, a pesquisa apontou que apenas 6% dos eleitores podem mudar de opinião de cada lado da disputa. Os pesquisadores buscaram saber a porcentagem definitiva de eleitores de cada candidato que não irão mudar de jeito nenhum de opinião. Entre os eleitores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 93% dizem que já se decidiram, porém, outros 7% afirmam que podem mudar e 1% disse que não sabe ou não respondeu. Já no caso dos eleitores de Jair Bolsonaro (PL), 95% dizem que a decisão é definitiva, sendo assim, apenas 5% disseram que ainda podem mudar. Isto é, na corrida eleitoral, o presidente conta com um eleitorado mais fiel.
A pesquisa Genial/Quaest, divulgada no último dia 13, segue a mesma linha. Os pesquisadores questionaram os entrevistados se ainda podem mudar o voto até o dia 30 de outubro, data do segundo turno. Para 92% dos eleitores, o voto já está definido. Outros 8% informaram que podem mudar caso algo aconteça e apenas 1% não soube responder. Por candidatos, os eleitores que declaram votos em Lula, 93% declaram que já decidiram o voto. 94% dos eleitores de Bolsonaro afirmaram que a decisão já está tomada e não mudam.

O levantamento perguntou aos eleitores qual o principal motivo do voto. Dentre aqueles que declararam voto no petista, no segundo turno, 54% citam que o motivo é eleger Lula. Já para 43%, o voto é para tirar Bolsonaro do governo. Apenas 2% disseram que não era nenhum dos motivos anteriores e 2% não souberam responder. Dentre aqueles que irão votar em Bolsonaro, 47% indicam que o objetivo era não permitir que o PT volte ao poder. Outros 46%, o voto no próximo dia 30 é para reeleger o presidente. Já 6% afirmaram que não era nenhuma das duas opções e 2% não souberam responder.
Para alguns especialistas, o eleitorado que oscila, estando com um candidato ou com o outro, trata-se de um eleitor comum, que não consome grande volume de informações sobre a política. Assim, qualquer situação às vésperas da eleição, pode fazer com que esse eleitor mude o voto ou decida não comparecer nas seções eleitorais. O cientista político Josimar Gonçalves explica que o eleitorado que não definiu o voto até o momento é chamado de eleitor volátil, pois pode mudar de opinião facilmente, diante de qualquer conjuntura. “A grande maioria deles dizem que devem votar em branco, anularem o voto ou simplesmente não comparecerem à urna eletrônica para depositar seu voto”, explica.
Essa característica do eleitor “volátil” pode ter ocorrido no primeiro turno. Para se ter ideia, para a votação do último dia 2, o maior percentual de pessoas que deixaram a decisão para a última hora está entre aqueles que haviam declarado voto em Simone Tebet (MDB). Nesse caso, o índice foi de 25%. Entre os eleitores de Ciro Gomes (PDT), 18% apenas definiram para quem votar entre a véspera e o dia da eleição. No quesito financeiro, aqueles com renda familiar de até dois salários-mínimos, 13% definiram o voto entre a véspera e o dia do primeiro turno. Os eleitores que possuem renda familiar de dois a cinco salários somaram 7%. Esse índice passou para 6% e 4% nas faixas de cinco a dez salários e na superior a dez salários, respectivamente.
“Pode ser que no final, um conjunto ainda expressivo desse 5%, se não todo ele, continue sem escolher um dos candidatos. Isso pode acontecer”
Pedro Célio, cientista político
Para Gonçalves, com a proximidade do segundo turno das eleições e em meio a um pleito fortemente polarizado, alguns analistas passaram a descrever a atitude do eleitor que não se manifesta sobre a preferência de candidato como parte do fenômeno que passou a ser conhecido como “voto envergonhado” ou até mesmo “voto amedrontado”. “Isso quer dizer que os eleitores deixam de expressar sua preferência quando questionados em pesquisas por ‘vergonha’ ou ‘medo’. Essa é uma teoria de comunicação de massa conhecida como ‘espiral do silêncio’ é usada para descrever a formação da opinião pública”, cita.
No entanto, essa volatilidade desses eleitores pode alterar todo o resultado desta eleição. Cabe ressaltar, que Lula e Bolsonaro, de acordo com as últimas pesquisas, estão empatados tecnicamente. A última rodada do Datafolha, realizada na segunda-feira, 17, e quarta, 19, mostra Lula marcando 49% das intenções de votos totais e Bolsonaro com 45%. Brancos e nulos chegam aos 4% e indecisos, 1%. “O ‘voto envergonhado’ e a abstenção são variantes que mudam o resultado de uma eleição. A taxa de indecisos pode ser maior do que aparece nas pesquisas. Algumas pessoas querem esperar até o fim para se informar mais e tomar uma decisão. Pois o voto é uma combinação de fatores sociais e econômicos, além de valores. Como falado, a abstenção também influencia. Ela cresceu bastante nas últimas eleições. As classes D e E tendem a votar menos (maioria declara voto em Lula), assim como os idosos (maioria que declara voto em Bolsonaro)”, analisa Gonçalves.
Embora se apontem para um eleitor avesso às questões políticas, ou seja, uma pessoa comum, o cientista político Pedro Célio entende ser difícil descrever corretamente o perfil desse grupo. “É difícil a gente conjecturar sobre o perfil do indeciso ainda nessa eleição, nessa altura do segundo turno, por dois motivos: um deles é que nós não temos acesso às bases de dados dos diferentes institutos que identificam esse percentual de indecisos. A única coisa em comum que eles têm é que o quantitativo dos indecisos é muito próximo, de três, quatro, no máximo 5%, quer dizer com isso a gente pode dizer que é muito pouca gente. Eu posso pensar numa hipótese especulativa que esses indecisos não estejam concentrados num ou em poucos segmentos sociais e que estejam esparramados nos diferentes segmentos, por idade, por gênero, por condição social”, arrisca.

Para o especialista, qualquer movimentação dos dois candidatos para determinado sentido ou contar com algum forte apoio, tende a alterar os números. Assim, como qualquer fato novo que possa surgir de última hora. “Como se trata de uma eleição muito polarizada, muito apertada, onde a intenção de voto nos dois candidatos é muito próxima, então qualquer tipo de apoio conseguido na última hora, pode sim ser decisivo. Isso não tem dúvida, vai ganhar a eleição uma pequena margem qualquer candidato que seja ele,”.
Acerca do chamado fenômeno do ‘voto envergonhado’ para definir os indecisos ou os que estão em dúvidas se votam em um ou no outro, Célio acredita não ser a situação que esteja ocorrendo no País. “Essa é uma situação própria da psicologia coletiva neste momento eleitoral. Existem vários motivos para a indecisão. Alguns deles nem são da esfera política. São pessoas que são desligadas da política. Não se informam, não se inteiram de maneira continuada, permanente dos assuntos políticos e também das eleições. Esse tipo de indeciso existe, assim como existe aquele indeciso altamente politizado, que já conhece o cenário, já está bem informado dos dois candidatos, mas não se identificou com nenhum deles e fica aguardando até a última hora para se decidir. Pode ser que no final, um conjunto ainda expressivo desse 5%, se não todo ele, continue sem escolher um dos candidatos. Isso pode acontecer”, pontua.
A professora de ciência política da Universidade Federal de Goiás (UFG), Denise Paiva, aponta que há um estreitamento da diferença entre as intenções de votos para Lula e Bolsonaro, conforme mostram as pesquisas. “Eu acho que a principal tarefa dos dois candidatos seja, justamente, buscar o voto dos indecisos. Isso sim vai fazer muita diferença. Porque? Essa é uma eleição, que desde o início a gente percebe, não por causa da polarização, mas de uma instabilidade, principalmente, no voto. Quem se definiu pelo Bolsonaro e pelo ex-presidente Lula, dado esse grau de polarização entre esses dois candidatos, é mais improvável mudar o voto. O eleitor que votou no candidato Lula, não irá votar no candidato Bolsonaro e vice-versa. Os dois candidatos estão buscando os votos da Simone Tebet, do Ciro Gomes e também os votos dos indecisos. Dado esse crescente estreitamente que as pesquisas estão apontando entre ambos, não dá para gravar que os indecisos farão a diferença, mas acho que a estratégia principal agora é buscar esse eleitorado,” comenta ela. “Além dessa polarização e dessa definição muito grande de eleitores desde o início, se olharmos as pesquisas, dá um número de indecisos muito pequeno”, acrescenta.

Segundo a professora, outra característica observada é que todo o eleitorado conhece os dois candidatos. “Um é presidente e o outro já foi presidente e disputou várias eleições. Há uma imagem de quem eles são. Do que eles são. Do que eles significam. Isso já está mais ou menos cristalizado no eleitorado. Não é uma novidade. Ninguém vai buscar conhecer, quem é aquele candidato? Uma novidade nesta eleição foi, por exemplo, a Simone Tebet. Ela sim. Mas os demais eram extremamente conhecidos do eleitor. Havia mais ou menos uma imagem, que o eleitor costuma formar antes de tomar a decisão. Quem é? O que ele representa? No caso do ex-presidente Lula e do presidente Bolsonaro, os dois já governaram. O eleitor já tem como fazer uma retrospectiva do que o foi o governo Lula e o que está sendo o governo Bolsonaro”, compara.
Algo que é quase semelhante entre Lula e Bolsonaro são as taxas de rejeição. Na mesma pesquisa Datafolha, 50% dos entrevistados dizem não votar de jeito nenhum em Bolsonaro e 46% afirmam o mesmo sobre Lula. No levantamento anterior, eram 51% que rejeitavam o presidente e os mesmo 46% não votariam no petista. “Ambos têm uma alta taxa de rejeição. Eles têm que tentar diminuir essas taxas de rejeição”, pontua Denise Paiva. Isso para fazer diferença na votação. “É uma margem pequena para ampliar. No caso do ex-presidente Lula, ele tenta manter o que já tem e o presidente Bolsonaro buscar ampliar os votos, tentar buscar votos entre os indecisos e aqueles que votaram na Simone Tebet ou no Ciro Gomes”, nota. Para a especialista, as sondagens eleitorais indicam que a maioria do eleitorado de Ciro Gomes vem optando por Bolsonaro, enquanto aqueles que escolheram da Simone Tebet, no primeiro turno, uma parcela maior, parece, estar optando por Lula. “Talvez, nesse sentido, é difícil falar em transferência de votos, mas o apoio que ela tem prestado à candidatura de Lula, pode ajudar nesse movimento”, percebe.
Engajamento eleitoral
No entanto, Paiva salienta que a polarização não tem produzido uma politização dos brasileiros. “Politização é um movimento mais profundo, de envolvimento com a política, de uma forma mais permanente. Está havendo um engajamento maior do eleitorado e o interesse maior, por um lado. É preciso considerar que as eleições para o executivo sempre despertam mais interesse, isso é natural, dadas as características do presidencialismo. O eleitor sabe da centralidade, do ocupante do executivo tem, seja o governador, seja o prefeito, seja o presidente. Essas eleições, naturalmente, já há um engajamento para o interesse maior, inclusive vários estudos mostram isso e as próprias pesquisas de opinião pública e eleitorais, mostram que as pessoas podem não lembrar para quem elas votaram, a menos de um mês, para deputado, mas para o candidato que elas votaram para prefeito, governador e presidente elas se lembram”, aborda.
Em relação à polarização, a professora esclarece que se trata de dois polos, mas não antagônicos como algumas pessoas costumam comparar. Lula é apontado como um representante do centro-esquerda e Bolsonaro representante do discurso aflorado da extrema-direita que passou a dominar a conjuntura política nacional. Nessa eleição, parece, dada essa disputa maior, entre estes dois candidatos, foi criado um ambiente maior de interesse de polarização política. Eu estou falando de polarização no sentido de que são dois polos, não no sentido que um representa o reflexo do outro”, frisa. “Isso é muito importante frisar, parece que um é antítese do outro. Eles têm diferenças grandes, mas não dá para dizer que há um candidato de extrema-esquerda, e um candidato de extrema-direita. Hoje, temos um candidato que tem um discurso da extrema-direita e um candidato que articulou uma candidatura do centro para a esquerda”, contextualiza. A cientista política lembra da iniciativa de Lula em formar uma frente ampla com a força do centro, se aliando com o ex-governador de São Paulo, o ex-tucano Geraldo Alckmin (PSB), e outras forças da própria esquerda.