Bairros dormitórios são combustível para revolta dos usuários
03 outubro 2015 às 11h06
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As verdadeiras causas que levaram passageiros da área Oeste a se rebelarem e queimarem seis ônibus do Eixo-Anhanguera, em sua extensão na GO-070 até Goianira, estão diretamente ligadas ao espraiamento da cidade sem planejamento e infraestrutura
Frederico Vitor
O que era para ser mais um começo normal de segunda-feira, no dia 28 de setembro, como outra qualquer, se tornou uma verdadeira tormenta para milhares de trabalhadores e estudantes, moradores de pelo menos 13 bairros localizados entre Goiânia e Goianira, nas adjacências da GO-070. Insatisfeitos pelas mudanças implementadas pela Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC), alguns usuários contrariados com as alterações que ocorreram no sábado, 25, decidiram fechar as duas pistas da movimentada rodovia com uma barricada de pneus, galhas e outros objetos incendiados.
O estopim para a revolta se deu em decorrência do fim das linhas de ônibus que ligavam os setores Triunfo, Palmares e Jardim Primavera diretamente ao Terminal Padre Pelágio. A CMTC, no afã de aumentar o fluxo de passageiros na extensão do Eixo Anhanguera na GO-070 (que liga a capital a Goianira) encurtou as três linhas até os Pontos de Conexão (PC) instalados ao longo da rodovia. Sem aviso prévio de tais alterações, os usuários foram pegos de surpresa, o que resultou numa superlotação dos pontos e dos ônibus que operam no Eixo.
Com a demanda acima do que os veículos podiam comportar, alguns motoristas recusavam-se a parar para embarcar mais passageiros, gerando revolta em alguns usuários enfurecidos com a perda das linhas que os levariam direto ao Terminal Padre Pelágio. O problema não se limitou apenas ao piquete que bloqueou a GO-070 na altura dos bairros Triunfo e Jardim Primavera. Usuários mais exaltados atearam fogo a um ônibus e as labaredas acabaram alcançado outros cinco veículos estacionados próximos. O saldo da revolta: seis ônibus totalmente queimados, outros nove depredados, dois policiais feridos e centenas de pessoas impedidas de chegar a seus destinos.
No outro dia, para que uma nova convulsão popular não fosse deflagrada, a CMTC resolveu voltar o que era antes, porém apenas nos horários de pico — das 6 às 10 horas e das 16 às 20 horas. Nestes horários os usuários do transporte coletivo da região Oeste da capital voltaram a ter a opção de pegar os ônibus que fazem linha direta com destino ao Terminal Padre Pelágio, pagando R$ 3,30 o bilhete, sem a necessariamente de ir até um dos PC localizados na GO-070, para embarcar nos veículos articulados do Eixo, cuja passagem custa R$ 1,65.
Expansão urbana desordenada sobrecarrega o sistema
Na região Metropolitana de Goiânia, bem como nos outros grandes centros urbanos do Brasil, há uma crescente tendência de descentralizar a cidade na medida em que suas populações vão aumentando. Ocorre que a proporção entre crescimento populacional e a utilização do espaço urbano de forma racional é desequilibrada. É esse o problema verificado na região Oeste da capital, em especial na faixa limítrofe com o município de Goianira.
Com a inauguração da extensão do Eixo Anhanguera para Trindade, Goianira e Senador Canedo em outubro de 2014, mais a duplicação da GO-070, vários bairros foram se formando aleatoriamente ao longo da rodovia. Quando o Eixo foi implantado os usuários passaram a pagar a tarifa subsidiada de R$ 1,65, uma das razões do adensamento populacional daquela região — muitas famílias foram atraídas para aqueles bairros. Em menos de um ano houve um forte espraiamento da cidade em direção a Goianira. De acordo com a Rede Metropolitana de Transportes Coletivos (RMTC), consórcio formado pelas empresas do transporte coletivo, este adensamento populacional não foi acompanhado de infraestrutura, dentre elas, equipamentos públicos para a segurança dos usuários do transporte coletivo, como passarelas e faixa de pedestres.
Atualmente, quem depende do transporte público e precisa atravessar a rodovia para alcançar uma parada de ônibus, é forçado a se arriscar. Não há faixas de pedestre, passarelas ou qualquer tipo de intervenção que garanta segurança aos transeuntes. Há, por exemplo, trechos em que os guard-rails (muretas de proteção) estão desconectados, o que “facilita” a travessia — mesmo que ainda sem segurança alguma.
Afinal, estaria faltando ônibus para os usuários do transporte coletivo daquela região? E o sistema conseguiria corresponder às necessidades diante do espraiamento da cidade na região Oeste da capital? A RMTC diz que não. Segundo ela, em 1998, um ônibus realizava em média 14 viagens por dia. Atualmente, são em torno de oito viagens, muito em razão do aumento do crescimento urbano desordenado. Quanto maior for o trajeto do transporte coletivo, maior também será o tempo em que o usuário aguardará nos pontos. Com o crescimento desordenado da cidade a demanda elevou substancialmente, o que refletiu diretamente na demora dos ônibus e na queda da qualidade do serviço de transporte coletivo.
Bairros dormitórios
Diferentemente do que pensa parte da população que, por motivos socioeconômicos ou de outros fatores, reside longe do centro em bairros dormitórios, carentes de maior presença do Estado e de infraestrutura, o sistema de transporte público não é meio de resolver todos os problemas. A melhor saída para a questão, segundo a RMTC, seria uma maior centralidade dos núcleos urbanos, onde o cidadão teria acesso mais fácil a diversos serviços, como escolas, postos de saúde, delegacias de polícia, correios, lotéricas, postos da Previdência Social e agências bancárias. Com tais facilidades, os moradores destas localidades não seriam mais obrigados a se deslocarem por grandes distâncias em direção ao centro, sobrecarregando assim o sistema de transporte público.
A RMTC não aceita a tese de que o planejamento do transporte coletivo na região Oeste de Goiânia foi executado de forma errada. O consórcio afirma que o projeto foi feito de forma correta, a execução a contento com ajustes operacionais necessários realizados em razão das novas mudanças, como a extensão do Eixo Anhanguera até Trindade, Goianira e Senador Canedo. A causa principal do problema que culminou no distúrbio que levou a depredação de seis ônibus do Eixo seria está estritamente ligada ao rápido crescimento de novos bairros que surgiram às margens da GO-070. O mesmo também é verificado entre Goiânia e Trindade.
Espraiamento
O Jornal Opção foi verificar de perto a realidade da região Oeste da capital. Para atender melhor os usuários novos abrigos foram instalados nos setores Jardim Primavera, Triunfo e Palmares. Cada novo ponto de ônibus custou R$ 20 mil. Ao todo, o consórcio das empresas do transporte coletivo gastou R$ 400 mil para a adequação do sistema do Eixo na GO-070. No PC do Jardim Primavera, um fiscal da RMTC, que faz o levantamento dos usuários que preferem atravessar a pé a rodovia — em vez de embarcarem gratuitamente no ônibus —, tinha contado das 5 às 10 horas da manhã de terça-feira, 29, 200 pessoas. Se tivesse uma passarela no local, a travessia seria muito mais segura.
Extensão do Eixo Anhanguera na GO-070 foi implantada sem infraestrutura específica
É evidente o ritmo de crescimento acelerado dos bairros que compõem a região Oeste de Goiânia. Em determinados trechos, por exemplo, de longe é possível avistar os aglomerados de casas, ruas e avenidas ainda inabitadas. Outro fato que impressiona é a quantidade stands de vendas de terrenos à beira da rodovia. Lote de cerca de 250 metros quadrados, localizado a poucos metros da rodovia, é comercializado por R$ 100 mil, divididos em dezenas de parcelas. Pela facilidade de aquisição desses imóveis, num futuro próximo estes loteamentos estarão todos habitados, o que demandará mais serviços públicos, inclusive o transporte coletivo.
Chama a atenção o fato de que, nos horários entre picos, ou seja, das 10 às 16 horas, os ônibus que fazem as linhas alimentadoras do Eixo, que percorrem o interior dos bairros da região Oeste, trafegam praticamente vazios. Muitos usuários preferem andar longos percursos a pé a pegar o ônibus, cuja passagem é gratuita, até o Ponto de Conexão com o Eixo.
Afinal, não teria como resolver o problema destes bairros dormitórios que sofrem com uma infraestrutura limitada? Para os bairros localizados GO-070, a Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo (CMTC), empresa pública que desempenha o papel institucional de gestora pública da RMTC, criou seis novas linhas que vão entrar em operação a partir do dia 19, justamente para atender bairros como São Bernardo, Limoeiro e Paineiras, na região Oeste da capital.
No entre pico, os ônibus que operam estas linhas saem do núcleo destes bairros em direção aos PC na GO-070. Por falta de retornos próximos aos pontos de conexão, os veículos do consórcio têm que percorrer cerca de três quilômetros para cruzar e retornar no outro sentido da via. No bairro Cora Coralina, que já conta com uma nova linha, o problema é mais complicado. Para cruzar a GO-070, o ônibus tem que percorrer seis quilômetros, adentrar Goianira para depois realizar o retorno. Muitos usuários não têm paciência para aguardar a manobra e preferem arriscar atravessando a pé a rodovia. Tanto os usuários quanto o sistema pagam o preço pela falta de estrutura adequada, como passarela e viadutos.
A Agência Goiana de Transporte e Obras (Agetop), responsável pela administração da GO-070, informa que está prevista a instalação de três passarelas naquela via no trecho Goiânia-Goianira, nos quilômetros 11,3 (Residencial Triunfo), 16,5 (Loteamento Cora Coralina) e 18,7 (Loteamento Jardim Imperial). Quanto à instalação de faixa de pedestres, a agência informou que não é de sua responsabilidade, e que sua implantação é proibida em rodovias, segundo o Código de Trânsito Brasileiro.
A Agetop informa ainda que no mesmo trecho, a sinalização vertical e horizontal e os equipamentos de redução de velocidade (60 km/h) estão de acordo com as normas técnicas de segurança. Conforme estudos realizados, não existe a necessidade de novas intervenções.
Nova plataforma será construída no Terminal Vera Cruz em Goiânia
Durante toda a semana, as plataformas provisórias instaladas no Terminal Vera Cruz, região Noroeste de Goiânia, para embarque e desembarque dos ônibus do Eixo Anhanguera, foi bastante criticada não somente pelos usuários quanto pela imprensa. Não era para ser diferente. As rampas de madeira, algumas velhas e desgastadas, montadas sobre estruturas metálicas, têm sido pejorativamente chamadas pelos passageiros que circulam no terminal de “curralzinhos”, uma alusão ao modo em que os gados confinados.
Além do aspecto rústico, há também uma preocupação cada vez maior em razão da segurança dos usuários. Isso porque quando os ônibus encostam para embarcar ou desembarcar passageiros, as rampas ficam cerca de meio metro de distância das portas dos veículos, oferecendo risco demasiado de acidente. A solução de instalar rampas foi vista como necessária depois que a aposta de usar uma única porta no fundo do ônibus articulado da Metrobus, do lado direito do motorista, não funcionou.
De acordo com Leomar Avelino Rodrigues, diretor-geral da RMTC, consórcio que administra o Terminal Vera Cruz, a entidade reconhece que que a instalação das rampas no Terminal Vera Cruz trouxe uma imagem extremamente negativa. O consórcio informa que vai construir, num curto espaço de tempo, uma plataforma de 70 metros de comprimento por três de largura para a Metrobus operar naquele terminal. Atualmente, o projeto conceitual está pronto e a obra levará cerca de uma semana a 10 dias para ser concluída. “Como se trata de uma obra relativamente simples, a plataforma estará pronta somente para a operação do Eixo-Anhanguera já em outubro, sem atrasos.”
O diretor considera que a solução para o problema passa necessariamente por ações do poder público que vão muito além de intervenções pontuais no sistema de transporte coletivo. Segundo ele, se isso não ocorrer, nada impedirá que novos distúrbios como os do dia 28 de setembro voltem a se repetir. A principal ação, diz, seria em relação à questão do uso e ocupação ordenada do solo. “Sem políticas públicas que favoreça a valorização da centralidade urbana, em detrimento do espraiamento da cidade por meio de loteamentos e novos setores sem o mínimo de infraestrutura, novos colapsos e crises poderão ocorrer no curto prazo de tempo.”
Leomar Avelino Rodrigues diz que é “uma corrida contra o relógio e as autoridades ainda não acordaram para a gravidade do assunto”.