De acordo com a Asmego, norma é terrorismo legal que que ataca a independência do magistrado, mas presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB discorda

Sede da Asmego, em Goiânia. Foto: Divulgação

Controversa desde que começou a ser discutida no Congresso, criticada por juízes, promotores e policiais, porém defendida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Lei de Abuso de Autoridade (13.869/2019) só entra em vigor em janeiro de 2020, mas, desde que foi aprovada, no início de setembro, a polêmica em torno de seus efeitos só aumenta. Com base nela, juízes de todo o Brasil estão soltando presos – e em Goiás não é diferente: conforme levantamento publicado na Folha de S. Paulo, pelo menos nove presos foram soltos somente em setembro.

Os casos relatados pelo jornal estão concentrados nas mãos de quatro juízes. Entre os presos liberados, estão um suspeito de homicídio que cumpre prisão temporária desde 2014. Há situações que envolvem suspeitos de tráfico de drogas, roubo, furto qualificado, desobediência, resistência e ameaça.

As decisões citam o artigo 9 da Lei, que prevê pena de até quatro anos de detenção e multa, para autoridades judiciais que mantenham prisões “manifestamente ilegais”. A alegação é que o texto é excessivamente subjetivo.

Ainda que envoltas em polêmica, a soltura de presos vistas até agora devem ser o estopim de uma série de decisões semelhantes. “Os casos citados (…) são nada mais que as primeiras interferências da Lei de Abuso de Autoridade na atuação dos membros do Judiciário, diz nota da Associação Goiana dos Magistrados (Asmego), enviada a Jornal Opção.

Desde o início das discussões sobre o então projeto de lei, as entidades que representam os juízes em todo o Brasil se posicionaram criticamente em relação a ele. Aprovado e tornado lei, o texto é classificado pela Asmego como “terrorismo legal”, que ataca “a independência funcional do magistrado, garantida constitucionalmente.”

De acordo com a Associação Goiana dos Magistrados, a Lei de Abuso de Autoridade é “sinônimo de retrocesso na árdua tarefa de enfrentar a alarmante criminalidade brasileira”. Conforme a nota enviada à reportagem, ela tolhe a atuação dos agentes públicos no combate à criminalidade em geral, mas, especialmente, à corrupção.

Para a entidade que representa dos juízes goianos, esse trabalho depende da “autonomia e independência” dos magistrados. Contudo, segundo a Asmego, a nova legislação mutila o ato de julgar, “função primordial do Estado-Juiz”. Conforme a nota, a Lei do Abuso de Autoridade tem “redação vaga, incompleta e que dá margem a uma série de interpretações, por ser permeada de conceitos abstratos, imprecisos e genéricos, gerando insegurança a quem exerce a judicatura”.

Roberto Serra, da OAB: “Não se pode usar da tutela jurisdicional como instrumento ideológico”| Foto: Arquivo pessoal

Tal entendimento, contudo, não é unânime. Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB), Roberto Serra, se as pessoas presas provisoriamente obtiveram liberdade provisória ou relaxamento de prisão, foi porque a Constituição assim determina, e não em face à nova “lei de abuso de autoridade”.

O advogado avalia, ainda, que a soltura de presos pode ter sido ilegal. “Se havia motivos para prisão processual, mas o magistrado se utilizou do subterfúgio da ei de abuso de autoridade como mecanismo de crítica, para deixar de praticar ato de ofício e contra disposição expressa de lei (decretação de prisão), satisfazendo interesse ou sentimento pessoal, ocorreu aí o crime de prevaricação”. Serra diz, ainda, que, nesse caso, pode ter havido violação aos deveres básicos da magistratura previstos no art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e no Código de Ética da Magistratura.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB afirma que a tutela jurisdicional não pode ser utilizada como “instrumento ideológico ou de irresignação e repúdio a um dos Poderes da República”, no caso, o Legislativo. “Cabe ao magistrado aplicar a lei ao caso concreto, com imparcialidade, e é isso que dele espera a sociedade”, afirma Roberto Serra.

Quem também discorda da decisão dos juízes que estão soltando presos com base na Lei de Abuso de Autoridade é o promotor de justiça Haroldo Caetano. Mestre em ciências penais e doutor em psicologia, o promotor acredita que as prisões eram desnecessárias. “Se fosse só medo da lei, teriam sido libertados todos os presos à disposição desses juízes”, afirma.

Caetano, que durante muitos anos atuou diretamente na área de direitos humanos – e, consequentemente, teve de lidar com a questões carcerárias do Estado –, lembra que a leia não está em vigor, “mas o abuso de autoridade é abuso a qualquer tempo”. Por fim, o promotor de justiça afirma que “juízes não podem fazer do processo instrumento de pressão política”.

Policiais

Em Goiás, as entidades que representam os policiais também criticam duramente a Lei de Abuso de Autoridade. Em entrevista ao Jornal Opção, o presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros (Assof), Anésio Barbosa, disse que a lei é um desserviço para o combate à criminalidade, “especialmente ao crime organizado, à criminalidade violente e à corrupção.”

Já o presidente da União Goiana dos Policiais Civis (Ugopoci), José Virgílio, o dispositivo que prevê punições em caso de investigação sem causa fundamentada prejudicará as investigações. Conforme ele, a Polícia Civil recebe muitas denúncias anônimas que, aparentemente, não têm fundamento, mas que culminam em operações importantes.

Já a diretora da faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, Batira Miranda, também em entrevista ao Jornal Opção, discorda. “O poder de investigação continua intacto. O que muda é a possibilidade de responsabilização pelos abusos eventualmente cometidos, fazendo com que os agentes da lei se conduzam de modo a cumprir as leis do país”, disse.