COMPARTILHAR

Ao sofrer nove reajustes desde o início do ano, segundo o IBGE, gasolina obteve aumento de 27,5%; nos últimos 12 meses, a alta é de 37%

Alta no preço do arroz, feijão, carne, alface, alimentos comprados em feiras ou em grandes supermercados. Na hora de cozinhar os alimentos, é preciso levar em conta o consumo do gás, pois se precisar comprar outro, o gasto equivale a 7% do salário mínimo. Mas aumento mais gritante e que mais gera chiadeira entre os consumidores é o combustível. Nas bombas, ao pedir para colocar R$ 20 reais de gasolina, o consumidor se assusta ao perceber que o valor não soma quatro litros dentro do tanque. E a partir daí os reflexos vão para o preço das passagens, seja ônibus ou avião, e o preço do táxi ou em viagens por app. Nas compras pela internet, o frete se mostra quase absurdo, quando não se fala do preço dos próprios produtos que, quase sempre, acabam fazendo com que o consumidor desista da compra após demonstrarem alta desanimadora – também culpa do preço do petróleo.

Economista Cláudio Henrique | Foto: Reprodução

Quando há aumento no preço do combustível, seja ele a gasolina, o diesel ou o etanol, que geram diferentes reflexos no cotidiano da população brasileira, essas são algumas das consequências percebidas em atividades cotidianas de um trabalhador. O diesel, por exemplo, pelo fato de o transporte de mercadorias brasileiro ser quase totalmente calcado no transporte rodoviário, de acordo com o economista Cláudio Henrique, seu aumento de preço pode ser considerado fator diretamente envolvido nos produtos diariamente consumidos pela população.

“É um aumento em cadeia. Quando se fala de frete de mercadorias, ele é repassado para quem compra. Isso repercute nos alimentos e em demais produtos e mercadorias que são comprados. Isso, porque quando se fala na alta do preço do petróleo, também se fala do aumento do diesel, e das usinas de diesel. Com isso, daqui a pouco chegamos na bandeira vermelha e a energia que consumimos passa a ser gerada por geradores a diesel, nas termelétricas. Isso aumenta o consumo porque estamos em crise hídrica, o que recai tanto na produção quanto no consumo doméstico”, esclarece o economista.

A gasolina, por outro lado, quando sobe de preço, tem um impacto menor nessa cadeia, de forma geral, mas não deixa de impactar significativamente o bolso do consumidor, uma vez que é imprescindível ao deslocamento de grande parte da população. Passa a ser necessário, desse modo, uma maior quantidade de recursos para colocar a mesma ou uma menor taxa de combustível que o habitual.

Deputado Federal José Nelto (Podemos) | Foto: Câmara dos Deputados

Para o deputado José Nelto (Podemos), o aumento do barril de petróleo, ao refletir no preço de seus derivados e, consequentemente, no valor cobrado pelo gás de cozinha, pode, inclusive, refletir na segurança da população, uma vez que passam a ser consideradas soluções alternativas à utilização do botijão, para que sejam compatíveis com os salários recebidos. “Com o aumento na inflação, aumenta o preço do feijão, faz com que as pessoas tentem cozinhar com lenha, álcool, e até pode colocar em risco à vida das próprias famílias”, opina.

Ao citar o quesito segurança, o parlamentar faz referência aos inúmeros acidentes domésticos que são manchetes em jornais quando pessoas tentam substituir o gás de cozinha por opções mais baratas. Exemplo disso foi o homem de 33 anos que foi a óbito na capital goiana, em julho deste ano, ao sofrer graves queimaduras – com mais de 50% do corpo queimado – enquanto tentava cozinhar suas refeições usando álcool, já que não possuía dinheiro o suficiente para comprar gás de cozinha.

Cenário de aumento

Entre os aspectos que, segundo especialistas, contribuem para o aumento no preço dos combustíveis, e consequentemente acarretam a quantidade sem precedentes de reflexos na situação financeira do consumidor, está o valor do dólar, a própria cotação do barril do petróleo no exterior, a carga tributária e a política que rege a Petrobrás e o preço do etanol. Para Márcio Martins, que é presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo no Estado de Goiás (Sindiposto), os dois primeiros aspectos se destacam.

Presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo no Estado de Goiás (Sindiposto), Márcio Martins | Foto: Arquivo/Jornal Opção

“Para a equiparação com o mercado internacional, há dois fatores que influenciam, o câmbio e a cotação do petróleo, que do ano passado para cá, devido a pandemia, caiu bastante. Nos últimos meses, inclusive, a alta que os combustíveis acumularam foi por essa queda anterior, é a retomada do preço do barril anterior”, afirma o presidente do sindicato.

Essa alta, no entanto, além de impactar no bolso do consumidor, influencia diretamente na inflação de 2021. O litro da gasolina, por exemplo, ao sofrer nove reajustes desde o início do ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), obteve aumento de 27,5%. Já nos últimos 12 meses, a alta é de 37% – valor próximo à alta do dólar nos últimos 12 meses que ficou em 29,33% em 2020.

A própria pandemia da Covid-19, na opinião do economista Julio Paschoal, foi fator determinante no alto valor cobrado pelo barril do petróleo, antes mesmo de chegar nas distribuidoras. “Na pandemia, tivemos uma retração de oferta de petróleo e uma aumenta de demanda por ele, consequentemente, os preços aumentaram. Além disso, os gastos com a pandemia, como com o auxílio emergencial e no próprio combate à Covid-19 trouxeram incertezas que impactam negativamente no mercado brasileiro”, pontuou.

Paschoal ainda explica que a política de variação de preços do diesel e da gasolina adotada em 2016 pelo Governo Federal também colabora para o aumento de preço dos combustíveis, no contexto atual, por estar relacionada a paridade com o mercado internacional – que é medido em dólar e, além do próprio produto, inclui custos extras, como fretes. Em concordância, o economista Cláudio Henrique menciona as diferenças da política adotada atualmente e durante o governo Dilma Rousseff.

“No governo Dilma existia um incentivo que atenuava o preço dos combustíveis. Agora mudou-se a política, e como é de commodities, a partir do momento em que o mercado tem uma variação, essa variação reflete no petróleo. A Petrobrás, por ser uma empresa AS [de Sociedade Anônima, natureza jurídica que a participação dos acionistas é definida pela quantidade de ações que eles possuem], tem o mercado aberto. Apesar de o Governo Federal ser o acionista majoritário, os conselhos estabelecem como a empresa vai agir no mercado internacional”, esclarece Cláudio.

Brasil: petroleira autossuficiente?

Economista Aurélio Troncoso | Foto: Reprodução

O questionamento acerca de o porquê de tamanha alta no preço do petróleo, ao considerar que o Brasil é um grande produtor da substância – segundo o Boletim Mensal de Produção de Petróleo e Gás da Boletim Mensal de Produção de Petróleo e Gás, inclusive, a produção cresceu cerca de 5,5% em 2020, ano em que se iniciou a pandemia da Covid-19. Os economistas, no entanto, explicam que isso se dá devido as próprias características estruturais do produto produzido nacionalmente.

“O petróleo do Brasil é muito grosso e pesado e não temos refinaria para processar ele aqui. A maioria dele é refinado fora do país e o custo do refinamento é internacional. Atualmente, o Brasil produz 2,9 mil milhões de barris de petróleo, só que para ele virar combustível, precisa passar por refinaria e a capacidade de refino do Brasil é menor que a produção e a demanda pelos derivados dos líquidos pastosos”, contextualizou o economista Cláudio Henrique.

Em concordância, o economista Aurélio Troncoso esclarece que o fato de o petróleo brasileiro ser pesado coloca dificuldades no processo de “tirar a gasolina e o diesel dele”. “O petróleo leve, que é produzido fora, é menos denso. O que temos no pré-sal, Bacia de Campos e Enchova é petróleo pesado”, acrescenta.

Alta de preços em Goiás

Quando se fala na alta da gasolina, especificamente, que é, inclusive, de acordo com os economistas, impactada pelo valor do etanol, sua própria composição de preços pode ser alvo de debates, uma vez que, para chegar ao consumidor final, muitos fatores precisam ser considerados. Isso, porque na conta do que compõe o preço da gasolina atual, é considerado o valor da gasolina A (que é a que a Petrobrás entrega às dristribuidoras), o do etanol anidro (que é misturado à gasolina A, produzindo a gasolina C, que é vendida nos postos e é composta a 73% por gasolina A e 27% de etanol), os impostos federais Programa de Integração Social e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (PIS/COFINS) e Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), os fretes que levam o fluído de um lugar ao outro e as margens da distribuidora e dos próprios postos de venda.

Atualmente, para o presidente do Sindiposto Goiás, Márcio Martins, diferente de outros momentos, o preço do etanol vêm “puxando para cima” o valor cobrado em cima da gasolina. “Em 2021, nem durante a safra os preços cederam, na verdade, aumentaram. Isso envolve safra, produtividade, matéria prima entre outras coisas. Assim, ao invés de contribuir para diminuir o preço da gasolina, como antes fazia, agora o está aumentando. Isso, porque quando se acrescenta 27% de etanol na gasolina para vender ao consumidor, a gasolina passa a ser encarecida, uma vez que o litro do etanol está mais caro que o da gasolina”, afirmou.

Em Goiânia, a estimativa de custo considerada na penúltima semana de agosto pelo Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo no Estado de Goiás (Sindiposto), segundo dados disponibilizados pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), é de que a Gasolina C (que é a gasolina A somada ao etanol anidro) represente 48,62% do valor cobrado, o Pis/CofinS 9,55%, o CIDE 1,15%, o ICMS 28,72% e a margem do posto, com o custo da distribuidora e dos fretes esteja em torno de 11,97% do total.

No estado de Goiás, após a capital goiana marcar um dos maiores preços cobrados pelo combustível no Brasil, com uma média de R$ 6,374, o governador Ronaldo Caiado (DEM), se reuniu com os presidentes da Federação Goiana de Municípios (FGM) e da Associação Goiana de Municípios (AGM), Haroldo Naves (MDB) e Carlão da Fox (DEM). No encontro, foi discutida possibilidade de as prefeituras “abrirem mão dos recursos” para que seja possível avançar na discussão do corte do ICMS, já que 25% são destinados às prefeituras.

Para o economista Cláudio Henrique, a diminuição do ICMS, apesar de ser uma medida positiva em que, em teoria, geraria a economia de R$ 0,13 a R$ 0,14 por litro, não garante que a redução chegue ao consumidor final. “Será que realmente vai ter o repasse desse desconto? As partes envolvidas estão trabalhando em um mercado livre de oferta e procura. Mesmo se uma distribuidora fez aquisição bacana, se um desses elementos não passar essa relação, na ponta fica o mesmo e no processo alguém ganha a mais”, questiona Cláudio.

Para solucionar, um leque de opções

Em um cenário de crise, é comum que, antes de se encontrar uma solução, ocorra o movimento da procura de culpados, como uma forma mais fácil de se resolver o problema em questão. Para o deputado federal, José Nelto (Podemos), essa é uma das situações em que se descobrir ‘o culpado para essa alta excessiva’, se faz necessária. Ele se encontra, portanto, em uma tarefa de coleta de assinaturas em prol do apoio para a instalação uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigue a razão da alta no preço dos combustíveis brasileiros, no Senado Federal.

“Estou pedindo apoio para investigar a cadeia de combustíveis do Brasil. O país não pode estar sujeito aos aumentos abusivos sem dar uma solução. Não adianta o presidente da República culpar somente os governadores. Precisamos saber quem realmente tem culpa no cartório e caçar a solução”, opina o parlamentar. O objetivo, segundo ele, é que, uma vez colhidas as assinaturas, a CPI seja instalada já no mês de setembro para início imediato das apurações.

Economista Julio Paschoal | Foto: Arquivo pessoal

As soluções para a redução do impacto desses aumentos, no entanto, para os especialistas, são complexas, uma vez que dependem de vários fatores e agentes que contribuem para o alto valor cobrado pelo petróleo. Para o economista Julio Paschoal, as estratégias podem passar tanto pela “quebra de monopólio” de distribuição da Petrobrás quanto pela redução de tributos federais e estaduais em cima dos derivados do petróleo.

“Quanto mais empresas estrangeiras entrarem aqui, aumenta a concorrência e tem menor impacto no bolso do consumidor. Como foi autorizado com a gasolina, autorizar a venda do etanol e diesel da usina direto para o posto pode contribuir com a redução. Além disso, os tributos federais e estaduais são excessivamente caros, então reduzi-los seria uma saída”, pontua.

Como complemento, Paschoal pontua a substituição, na medida do possível, e a médio e longo, do transporte modal rodoviário pelo ferroviário como forma de impactar menos o consumidor com essa variação – para cima – de preços dos combustíveis. “Se continuar o escoamento pelo rodoviário, à medida que o óleo diesel subir, sobe todo resto junto”, acrescenta.

Já para o economista Cláudio Henrique, que acredita na necessidade de uma junção de todas as forças para o encontro de um denominador comum, a adoção de uma política nacional também seria uma saída viável.

“Abrir mercado para outras distribuidoras e aumentar a concorrência é salutar. Além disso, considerando que estamos em momento de expectativa de recuperação econômica, todos os aspectos que compõem a política econômica monetária do país precisam ser vistos com maior proximidade, porque o preço dos produtos aumenta, mas o peso disso fica na ponta, porque os salários não aumentam na mesma proporção. Assim, deveria haver algum tipo de compensação no que se refere ao próprio tributo federal, como no imposto de renda, por exemplo”, opina o economista.