“Aqui neste país, Alice, você precisa correr o máximo que puder para permanecer no lugar.” Alice do Outro Lado do Espelho. 

Incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro, na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, na zona norte da capital fluminense | Foto: Reprodução / EBC

A citação de Alice do Outro Lado do Espelho é também uma alegoria utilizada para explicar situações em que espécies concorrentes evoluem concomitantemente, de maneira que a competição se mantém estável. A teoria foi proposta em 1973 pelo biólogo evolutivo Leigh Van Valen e também pode ser vista como uma alegoria para a situação atual dos cientistas. Por mais que trabalhem, competem com um descrédito conspiratório que está sempre evoluindo; por mais que produzam conhecimento, lutam contra a instrumentalização de suas descobertas por um extremo do especto político.

A revista Galileu, cujo foco é a popularização do conhecimento, publicou uma reportagem intitulada “O que trava a ciência no Brasil?” no saudoso ano de 2013. Nesta data, pela última vez na história, os repasses do governo às universidades federais coincidiram com o previsto. Além destes repasses via Ministério da Educação, mais 1,16% do PIB brasileiro foi investido em pesquisa e desenvolvimento tecnológico por meio do ministério Ciência, Tecnologia e Inovação, outro valor que nunca seria repetido.

Em 2014, o orçamento repassado a universidades federais foi 87% do total prometido. Um ano depois, Joaquim Levy, o Ministro da Fazenda do governo Dilma Rousseff (PT), moveu R$ 122 bilhões para o pagamento dos juros da dívida pública – parte do dinheiro, contingenciado do repasse de verbas para a Educação Federal. Desde então, o orçamento empenhado com universidades nunca mais atingiu o orçamento previsto (que, aliás, é cada vez mais modesto), fazendo as universidades federais conviverem com crescente insegurança orçamentária. Além disso, a pasta do desenvolvimento científico foi aguada na de comunicação, resultando num Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. 

Mas, voltando a 2013, quando a educação federal vinha em uma crescente, o jornalista Salvador Nogueira já havia notado problemas estruturais em nosso sistema de financiamento da pesquisa que não foram resolvidos nem com investimentos relativamente altos. Embora tenhamos atingido a 13ª posição no ranking mundial de produção científica em volume de artigos, o Brasil pontuou mal em rankings de inovação. Pior ainda, a incapacidade brasileira de cumprir compromissos internacionais deixou o Brasil fora de grandes programas que poderiam nos obrigar a investir em nossa pesquisa ainda hoje. 

Ciência comunicação
Então astronauta, agora ministro, Marcos Pontes quase foi prejudicado por governos que não quiseram honrar compromissos de mandatos passados | Foto: Reprodução / EBC

Já em 2007, por exemplo, o Brasil foi expulso do maior empreendimento científico da história, a International Space Station, pois deu um inexplicável calote de seis peças à estação espacial via Nasa no valor de US$ 120 milhões, apenas para “comprar bilhete de embarque” mais tarde para o astronauta Marcos Pontes embarcar pela russa Soyuz. 

Hoje, existem esforços contrários, como o projeto de lei n° 2374, de 2019, de autoria do senador Romário (PODEMOS/RJ), que propõe: “eliminar a burocracia de importação de mercadorias destinadas à pesquisa científica e tecnológica através da criação, pelo CNPq, de um cadastro nacional de pesquisadores que teriam liberação imediata das mercadorias a eles destinadas”. A lei tramita há seis anos e está atualmente nas mãos do relator Senador Major Olímpio (PSL/SP). 

Entretanto, nunca vivemos um momento de tamanho descrédito na ciência. Nunca houve tão pouca razão eleitoral para se aprovar o PL n° 2374. Desde ministros que duvidam do aquecimento global à ideólogos do presidente que creem que o sol gira em torno da Terra, passando pela antivacinação como uma posição ideológica, não faltam exemplos de que a negação da ciência se tornou um requisito para pertencer a um clube político. Conforme pesquisa publicada pela Folha mostra, maioria da população não sabe citar nome de cientistas nem onde se faz pesquisa no país.

O que a maioria dos brasileiros não parece entender é que dar ouvidos à ciência não é apenas uma questão moral ou filosófica (embora também seja), mas também econômica. Como o Jornal Opção mostrou na reportagem, “Goiás tem grandes jazidas de elementos usados na indústria tecnológica – basta investir em pesquisa”, a vocação para commodities não levará este país muito longe no século XXI. 

Ciência comunicação
Daqui a vinte anos, não adiantará investir em educação porque teremos perdido esta porção da população jovem | Foto: Reprodução / EBC

A maioria dos minérios será empregada de maneiras que ainda não foram inventadas. O quilo da picanha pode estar mais valorizado que nunca, mas criadores de gado competirão com laboratórios de carne sintética ainda nesta década. Além disso, em minha conversa com o Edward Madureira, o reitor da Universidade Federal de Goiás chamou a atenção para um fato frequentemente negligenciado: investimento em educação tem data de validade. 

A pirâmide etária está envelhecendo. “Daqui a vinte anos, não adiantará investir em educação porque teremos perdido esta porção da população jovem e não conseguiremos mais fazer a virada que o Brasil precisa”, disse Edward Madureira naquela entrevista. Atualmente, o Brasil tem 700 cientistas por milhão de habitantes. Israel tem 8.300. Os Estados Unidos tem 3.900. 

Portanto, se resolvêssemos o que Salvador Nogueira, da Galileu, formulou no profícuo ano de 2013 como: “Nossos cientistas ainda passam por uma via-crúcis para trabalhar”, talvez resolvêssemos o problema da fuga de cérebros. Mas agora, seis anos depois, um Museu Nacional a menos, alguns conspiracionistas da Terra Plana a mais, fica claro que dependemos de muito mais do que investimentos financeiros.

Além de ser científica, a ciência brasileira tem a missão de comunicar que não é de esquerda ou direita, que não está a serviço do Capital ou do globalismo imperialista; que é método e não narrativa; que é antídoto para o caos em um mundo cada vez mais complexo; que é o único instrumento que desfaz as tramas inventadas para instrumentalizar paixões políticas. A ciência precisa comunicar que é o único caminho conhecido para a nova década que se anuncia.