Ainda há esperança para Dilma?
03 outubro 2015 às 12h39
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Corte de poucos ministérios será insuficiente para reverter impopularidade do governo da petista. Tese do impeachment não foi superada
Afonso Lopes
Num arranjo com a cara e o jeito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Roussef anunciou um corte ministerial tão tímido que frustrou a expectativa que se tinha antes, e que já não era tão grande assim. De 39 ministérios, a Esplanada passa a abrigar a partir de agora nada menos que 31. Antes, a presidente sinalizou que iria cortar 10 ministérios, o que ainda resultaria numa supermáquina administrativa com 29 ministros de Estado, se mantendo como um dos recordes mundiais. Mas nem isso ela foi capaz de fazer. O corte ficou em apenas oito.
E para dar uma espécie de verniz no plano, anunciou também corte no salário dela, do vice-presidente Michel Temer e dos ministros. Em vez de pouco mais de 30 mil reais por mês, esse pessoal passa a ganhar 27 mil, o que representa 10% menos. Seria melhor nem ter feito a tal redução. No plano de combate aos efeitos do desemprego crescente provocado pela recessão, os trabalhadores que aderirem vão perder 15% de salários para evitar a demissão sumária.
Tudo isso, evidentemente, vai ter um custo em termos de popularidade. Dilma certamente não vai conseguir escapar da faixa vermelha da impopularidade em que se enfiou juntamente com seu ajuste fiscal de cunho radicalmente recessivo. Ao mesmo tempo, e até para seus próprios aliados, passou a nítida impressão de que abriu mão do restante de governo que ainda estava em suas mãos, repassando o poder diretamente para Lula, que foi quem negociou com o PMDB nacional mais participação nos ministérios. Agora, o partido teve sua cota na Esplanada aumentada para sete ministros.
Metas
Ao que parece, a tal reforma pífia não objetivou realmente uma importante redução de custos na máquina pública mastodonte de Brasília e, assim, contribuir com o esforço nacional em favor do ajuste das contas do governo. Mas há, sim, um objetivo bastante óbvio. Aliás, dois. Primeiro, ampliar a fidelidade das bancadas do PMDB no Congresso Nacional e evitar o quanto for possível a tese do impeachment. Em segundo lugar, e talvez até de forma mais direta e imediata, convencer os peemedebistas a votarem a favor do retorno do famigerado imposto do cheque, a CPMF. Em outras palavras, além de não cortar pra valer os custos da máquina que administra, ou deveria administrar, a reforma anunciada por Dilma provavelmente vai aumentar os custos que a população já tem que arcar.
Indiretamente, a própria presidente se encarregou, por ato falho ou intencional, de esclarecer que as medidas de contenção carregam uma carga política e não financeira. Ela se referiu em determinado trecho de seu pronunciamento a uma tal de “estabilidade política da governabilidade”, seja lá o que isso realmente signifique. Numa situação normal, ou se tem a chamada governabilidade ou não. Associar isso à estabilidade é simplesmente admitir que não existe base governista consolidada, mas votos e apoios negociados na exata medida em que eles são necessários. Precisou, abre-se o balcão de negócios políticos. Não precisou, adia-se qualquer pacto realmente duradouro. É política no varejinho, e não no atacado.
Tudo isso leva a crer que a tese do impeachment não está definitivamente morta e enterrada. Provavelmente, o que se ganhou na sexta-feira, 2, foi um tempo extra. Isso não significa que o impeachment fatalmente voltará a rondar a pauta do dia no Congresso e os piores pesadelos da inquilina do Palácio do Alvorada. Tudo dependerá da cumplicidade política que se estabelecerá em Brasília a partir de agora, com Lula no comando. Além disso, a economia também precisa urgentemente de boas notícias, o que parecem estar cada vez mais distante.
Além de todos os números francamente negativos, com aumento da carga fiscal ao mesmo tempo em que se registra queda na arrecadação, redução das atividades econômicas em todas as áreas da produção, e aumento da inflação, e ainda maior na percepção do custo de vida individual, o ajuste fiscal também cortou radicalmente nos programas sociais, incluindo nesta lista o admitido na mesma sexta-feira, 2, de que 500 milhões de reais vão deixar de ser gastos anualmente com o programa Farmácia Popular. Ou seja, Dilma não tem mais apoio, ou pelo menos o mesmo apoio que tinha antes, nem na faixa de eleitores que a elegeu no último domingo de outubro do ano passado.
O Congresso Nacional é obviamente sensível a isso, por mais distante que fique da opinião pública. Ao perceber que ganhar mais ministérios pode ter um custo excepcionalmente alto nas eleições municipais, que de resto forma sua principal base para as eleições estaduais e nacionais, o PMDB certamente irá repensar se fez um bom negócio com essa reforma. Se chegar à conclusão de que não vale a pena, o impeachment não apenas voltará aos sussurros nos corredores e gabinetes do Congresso, como poderá retornar com a força de um tsunami. Até porque marolinha sempre foi enganação.