Ministério Público Federal quer saber detalhes de empréstimos suspeitos para obras em outros países; um procurador goiano está na linha de investigação

Lula da Silva: consultor  da construtora Odebrecht  para obras milionárias | Foto: ‘Ricardo Stuckert/ Instituto Lula
Lula da Silva: consultor da construtora Odebrecht para obras milionárias | Foto: ‘Ricardo Stuckert/ Instituto Lula

Cezar Santos

Um rombo de quase R$ 500 bilhões. Esse pode ser o tamanho do buraco financeiro que o governo federal cavou ao injetar recursos no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entre 2008 e 2014, para financiar empresas escolhidas para serem “campeões nacionais” e países amigos, geralmente ditaduras ou semiditaduras. A revista “Época”, nas duas últimas edições, tem publicado amplas reportagens sugerindo que há uma espécie de “caixa preta” no banco, que deverá ser investigada por Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) proposta pelo senador Ronaldo Caiado (DEM). Os negócios já são investigados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público Federal.

Até agora, o governo petista tem conseguido barrar a criação de CPI para investigar esses empréstimos altamente suspeitos feitos pelo BNDES nos últimos anos. Mas as evidências de irregularidades são tão flagrantes que dificilmente a comissão deixará de ser instalada, o que deve ocorrer no segundo semestre.

Helio Telho antecipou  potencial escândalo do BNDES | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Helio Telho antecipou potencial escândalo do BNDES | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

O pedido de CPI foi subsidiado também por declarações do procurador Helio Telho Corrêa Filho, coordenador do Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal de Goiás, em entrevista ao Jornal Opção, em dezembro do ano passado. Telho disse que um escândalo de grandes dimensões atingiria o BNDES, muito maior que o petrolão, que ele prefere chamar de “petropina” (mistura de petróleo com propina). Semanas depois, Ronaldo Caiado conseguiu apoio para pedir a criação da CPI, mas o governo barrou.

É sabido que o BNDES tornou-se um instrumento político do PT nos últimos anos. Primeiro, a tal “política dos campeões nacionais”, implantada na gestão de Inácio Lula da Silva, entre 2002 e 2010, para beneficiar a juros de pai para filho alguns conglomerados brasileiros selecionados para se tornarem gigantes em seus respectivos setores de atuação.

Entre crédito subsidiado e compra de participações acionárias, as empresas que mais se beneficiaram desta estratégia de expansão bancada pelo governo foram dos segmentos de petroquímica, celulose, frigoríficos, siderurgia e indústria aeronáutica. Nesse contexto, sobressaem a JBS e o empresário Eike Batista, que chegou a ser apontado por Dilma Rousseff como exemplo para o empresariado brasileiro. A JBS tornou-se a maior doadora para as campanhas do PT; Eike quebrou e deixou no prejuízo milhares de investidores.

Estranho também são empréstimos bilionários a países dominados por ditaduras, como Cuba, Vene­zue­la e republiquetas africanas, para o­bras que são executadas por empresas brasileiras. Sobressai aí a construtora Odebrecht, que bancou viagens de Lula com uma espécie de consultor.

Estranhamente — ou não tão estranho assim — esses empréstimos saíram depois que Lula da Silva visitou alguns desses países. Re­portagem da “Época” informa que no dia 7 de maio, o núcleo de combate à corrupção da Procuradoria da República em Brasília – que já investiga Lula em outro processo – enviou ofício ao presidente do BNDES, Luciano Coutinho. No documento, o procurador goiano Cláudio Drewes José de Siqueira pede explicações sobre o empréstimo concedido pelo banco, no valor de US$ 747 milhões, para a construção de duas linhas do metrô de Caracas e Los Teques, na Venezuela. A obra é tocada pela Odebrecht.

Luciano Coutinho: o executor da “política dos campeões“ | Foto: Marcello Casal Jr./Abr
Luciano Coutinho: o executor da “política dos campeões“ | Foto: Marcello Casal Jr./Abr

Drewes é do MPF em Goiás, mas estava em trabalho itinerante em Brasília, como foi informado pelo órgão. A investigação começou após a publicação de outra reportagem de “Época” sobre o caso, no mês passado, em que se revelou que o financiamento do metrô venezuelano era alvo de questionamentos de auditores do TCU num processo sigiloso. A partir daí, o MPF resolveu iniciar uma investigação própria para apurar as suspeitas de irregularidades em torno da operação de crédito do banco estatal.

Luciano Coutinho terá de informar quais foram as taxas de juros cobradas nesse financiamento e as garantias apresentadas para a liberação do recurso do BNDES para o governo venezuelano. Além de Coutinho, também serão notificados o TCU e o Ministério do Desenvol-vimento, Indústria e Comércio Exterior, o MDIC – o banco é oficialmente subordinado à Pasta. Todos deverão apresentar nas próximas semanas documentos, inclusive os sigilosos, referentes ao empréstimo concedido para a construção das linhas do metrô venezuelano.

Lula e Chávez

Conforme a revista, uma das linhas desse metrô foi financiada pelo BNDES ainda no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso. O empréstimo de US$ 747 milhões sob investigação foi negociado em maio de 2009, quando o então presidente Lula se encontrou em Salvador, na Bahia, com o líder venezuelano Hugo Chávez, morto em 2013.

Anota a publicação: Naquela ocasião, Chávez, que passava um sufoco financeiro devido à queda do preço do petróleo internacional, pediu ajuda do Brasil para expandir as obras do metrô de seu país. Mesmo diante do risco da operação, o BNDES liberou o dinheiro em parcela adiantada, segundo documentos de diligências feitas pelo TCU, obtidos por “Época”.

Consta ainda: “Dois anos depois, em junho de 2011, já fora do governo, Lula viajou para a Venezuela, num voo bancado pela Odebrecht. O petista, na condição de palestrante contratado pela construtora brasileira, reuniu-se com empresários e também com Chávez, que estava em dívida com a Odebrecht. Após o encontro entre os dois colegas, a conta foi acertada.”

Sabe-se que o BNDES concedeu financiamentos de R$ 2,4 bilhões para as nove empreiteiras que estão sob investigação pela Operação Lava Jato, entre 2003 e junho de 2014. Ao longo desses anos foram 2.481 operações de crédito (R$ 1,6 bilhão em financiamento automático, ou seja, para micro, pequenas e médias empresas), que não precisam passar por avaliação prévia da instituição financeira e possuem limite máximo de R$ 20 milhões em crédito. A empreiteira mais beneficiada neste tipo de financiamento foi a Camargo Corrêa, com R$ 502 milhões em 857 operações, ou média de R$ 581 mil por empréstimos.

A Odebrecht também teve créditos de R$ 449 milhões em 412 créditos. A Queiroz Galvão obteve R$ 401 milhões em 619 operações. A UTC — cujo dono, Ricardo Pessoa, firmou acordo de delação premiada na semana passada e confessou ter dado propina ao PT e ao PMDB —contraiu financiamento no valor de R$ 132,2 milhões em 410 operações de empréstimos.

Elementos novos vão surgindo cada vez mais para sustentar uma CPI do BNDES. Com tantos indícios de irregularidades, é mais que justificada a movimentação da oposição para instalação de uma comissão para investigar essas operações suspeitas. Até aqui, o governo tem feito valer sua maioria no Congresso, principalmente no Senado, para barrar a comissão. Mas a oposição tem insistido e é praticamente certo que a CPI será instalada no segundo semestre, ao fim da CPI do petrolão.

Na página seguinte, lista de algumas obras financiadas pelo BNDES nos últimos anos, conforme divulgado pelo Instituto Ludwig von Mises – Brasil, associação autodescrita como “voltada à produção e à disseminação de estudos econômicos e de ciências sociais que promovam os princípios de livre mercado e de uma sociedade livre”.

Lula defende banco; Caiado diz que é “caixa preta”

O ex-presidente Inácio Lula da Silva defendeu na quarta-feira, 13, em São Paulo, o financiamento de obras em Cuba e na Venezuela pelo BNDES, citando especificamente os casos do porto cubano de Mariel e do metrô de Caracas, tocados pela construtora Odebrecht.

Em evento realizado pelo Instituto Lula e pela União de Nações Sul-Americanas (Unasul), Lula criticou quem é contrário ao financiamento pelo Brasil de obras em outros países. “No Brasil, hoje, a direita, os conservadores, que muitas vezes se apresentam ao mundo como pessoas avançadas, dizem que exportação de serviço para fazer o porto de Mariel, em Cuba, ou que pra fazer o metrô de Caracas, é que a gente está dando dinheiro para os outros ao invés de fazer investimentos no Brasil. É o atraso político, é o atraso contra o discurso da integração. É a submissão ao que tem de mais atrasado no mundo”, disse o ex-presidente.

Na sequência, o ex-presidente defendeu uma maior flexibilização do BNDES. “Esses dias eu vi alguém querendo fazer uma CPI do BNDES, quem sabe isso flexibilizaria a dureza do BNDES em emprestar dinheiro. Só pensa que o BNDES empresta dinheiro fácil quem não precisou. Quem precisou entra lá para pegar dinheiro para ver quantos dias. São mais de 180 dias para avaliar um programa.”

Resposta

No mesmo dia, o senador Ro­naldo Caiado postou uma mensagem em sua rede social Facebook, em resposta ao ex-metalúrgico:

“Lula diz: ‘Esses dias eu vi alguém querendo fazer uma CPI do BNDES, quem sabe isso flexibilizaria a dureza do BNDES em emprestar dinheiro’. Eu quero fazer a CPI do BNDES. E não, Lula, não acho que o objetivo seja ‘flexibilizar a dureza do BNDES em emprestar dinheiro’. O objetivo é descobrir como o banco foi usado de forma privilegiada pelos grandes doadores de sua campanha. Descobrir como o banco foi direcionado para desestabilizar setores produtivos ao eleger suas ‘empresas campeãs’ durante seu governo. Descobrir o esquema de financiamento internacional de grandes obras para que tiranetes ligados ao mesmo Foro de São Paulo do qual você é fundador se promovam às custas do povo brasileiro. Descobrir como funcionou o caixa dois com recursos do banco para que sua ‘gerentona’ fosse eleita. Enfim, a CPI do BNDES tem como objetivo abrir essa caixa preta que vocês guardam a sete chaves. Saber de uma vez por todas por que os delatores da Lava Jato disseram que o Petrolão é ‘café pequeno’ diante do que aconteceu nesse banco durante seu governo. É para isso, Lula, que esse ‘alguém’ quer fazer a CPI do BNDES.”

20 obras no exterior financiadas pelo BNDES

Porto de Mariel, em Cuba, é uma das obras | Fotos: Divulgalção
Porto de Mariel, em Cuba, é uma das obras | Fotos: Divulgalção

1) Porto de Mariel (Cuba)
Valor: US$ 957 milhões (US$ 682 milhões por parte do BNDES)
Empresa responsável: Odebrecht

2) Hidrelétrica de San Francisco (Equador)
Valor: US$ 243 milhões
Empresa responsável: Odebrecht
Após a conclusão da obra, o governo equatoriano questionou a empresa brasileira sobre defeitos apresentados pela planta. A Odebrecht foi expulsa do Equador e o presidente equatoriano ameaçou dar calote no BNDES.

3) Hidrelétrica Manduriacu (Equador)
Valor: US$ 124,8 milhões (US$ 90 milhões por parte do BNDES)
Empresa responsável: Odebrecht
Após 3 anos, os dois países ‘reatam relações’, e apesar da ameaça de calote, o Brasil concede novo empréstimo ao Equador.

4) Hidroelétrica de Chaglla (Peru)
Valor: US$ 1,2 bilhões (US$ 320 milhões por parte do BNDES)
Empresa responsável: Odebrecht

5) Metrô Cidade do Panamá (Panamá)
Valor: US$ 1 bilhão
Empresa responsável: Odebrecht

6) Autopista Madden-Colón (Panamá)
Valor: US$ 152,8 milhões
Empresa responsável: Odebrecht

7) Aqueduto de Chaco (Argentina)
Valor: US$ 180 milhões do BNDES
Empresa responsável: OAS

8) Soterramento do Ferrocarril Sarmiento
(Argentina)
Valor: US$ 1,5 bilhão do BNDES
Empresa responsável: Odebrecht

9) Linhas 3 e 4 do Metrô de Caracas
(Venezuela)
Valor: US$ 732 milhões
Empresa responsável: Odebrecht

10) Segunda ponte sobre o rio Orinoco
(Venezuela)
Valor: US$ 1,2 bilhões (US$ 300 milhões por parte do BNDES)
Empresa responsável: Odebrecht

Também…

11) Barragem de Moamba Major (Moçambique)
Valor: US$ 460 milhões (US$ 350 milhões por parte do BNDES)
Empresa responsável: Andrade Gutierrez

12) Aeroporto de Nacala (Moçambique)
Valor: US$ 200 milhões ($125 milhões por parte do BNDES)
Empresa responsável: Odebrecht

13) BRT da capital Maputo (Moçambique)
Valor: US$ 220 milhões (US$ 180 milhões por parte do BNDES)
Empresa responsável: Odebrecht

14) Hidrelétrica de Tumarín (Nicarágua)
Valor: US$ 1,1 bilhão (US$ 343 milhões)
Empresa responsável: Queiroz Galvão
*A Eletrobrás participa do consórcio que irá gerir a hidroelétrica

15) Projeto Hacia el Norte – Rurrenabaque-El-Chorro (Bolívia)
Valor: US$ 199 milhões
Empresa responsável: Queiroz Galvão

16) Exportação de 127 ônibus (Colômbia)
Valor: US$ 26,8 milhões
Empresa responsável: San Marino

17) Exportação de 20 aviões (Argentina)
Valor: US$ 595 milhões
Empresa responsável: Embraer

18) Abastecimento de água da capital peruana – Projeto Bayovar (Peru)
Valor : Não informado
Empresa responsável: Andrade Gutierrez

19) Renovação da rede de gasodutos em Montevideo (Uruguai)
Valor: Não informado
Empresa responsável: OAS

20) Via Expressa Luanda/Kifangondo
Valor: Não informado
Empresa responsável: Queiroz Galvão
Como estes existem mais de 3.000 empréstimos concedidos pelo BNDES no período de 2009-2014. Conforme mencionado acima, o banco não fornece os valores…

Fonte: Instituto Ludwig von Mises – Brasil.
Site http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1985