200 anos de Brasil: os goianos na Independência, o imperador jornalista e o tráfico de escravos
21 agosto 2022 às 00h00
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No próximo 7 de setembro, o Dia da Independência será comemorado com a especial suntuosidade das datas redondas. Em 2022, a separação entre Brasil e Portugal completará 200 anos. Para entender a construção do Estado nacional brasileiro, os conflitos separatistas e a forma como o processo moldou o país em que vivemos hoje, o Jornal Opção ouviu o doutor em historiador e professor da Universidade de São Paulo (USP) João Paulo Pimenta.
Especialista nos temas da América portuguesa, séculos XVIII e XIX, independência e Brasil imperial; João Paulo Pimenta organizou o recente lançamento “E Deixou de Ser Colônia”. O livro reúne dez artigos de pesquisadores renomados que contextualizam o processo que conduziu o país a se desvincular de Portugal. Indicado para estudantes, historiadores e apaixonados pelo tema, o livro representa uma oportunidade de profunda reflexão sobre um marco histórico que influenciou transformações econômicas e sociais.
Italo Wolff – Os artigos do livro “E Deixou de Ser Colônia” abordam o tema por pontos de vista diferentes?
João Paulo Pimenta – É uma coletânea com dez textos de dez historiadores especialistas na Independência brasileira, em que cada um trata de um período ou temática específica do processo.
Começamos na origem do movimento, lá no século XVIII. Depois, explicamos o processo a partir da vinda da corte portuguesa em 1808. Em seguida, exploramos os anos centrais, de 1820 a 1823. Por último, passamos pela história do Primeiro Reinado, quando os ecos da Independência ainda eram muito fortes.
A partir daí, os capitulos são voltados a temas específicos: povos indígenas e sua participação na independência; a escravidão; a atuação da imprensa nes te curso; a economia na Independencia; historiadores e a memória nacional no tópico da independência.
E há também um capítulo introdutório de minha autoria, em que faço um apanhado interpretativo geral, amarrando o capítulos pelo que têm em comum e oferecendo algumas chaves críticas para analisar o processo.
Qual a história do livro?
O livro foi editado em Madrid, Espanha, em 2021, para ser distribuído em espanhol nos países de língua espanhola. Então, foi uma obra pensada para um público não especializado na história do Brasil, interessado em introdução e também no aprofundamento dos temas que envolvem a Independência. O livro se tornou uma publicação no Brasil por interesse da Editora Almedina, que o achou adequado a ser lançado no país por ocasião do bicentenário.
Dom Pedro I publicou artigos em jornais sob pseudônimos. Como o senhor avalia a produção “jornalística” de Dom Pedro I? Qual propósito os escritos do imperador desempenharam?
Dom Pedro I escrevia como príncipe regente, como imperador, e também sob pseudônimos. Na época, era comum que a imprensa publicasse artigos de autores anônimos sob pseudônimos políticos como “um brasileiro”, “um patriota”, “um constitucional”. Seu propósito com esses escritos era influenciar o debate público e tentar fortalecer a opinião das linhas argumentativas que iam ao encontro da sua.
Vale ressaltar que no início do século XIX os jornalistas ainda estavam aprendendo a fazer imprensa. Eram jornais fortemente opinativos com muito pouco conteúdo informativo e quase nenhuma pluralidade. O princípio do contraditório – de ouvir o outro lado – quase não tinha importância. Os jornais eram concebidos menos como fórum de debate público e mais como instrumento para orientar e instruir os leitores.
A participação jornalística do Dom Pedro I não era a mais importante, pois existiam muitos outros jornalistas influentes. Talvez o mais importante tenha sido Hipólito José da Costa, que entre 1808 e 1822 editou em Londres o jornal Correio Brasiliense (sem relação com o periódico homônimo atual). Outros jornalistas destacados foram Luís Augusto May, do jornal Malagueta; Joaquim Gonçalves Ledo, editor do Revérbero Constitucional Fluminense; Cipriano Barata, do Sentinelas da Liberdade; Frei Caneca, com o Typhis Pernambucano; e José Bonifácio de Andrada e Silva, editor do jornal Tamoyo.
Em geral, como foi o papel da imprensa na Independência do país?
No livro “E Deixou de Ser Colônia”, quem escreve o capítulo sobre a imprensa foi Marcelo Cheche Galves, professor da Universidade Estadual do Maranhão. Ele explica que, desde a vinda da corte portuguesa para o Brasil, com a instalação dos primeiros jornais, o interesse por assuntos políticos cresceu muito no país. Só com a imprensa a política pôde virar polêmica e mover paixões.
A partir de 1821, a produção de diversos jornais e panfletos inundava o Brasil com a crônica do poder. Esse fator terminou por politizar os grupos sociais que estavam distantes da coroa no Rio de Janeiro, propiciando o momento e o clima para a independência. Bahia, Minas Gerais, Pará, Pernambuco e outros estados já tinham suas imprensas atuantes durante o processo.
Qual foi o papel de Dona Maria Leopoldina, da Áustria, na independência? É verdade que ela teve influência sobre a opinião conservadora do marido, Dom Pedro I?
Ela teve uma importância, mas que não pode ser exagerada. Maria Leopoldina era muito mais conservadora do que seu marido, Dom Pedro I, que era um liberal constitucional. A imperatriz era monarquista e detestava a ideia de uma constituição, mas se adaptou ao projeto da independência porque pensava que pelo menos o Brasil seria uma monarquia, e não uma república. Não é verdade que ela tenha redigido a ata da declaração de 7 de setembro. Ela não foi a idealizadora da independência.
Como Maria Leopoldina, existiram outros atores com papel inexpressivo mas que foram elevados à condição de heróis pela construção do nacionalismo brasileiro?
Sim. Temos de lembrar que todos os processos históricos concentrados em poucos indivíduos são mal interpretados. A individualidade dos atores não pode acobertar o fato de que indivíduos sempre respondem a forças e interesses coletivos. Não se entende bem a história quando a interpretamos como o produto das personalidades do passado. Em minha opinião, entende-se melhor quando vemos os indivíduos como fatores que respondem às forças de seu tempo.
E o contrário? Existiram atores importantes que foram esquecidos?
Sim, e os esquecimentos são sempre desiguais a depender dos grupos sociais a que essas pessoas pertencem. Muitos indivíduos são reconhecidos em apenas algumas regiões. Na Bahia, são conhecidos os baianos que colaboraram com a independência, e estes são ignorados no Pará e vice-versa.
Goiás teve personagens importantes para a Independência, mas estes são desconhecidos fora do estado. Alguns exemplos da província foram Joaquim Alves de Oliveira, Joaquim Teotônio Segurado, Luiz Gonzaga Fleury e o padre Silvestre Álvares da Silva.
Dom Pedro I e José Bonifácio eram contrários à escravidão? Se sim, por que ela não foi abolida pelo Império nascente?
Dom Pedro I era um liberal, o que sugere sua contrariedade à escravidão, e José Bonifácio defendia algumas ideias abolicionistas. Mas, em geral, a Independência foi um projeto que favoreceu amplamente a escravidão, unindo interesses econômicos da aristocracia e dos produtores rurais.
A Grã-Bretanha foi um ator que pressionou de fato pelo fim do tráfico de escravos, porque se beneficiaria de ter no Brasil um mercado consumidor assalariado. Presente política e militarmente desde 1808, com a transferência da corte feita com proteção britânica, a Grã-Bretanha estava sendo contrariada em seu interesse abolicionista. A Independência ofereceu uma nova oportunidade, por meio da troca do apoio ao processo de separação pela comprometimento da coroa em combater o tráfico de escravizados.
Em 1825 a Grã-Bretanha já reconhecia o país independente, e em 1831 o império se dispôs a reprimir o tráfico de escravizados. Anos mais tarde, outra vez por pressões da elite interna, o tráfico tornou a acontecer até o ano de 1850. Desta forma, a Independência não ocorreu por causa da Grã-Bretanha, mas esteve relacionada aos interesses dela.