A Câmara dos Deputados aprovou, na noite da última quarta-feira, 12, a urgência do Projeto de Lei 1409/24 que prevê endurecimento de pena para casos de aborto após a 22° semana de gestação. Caso se torne lei, a pena para procedimentos realizados nessa condição será equiparado a de homicídio, superando a punição para casos de estupro. A deputada goiana Lêda Borges (PSDB-GO) assinou o projeto como autora junto de outros 32 parlamentares, entre eles Carla Zambelli (PL-SP) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Procurada pelo Jornal Opção ontem e hoje, a deputada não retornou nossas tentativas de contato. 

A votação aconteceu na noite da última quarta-feira, 12, de forma simbólica e durou menos de 30 segundos. Essa forma de votação não há registro individual dos votos e se dá, normalmente, quando há consenso entre os parlamentares. Nessa modalidade de votação, os deputados e deputadas que são favoráveis à pauta devem permanecer como estão, cabendo aos que são contra se posicionarem. Graças à aprovação da última noite, o PL 1904/24 pode ser votado a qualquer momento, sem passar pelas comissões da Casa. 

Lêda Borges (PSDB-GO) assinou o projeto como uma das autoras l Foto: Reprodução/site da Câmara dos Deputados.

Apesar das votações simbólicas normalmente acontecerem quando existe consenso, esse parece não ser o caso. Após a aprovação da urgência da pauta, deputados contra o texto externaram indignação nas redes digitais. Sâmia Bomfim (PSOL) disse em seu perfil do X (antigo Twitter) que “se valendo de uma manobra, Lira aprovou a urgência do PL” e que “o presidente nem sequer anunciou a pauta que estava em votação”.

Leia também: Projeto que equipara aborto a homicídio também penaliza vítimas de estupro

Congresso vota PL que endurece penas para casos de aborto após 22° semana de gestação; veja posição dos goianos

A deputada Natália Bonavides (PT/RN) chamou Arthur Lira (PP-AL) de “golpista”. A parlamentar conta que o direito das mulheres foi lesado quando o presidente da Câmara “aprovou um requerimento de urgência sem sequer anunciar a votação”. Movimentos sociais ligados à questões de saúde pública e ao direito das mulheres também reagiram.  

Ao mesmo tempo, existe uma enquete no site da Câmara questionando a população sobre o projeto. Enquanto 28% dos participantes da enquete (60.424 pessoas) concordaram totalmente com a pauta, 72% dos votantes (159.288 pessoas) se posicionaram totalmente contra a pauta. Entre os argumentos favoráveis à pauta estão aqueles que dizem que o PL “Impede assassinato de bebês/fetos por causa de um crime não cometido por eles”. Internautas que discordam da pauta afirmam que “esse PL misógino tenta criminalizar mulheres que recorrem à interrupção da gravidez como último recurso”. 

Clique aqui e veja todos os autores do PL 1904/24. 

Clique aqui e veja o resultado da enquete sobre o PL 1904/24. 

Pesquisa

Duas pesquisadoras do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), realizaram pesquisa que mostra a oferta e a realização de abortos previstos em lei no Brasil. Vale destacar que o aborto é permitido no país em três casos: gravidez oriunda de estupro, risco à vida da gestante e caso de anencefalia do feto. O Código Penal não determina tempo máximo ou imputação de crime nesses casos, o que pode mudar caso o atual PL seja aprovado.  

Dados da pesquisa revelam que, segundo dados de 2019, são 290 estabelecimentos no país que realizam o procedimento. Esses locais se concentram em apenas 3,6% dos municípios brasileiros, nenhum deles no estado do Amapá. A região Sudeste do país concentra 40,5% do total desses estabelecimentos. 

A então doutoranda Marina Gasino Jacobs e a professora Alexandra Crispim Boing associaram a maior concentração desses estabelecimentos a locais com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) alto ou muito alto, normalmente em cidades com mais de 100 mil habitantes.  Vale destacar que mais de 99% dos estabelecimentos que realizam o aborto legal estão conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Por fim, as pesquisadoras apontam que “a oferta do aborto previsto em lei no Brasil se dá de forma desigual no território, com possível implicação no acesso ao serviço”.

Leia a pesquisa na íntegra, clicando aqui