Som e fúria na estreia de Alex Tomé na literatura

17 dezembro 2016 às 11h03

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Romance apresenta um reflexivo retrato sobre a juventude brasileira contemporânea

Márwio Câmara
Especial para o Jornal Opção
Natural de Orlândia, interior de São Paulo, o escritor Alex Tomé acaba de lançar seu primeiro romance, o intitulado “Eu contra o Sol” (Confraria do Vento). O livro perscruta uma viagem fragmentada de alto teor poético, e que emerge no seio psíquico do complexo Benício, um jovem poeta que vive conflitos com o pai e uma grande frustração amorosa pela ex-namorada. Em resumo, o livro traça um reflexivo retrato sobre a juventude contemporânea, cheia de som e fúria, com suas alegrias e tristezas, anseios e dúvidas. Nas palavras do autor, o romance trata da “transformação de jovens distraídos em adultos com raiva”.
Dentro de uma estrutura textual ousada e metalinguística, o escritor de 34 anos desponta na literatura com força e equilíbrio, mostrando evidente domínio técnico como romancista. Da ideia inicial em 2005 até ganhar o seu respectivo corpo no papel, “Eu contra sol” demandou alguns anos, mas Tomé estava certo em centralizar-se sobre o caos contemporâneo: “Havia a ideia de escrever um livro sobre uma cidade em ebulição, uma coletividade que gerava seu próprio caos, se nutria dele, inclusive. Havia elementos caros a mim como mulheres fortes, política e inadequação social. Fui rascunhando laivos de uma história hamletiana sobre traição. Criei um método de criação diária, exercícios permanentes para desenvolver uma linguagem, uma voz”, explica o autor.
Quando as manifestações eclodiram no país em 2013, ele celebrou por estar escrevendo sobre o tema, mas lamentou que a obra não estivesse pronta: “Foi neste período que o livro começou a tomar uma forma mais sólida e fui movido por um sentido de urgência muito intenso. Compreendi que a urgência deveria ser a própria linguagem”.
Em 2015, por fim, assinou o contrato com a editora, embora não estivesse ainda contente com o resultado final, e desenvolveu algumas versões da obra: “Na última revisão, cortei 120 páginas. Apenas quando minha editora avisou que enviara o livro para a gráfica foi que parei de escrever. Depois que vi o livro impresso pensei ‘pronto, posso me libertar para outros livros’”.

Durante o processo de produção do romance, o interesse maior do autor estava “em encontrar a própria voz em vozes alheias”, como relata. Para ele, era fundamental exaurir as referências literárias em busca de sua própria linguagem. A hibridação dos gêneros literários, como a prosa e a poesia, foi a chave para dar corpo ao seu projeto, uma vez que não conseguia evidenciar linhas divisórias entre um e outro.
“Trabalhei o texto de forma que alguém pudesse ler o romance abdicando da poesia ou que compreendesse o teor da história lendo apenas os poemas ou que, da junção das duas linguagens, a obra pudesse se desdobrar em mais camadas; conciliar prosa e poesia de modo que emulassem o desenvolvimento intelectual, emocional e político de Benício em sua jornada”, afirma o autor, que precisou reescrever o texto centenas de vezes como quem modula a voz.
Como um arguto estilista da língua, Tomé não poupou esforços para chegar à melodia e sintaxe perfeita que a narrativa necessita em seu escopo: “Mais grave, mais agudo, mais alto, mais baixo, menos melismas, mais sussurros, muitos gritos”, revela. Sua obsessão pela linguagem vem acompanhada de muitas anotações e disciplina, durante o processo criativo: “Anoto muito: ideias, frases, cenas, descrição de imagens, diálogos, uma palavra ouvida na rua. Acho necessário esse material caso a página em branco comece a latejar. Com o fio da história e esses objetos literários acumulados, colocava-me diariamente entre 4 e 7h da manhã para escrever, religiosamente; aos finais de semana criava em período integral. O restante do tempo que tinha livre pesquisava sobre o tema”.
O sol, apresentado no título, caracteriza o cáustico calor que incide todo o amálgama do romance. O termo acaba por possuir um sentido metafórico, internalizado em sua artística concepção: “Pensava em Mersault, de “O estrangeiro”, que matou o árabe oprimido pela opulência do sol. Pensava também em Michel, de “Acossado”, que atirou contra o sol, gratuitamente. Pensava na impotência do homem mediante a imensidão. Em um primeiro momento pensei que o sol poderia ser uma espécie de narrador onisciente, refletindo melhor percebi que para uma contenda minimamente justa não poderia lhe incumbir tamanho poder, o poder da palavra. As palavras eram tudo o que restava a Benício – personagem contra todos e que em sua necessidade revoltosa nomeou o sol como inimigo”, diz Tomé.
Ele revela ainda que a intenção era alcançar uma linguagem que se situasse entre a urgência e
o lirismo, como se em alta velocidade fosse possível desacelerar o olhar para reparar o que ninguém mais estava vendo. “Acredito, como escritor, que cada história sugestiona o seu modo de contá-la, ‘Eu contra o sol’ exigiu de mim que o escrevesse à flor da poesia até as últimas consequências”, conclui Tomé.
Consequências que funcionaram muito bem para um jovem escritor que está apenas começando. Com o seu primeiro romance, nota-se que Tomé é uma grande promessa para a literatura brasileira contemporânea.
Márwio Câmara é jornalista e pesquisador nas áreas de Literatura e Cinema. Mora no Rio de Janeiro.
Leia um trecho de “Eu contra o sol”, romance de Alex Tomé
Prometi a mim mesmo, há alguns anos, que não trabalharia nunca na iniciativa privada. Não nasci para vender nada, nem para explorar ninguém. Por isso decidi trabalhar na vida pública. Transformar vidas, sem necessariamente aparecer. Trabalhar nos bastidores.
Joaquim o interrompeu: “Na política sempre que um jovem diz prefiro os bastidores tenha a certeza que você está diante de um grande canalha”.
Benício não prestou atenção e continuou: “Política é como um rio. O que é pra ser levado vai junto, do contrário, fica na margem mais conveniente”. Depois provocou: “Hoje é bodas de prata dos meus pais. O que sugere que eu dê de presente para o seu amigo?”. Joaquim estava isolado politicamente. Precisava de apoio na Câmara. O que poderia fazer para que o jovem entendesse isso? Estava com os cotovelos apoiados na mesa de madeira que descascava e lá fora o tempo mudara loucamente.