Prazo a caminho do fim e adaptações longe de começarem

11 agosto 2018 às 23h50

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Norma da Ancine determina que 50% das salas de cinema de grupos exibidores com mais de 20 salas e 30% dos espaços de grupos com menos de 20 salas estejam adaptadas até novembro deste ano. Presidente da Adveg acredita que o percentual, mais uma vez, não será cumprido

Após adiar por um ano a entrada em vigor da Instrução Normativa nº 128, chegará ao fim no dia 16 de novembro deste ano o prazo concedido pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) para implantação do dispositivo que trata da obrigação de provimento de recursos de acessibilidade visual e auditiva nas salas comerciais de cinema. A norma determina que 50% das salas de grupos exibidores com mais de 20 salas e 30% dos espaços de grupos com menos de 20 salas estejam adaptadas até a data. Já o prazo para que recursos de acessibilidade sejam uma realidade em todo o parque exibidor brasileiro é um pouco mais elástico: dia 16 de setembro de 2019 ficou definido como prazo limite.
Isso significa que a partir das datas mencionadas acima, as salas de exibição comercial deverão dispor de tecnologia assistiva voltada à fruição dos recursos de legendagem, legendagem descritiva, audiodescrição e Língua Brasileira de Sinais (Libras). Os recursos devem ser providos em modalidade que permita o acesso individual ao conteúdo especial, sem interferir na fruição dos demais espectadores. Cabe ao exibidor dispor de tecnologia assistiva em todas as sessões comerciais, sempre que solicitado pelo espectador. O quantitativo mínimo de equipamentos e suportes individuais voltados à promoção da acessibilidade visual e auditiva varia em função do tamanho do complexo.
Segundo explica Aldenor Carneiro dos Santos, presidente da Associação dos Deficientes Visuais do Estado de Goiás (Adveg), o item da audiodescrição é essencial, pois ele permite uma maior fruição do filme, permitindo ao deficiente visual ter informações sobre as paisagens, ambientes e expressões do elenco.
“No entanto, raramente encontramos filmes com este recurso. Ultimamente tivemos alguns títulos. Na Netflix saíram alguns filmes com audiodescrição, mas ainda é muito incipiente. Por isso nós acreditamos que o percentual que a Ancine exigiu não será cumprido, pois há muita dificuldade de acessar este tipo de recurso. Claro que hoje nós já temos alguns aplicativos que utilizamos para assistir aos filmes, mas é necessário que o filme tenha sido preparado para isto”, explica.
Aos distribuidores de filmes, cabe disponibilizar cópias com os recursos de acessibilidade em todas as obras audiovisuais por eles distribuídas. Neste caso, as exigências previstas no normativo já estão plenamente em vigor. Esta norma compõe o conjunto de ações empreendido pela Ancine voltado à promoção do acesso visual e auditivo ao conteúdo audiovisual, que inclui também a Instrução Normativa nº 116, que dispõe sobre a obrigatoriedade da apresentação de recursos de acessibilidade nos projetos financiados com recursos públicos federais gerenciados pela Agência.

Adiamento
Em março de 2017, a Câmara produziu um Termo de Recomendações que dispõe sobre padrões técnicos relativos aos formatos de produção e entrega dos recursos de acessibilidade. Após a publicação deste Termo, a Digital Cinema Initiatives (DCI), entidade internacional responsável pela gestão do padrão tecnológico de cinema digital, emitiu recomendações relativas à disponibilização de tecnologias de acessibilidade, que conflitam em parte com o documento final da Câmara Técnica. Para dirimir as divergências, a Ancine decidiu então reabrir os debates da Câmara Técnica sobre acessibilidade com o intuito de amadurecer as discussões e buscar uma solução consensual.

O presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (CDPCD/OAB-GO), Hebert Batista Alves, informa que o dispositivo da Ancine irá atender o que é estabelecido pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), que passou a vigorar em janeiro. O Artigo 67 do texto coloca que “serviços de radiodifusão de sons e imagens devem permitir o uso de subtitulação de legenda oculta, janela com intérprete de Libras e audiodescrição” na tentativa de promover a inclusão de cegos e surdos. O advogado informa também que um novo decreto do governo federal regulamentando a acessibilidade nos cinemas passou a vigorar recentemente.
Pelo menos aos olhos da Lei, o usufruto da sétima arte parece estar assegurado a todas as pessoas, inclusive aquelas que tiveram os sentidos da visão e audição comprometidos; contingente este que engloba mais de R$ 15 milhões de brasileiros. Em âmbito regional, nem a Associação de Surdos, nem a Adveg dispõem de números desta população no Estado. Esta última tem hoje, segundo o presidente, cerca de 2.400 associados, mas os índices não são oficiais. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 6,5 milhões de pessoas têm deficiência visual no País, enquanto que 9,7 milhões são deficientes auditivos. Um número bastante expressivo e que ressalta a urgência do tema. Cabe agora às salas de exibição não fecharem os olhos para esta questão.

“Caça” aos filmes
Maria Eunice Suares Barboza, diretora de Planejamento da Associação dos Deficientes Visuais de Goiás (Adveg) e diretora da Biblioteca Braille José Álvares de Azevedo, afirma que audiodescrição continua sendo uma novidade em Goiás, porque muitas das obras que possuem este recurso continuam com uma distribuição ainda muito limitada ao eixo Rio-São Paulo e algumas poucas capitais, como Recife e Porto Alegre. “Os filmes produzidos no Brasil ultimamente estão vindo com audiodescrição; especialmente aqueles patrocinados por leis de incentivo à Cultura precisam atender às regras de acessibilidade. Isso foi uma grande vitória para nós. O problema é que nem todos estes filmes chegam a Goiânia. O Centro-Oeste ainda está muito distante destas agendas culturais”, queixa-se.
Cinéfila, Maria Eunice chega ao extremo de ter que se deslocar para fora do Estado para poder desfrutar da experiência de ir ao cinema, algo que é tão corriqueiro na vida de qualquer cidadão. “Eu mesma vou a São Paulo quando sei de algum filme que vale a pena.” A chegada de filmes com audiodescrição a Goiânia é acompanhada de perto por um grupo composto por membros da Adveg, que faz questão de ir à exibição de todos. “Temos um grupo permanente aqui na associação que fica literalmente à ‘caça’ destes filmes”, afirma. O último exibido na capital foi Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos (2018), em maio deste ano. Cerca de 17 deficientes visuais compareceram à sessão especial realizada no Flamboyant Shopping Center.
A diretora da Adveg reforça a importância do trabalho de divulgação destas atividades para a formação de público na capital. “A gente precisa muito informar sobre eventos importantes com audiodescrição e conduzir essas pessoas, que não estão acostumadas a sair de casa para acompanhar atividades culturais. Se isso já muitas vezes não é um habito entre a população em geral, para nós, deficientes visuais isso ainda é mais complicado. Seja pelo deslocamento, seja porque nem sempre é vantajoso ir ver um filme ou uma peça sem audiodescrição. Pelo menos 60% da história a gente vai perder. Isso vai desanimando as pessoas”, explica Maria. Ela frisa que, sem demanda de público, o acesso a estes produtos culturais ficará ainda mais difícil, pois os gerentes das salas de espetáculo e exibição ficarão com a sensação de que não vale a pena o investimento nestas tecnologias.
Um outro agravante que ela destaca é o baixíssimo número de profissionais qualificados. Em Goiânia, segundo ela, há apenas cerca três pessoas que fazem esse trabalho. Elas se formaram em outros Estados, mas aqui na capital não conseguem viver exclusivamente deste serviço, em função também da falta de empresas do ramo, e partem para outras perspectivas profissionais.
Resposta dos cinemas
A reportagem do Jornal Opção entrou em contato com os grupos responsáveis pela administração das salas de cinema em Goiás. A maioria se limitou a dizer que está atenta a prazo e trabalhando para atender à medida da Ancine sem, no entanto, fornecer maiores detalhes.
Rede de Cinemas Lumière – Proprietária de 12 unidades, sendo cinco em Goiânia (Shopping Bougainville, Araguaia Shopping, Portal Shopping, Shopping Portal Sul e Banana Shopping), Luziânia-GO (Luziânia Shopping) e Catalão-GO (Catalão Shopping)
O jornal entrou em contato várias vezes, mas não obteve nenhum posicionamento.
Kinoplex – responsável pelas seis salas do Goiânia Shopping
Resposta: Sobre a adaptação de salas, o Kinoplex está testando um sistema desenvolvido no Brasil, e nas próximas semanas, vai levar grupo de deficientes auditivos e visuais para assistirem a um filme adaptado e validarem a solução
Rede Cinépolis – Responsável por sete salas do Shopping Cerrado
Não se manifestou
MovieCom – Salas do Buriti Shopping de Aparecida de Goiânia
Resposta: A Moviecom Cinemas está atenta a este prazo e trabalhando junto a Ancine para que as adequações sejam realizadas
Cinemark – responsável por oito salas no Flamboyant Shopping Center e sete no Shopping Passeio das Águas
A Rede Cinemark afirmou por meio de sua assessoria que está sem porta-voz para falar sobre o assunto até o momento.
Cineflix Aparecida – Responsável pelas salas do Buriti Shopping de Rio Verde e Aparecida Shopping
Por meio de sua assessoria, a rede Cineflix Cinemas informou que em suas 16 praças distribuídas no Brasil estão se readaptando na substituição de equipamentos e ajustes na infraestrutura para atender o prazo estipulado pela Ancine.
Multicine Cidade Jardim – Responsável pelas salas do Shopping Cidade Jardim
Não se manifestou