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Seus livros são gritos de um polemista rancoroso e exibicionista, ostentando erudição pra provar que tem mais valor intelectual do que a elite acadêmica que o ignora 

Helvécio Cardoso

Especial para o Jornal Opção

Se o filósofo brasileiro não existe — por certo, existirá, um dia —, logo Olavo Luiz Pimentel de Carvalho não é filósofo. Temos grandes professores de história da filosofia, exegetas dos grandes sistemas e redatores de dissertações de mestrado, ou de teses de doutorado, que são lidos em geral no ambiente acadêmico.

Discurso de Olavo de Carvalho é incendiário
Olavo de Carvalho: ensaísta brasileiro radicado nos Estados Unidos | Foto: reprodução

O filósofo é um criador de doutrinas, alguém que pensa de modo sistemático, conceitualizante, e com isso alarga a fronteira do saber racional. Se o mero conhecer da obra dos grandes filósofos fizesse de alguém um filósofo, o maior filósofo da antiguidade teria sido Diógenes Laércio — não Parmênides, Platão e Aristóteles.

Os adversários de Olavo de Carvalho, de 73 anos, negam-lhe o honroso título de filósofo porque o polemista não tem formação universitária. Não é um argumento válido. O diploma de bacharel em Filosofia não é necessário. Qualquer um, querendo, pode ser filósofo.

Olavo de Carvalho não é filosofo porque não desenvolveu um pensamento doutrinário, uma reflexão filosófica rigorosamente lógica e conceitualizante. Tudo que ele apresenta são meras opiniões carentes de conceito e vazias de conteúdo. De um filósofo se exige rigor lógico e elevação ao universal. Não temos nada disso na chamada “obra” do dito “pensador”.

Sabe-se que Olavo de Carvalho começou como crítico literário. Seus principais livros, “O Imbecil Coletivo — Atualidade Inculturais Brasileiras” e “O Jardim das aflições — De Epicuro à Ressurreição de César: Ensaio Sobre o Materialismo e a Religião Civil”, são gritos de um polemista feroz, rancoroso e exibicionista, ostentando erudição para provar que tem mais valor intelectual do que a elite acadêmica que o ignora e marginaliza.

Na sequência, estabeleceu um curso de Filosofia pela internet, ministrando aulas e palestras com viés reacionário. Dando mais um passo adiante, o rabugento professor assentou praça como agitador de extrema direita e propagandista de teorias conspiratórias. Ele é obcecado pelo tal marxismo cultural e pela tal Nova Ordem Mundial, conspirações satânicas visando o controle do mundo e a escravização dos indivíduos. Pura fantasia.

Pugilato verbal e o profeta da ralé

A despeito de toda sua bagagem livresca, Olavo de Carvalho não prima pela probidade intelectual. O suposto guru do presidente Jair Bolsonaro “chuta” muito. Num vídeo sobre Hegel, ele vem com aquele lenga-lenga de tese-antitese-síntese, que pertence à filosofia de Fitche. Não faz parte do vocabulário de Hegel.  De resto, a exposição é tão confusa que me deu a impressão de que nunca leu Hegel. Talvez tenha lido algumas “orelhas” ou aqueles livrinhos que sugerem que se pode entender a obra de um filósofo em “90 minutos”.

De outra feita, em polêmica aberta com o protestantismo, afirmou que lera os Evangelhos na língua em que foram redigidos, o grego clássico. Um jovem teólogo protestante de Fortaleza (esqueci o nome dele; perdão, leitor), jovem estudioso e versado em grego, o desmentiu categoricamente. Disse o estudioso que os Evangelhos foram redigidos em Koiné, idioma derivado do grego e falado em todo o mundo helênico. Já no tempo de Jesus, o grego clássico era língua morta.

Olavo de Carvalho leu e tirou proveito de um livro do filósofo alemão Arthur Schopenhauer intitulado “Como Vencer um Debate Sem Precisar Ter Razão” (saiu no Brasil pela Editora Topbooks). Deve-se desqualificar o oponente, insultá-lo, usar contra ele todo o repertório de falácias listadas pela Lógica. Abusa-se da heurística, que é o argumento desleal, o chute na canela, o soco na cara.

Com Olavo de Carvalho, o debate civilizado virou pugilato verbal. A intolerância entrou no lugar da elegância. É o insulto como argumento. Os maus modos convertidos em virtude. Isto fez dele o profeta da ralé. O ídolo dos boçais reacionários — essa gente onde ele encontra seus prosélitos. Uso aqui o termo ralé no sentido de Hannah Arendt, que, em “As Origens do Totalitarismo”, desenvolveu o conceito.

Olavo de Carvalho e Josias Teófilo, diretor do documentário “O Jardim das Aflições”

Afinal, Olavo de Carvalho é um charlatão? Não digo que seja. Seria portador da insanidade descrita Philippe Pinel como “mania”? Talvez. A moderna Psicologia diria que se trata de um psicótico? Quem sabe. O francês Pinel observa que o maníaco não é alienado mental e retém certa racionalidade. O ego, porém, está cindido e cada parte entra em conflito com a outra. Isto leva a um comportamento extravagante. O psicótico acredita que sua subjetividade mórbida é a verdade do mundo objetivo.

Observem De Carvalho fumando compulsivamente e xingando, falando palavrões. É uma figura caricata. Parece mais um comediante do que um intelectual sério. Recentemente, ameaçou derrubar o governo Bolsonaro, que ele apoia. Com o rosto crispado pela cólera, ameaçava: “Eu derrubo este governo”. Bazófia? Não. Surto psicótico? Talvez seja o caminho para, quem sabe, entendê-lo.

Poderia listar aqui outras opiniões excêntricas de Olavo de Carvalho. Mas seria aborrecido. Vamos ficando por aqui. Que a ralé celebre o seu profeta em paz.

Mas, afinal, trata-se de um filósofo? Não, insistamos. Mas façamos uma concessão: talvez esteja se tornando, dada sua linguagem, um “porno-filósofo”. No máximo, isto.

Helvécio Cardoso, advogado e jornalista, estuda Hegel há seis anos. “Mas não me apresento como filósofo.”

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