“O manuscrito de Missolonghi” traz as memórias do poeta romântico inglês Lord Byron

12 dezembro 2021 às 00h00

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Prosa de Frederic Prokosch, com tintas românticas e filosóficas, versa sobre a finitude da vida, o propósito de estarmos aqui, e quão inexorável é o destino
Mariza Santana
O poeta Lord Byron (1788-1824) — George Gordon Byron —, um dos principais representantes do romantismo inglês, teve uma vida curta, porém intensa. Aristocrata, criou personagens sonhadores e aventureiros que desafiavam a sociedade burguesa do princípio do século 19. Manteve casos amorosos com mulheres e homens e passou parte da vida no exílio, principalmente na Itália.
Lord Byron morreu aos 36 anos de idade, na Grécia, para onde foi para se engajar na guerra de independência daquele país do jugo turco otomano. Deixou uma legião de fãs e influenciou gerações de poetas que vieram depois, inclusive no Brasil, como Álvares de Azevedo (1831-1852 — viveu 20 anos).
“O Manuscrito de Missolonghi”, do escritor norte-americano Frederic Prokosch (1906-1989), é uma espécie de memórias atribuídas ao próprio Lord Byron, com reminiscências de sua curta e intensa vida, seus amores, suas desventuras e seus questionamentos. Fala também de seu relacionamento com amigos intelectuais, como o poeta britânico P. B. Shelley (1792-1822 — viveu 29 anos), marido de Mary Shelley, a autora do livro de terror gótico “Frankenstein”.
O romance de Prokosch é tão envolvente que, às vezes, o leitor, se esquece de que se trata de uma ficção, de tão verossímil que é o pensamento de Lord Byron, suas descrições e pensamentos. Em alguns momentos, as expressões em francês, tão comuns na época do poeta britânico, dificultam o entendimento. Mas nada que impeça de seguir adiante na leitura da prosa com tintas românticas e filosóficas, a respeito da finitude da vida, o propósito de estarmos aqui, e quão inexorável é o destino.
Nos manuscritos atribuídos a Lord Byron, escritos na cidade grega de Missolonghi, onde ele morreu, é necessário haver discussões a respeito de poesia. “Poesia é verdade, mas é a verdade vista sob uma luz mais rica e mais desvairada”, diz o poeta. Em outro momento, a descrição de uma paisagem na cidade grega é pura poesia: “As oliveiras na campina estão contorcidas como almas em tormento. Mas é claro que são apenas oliveiras, o mundo é apenas o mundo, e o amor não passa de um fantasma errante silencioso.”

Em sua obra, Prokosch cria um Lord Byron verosímil, com suas angústias e inquietações, mas também com visão sarcástica a respeito de si próprio, um aristocrata que vivia para escrever poemas, participar de eventos sociais e discussões intelectuais. Um homem que sentia atração por ambos os sexos e que não teve medo de experimentar todas as possibilidades do amor. Em muitos trechos, ele se refere ao órgão masculino, dele e de outros, como uma espécie de encantamento e fixação.
Outro trecho de destaque é seu relacionamento com o amigo poeta Percy Shelley. Eles se admiravam e mantinham uma espécie de rivalidade intelectual. Os diálogos entre os dois são de uma mestria incrível. O episódio do naufrágio de Shelley que causou sua morte, o resgate e a cremação de seu corpo, e o coração que teimou em não se transformar em cinzas são um dos pontos altos do romance.
O desfecho da narrativa torna a autoria dos manuscritos atribuída ao poeta ainda mais real, pois trata da angústia em relação às reminiscências do passado e dos problemas de saúde enfrentados nos últimos dias de sua vida, a insistência dos médicos de lhe infringirem sangrias em busca da cura e sua recusa de se submeter a tal tratamento. Até o momento em que lhe faltam as forças para se opor ao inevitável.
Filho de um imigrante austríaco, o escritor norte-americano Frederic Prokosch morreu em 1989, aos 83 anos de idade, com uma extensa carreira como autor de romances, poesias, memória e crítica. Também foi tradutor. Mas não é, aparentemente, muito conhecido pelo público brasileiro.
Em seus romances, a descrição das paisagens é tão predominante que elas se tornam um personagem em si. Essa característica é bem forte em “O Manuscrito de Missolonghi”, ainda porque as memórias são atribuídas a um poeta, Lord Byron, que via o mundo ao seu redor com pinceladas de poesia. O livro segue o mesmo estilo do romance “Memórias de Adriano”, da escritora francesa Marguerite Yourcenar, e tem tudo para agradar os leitores mais exigentes.
Mariza Santana é crítica literária. E-mail: [email protected]