De autoria da psicanalista Claudia Machado, as obras, além de lançadas em Goiânia, ganham o Festival de Cinema, Arte e Biografia de Asolo

“Sou tantas. Sou habitação. Inter­mitente. Perene. Sou comuna. Aglo­me­ração. Sou estado invadido. Vivem em mim mulheres. Mulheres diversas entre si. Sou campo de batalha. Sou terreiro. Sou igreja. Sou Janaína do mar. Sou herança não tombada. Sou terra batizada. Sou fundação. Sou uma. Sou muitas. Sou perdida. Sou achada. Sou todas em acontecer contínuo. Sou mulheres fantasmas. Mulheres mortas. Sou mulheres vivas. Sou mistério…
Dei de parir. Gerar mulheres. Sou o não. Sou o sim. Elas, todas, querem tomar a palavra. Eu não sei sobre mim. Elas me inventam.”

Claudia Machado em “O Livro do Depois”

O festival italiano ainda recebe o governador Marconi Perillo em prestígio à homenagem à escritora Cora Coralina
O festival italiano ainda recebe o governador Marconi Perillo em prestígio à homenagem à escritora Cora Coralina

Yago Rodrigues Alvim

De família mineira, Clau­dia Machado nasceu em Goiás, no município de Palmeiras. Seu bisavô muito a inspirara, pois, escritor, propiciou os primeiros passos de Claudia na literatura, vindos da admiração – pois, infelizmente não chegou a conhecê-lo. Em Palmeiras que sua escrita tomou forma. Quando criança, ela ficou encucada pelo que via do cotidiano das mulheres da cidade. Já formada em psicologia, com mestrado em Psicologia Organizacional e de Recursos Humanos, ela, que se enveredou pelo campo da psicanalise, não só se conteve com o consultório, uma empresa de RH e uma clínica vinculada ao Detran. Não quis abandonar a escrita. Assim, deu vida não só a um livro, mas sim duas obras que serão lançadas, com diversos desdobramentos em outros campos da arte (cinema e performance), em Goiânia e na Itália. Em entrevista ao Jornal Opção, ela conta de ambos os trabalhos, sua concepção, criação e processo editorial, e dos lançamentos, que incluem animações e outras poéticas dramáticas, no Brasil e Itália.

Primeiramente, sobre o livro que a sra. lança não só em Goiânia, como também na Itália. Qual a temática/história?
São dois livros. Um infantil, que se chama “A Invenção do João”. Ele vem com um DVD de animação e está inscrito em 34º Festival Internacional de Cinema, Arte e Biografia de Asolo, província de Treviso, na Itália –– cidade próxima a Veneza. A animação do livro está inscrito no Festival. Além de ilustrações, ele vem com este DVD. Ele conta a história de um menino que está crescendo e que enfrenta as questões da vida. Ele nasce na época da Festa do Divino, que é a festa dos mouros e cristãos e que engloba as Cavalhadas. Ele nasce no momento da guerra, que existe nas Cavalhadas. O livro é baseado na história verídica de uma criança que teve que lutar para conseguir viver; ele conta a história de como ele enfrenta a vida.
O segundo, de poesia-proseada, se chama “O Livro do De­pois”. Hoje, temos poesia, crônica, prosa e este é um livro de poesia-proseada; um novo gênero que en­globa tudo aquilo que tem um acento forte na poiesis. Isso é novo na literatura. Além disso, o li­vro traz mulheres heterônimas. Elas próprias são escritoras. Al­gumas mulheres de Palmeiras me inspiraram a criar, a inventar essas mulheres e, portanto, muitas delas não têm o meu estilo de escrita; elas fazem seu próprio estilo. É outra voz, diversa da minha. No livro, devem ter 15 mulheres.
Além disso, existe a novidade da prosopompeia. Existe a prosopopeia que é quando existe no texto animação; por exemplo, “a casa chorou”. Já a prosompopeia é quando você lê, por exemplo, “atravessei a rua e vi um homem virando igreja”. É um homem virando a coisa e não a coisa que toma vida. A poesia-proseada não tem um formato, tanto faz se for em forma de haicai, de poema ou de prosa. O formato não importa; o que importa é a poiesis. Por­tanto, o livro traz essas novidades. Esses são os dois livros que lanço dia 8 de outubro em Goiânia, no Palácio das Esmeraldas.

Como foi realizada a animação do livro “A Invenção do João”?
A animação foi realizada por uma equipe. Tem a designer de Projetos Especiais de Goiás Velho, que é a Ana Cristina da Rocha Lima. Ela ilustrou todo o livro. Depois, a Denise Cambotá entrou como diretora de arte; a Isa Veiga executou a animação. Nós tivemos a Ione Faleiro que fez a narração da história. As músicas foram cedidas da Itália, por um maestro Zarpellon, que tem um o CD “Do Riso ao Pranto”, que traz as canções “Primavera”, “Inverno”, “Outo­no”. Escolhemos a “Primavera” para o nascimento e o “Inverno” para a guerra.

Como foi o processo criativo de escrita/tessitura dos livros e, também, o processo editorial?
“O Livro do Depois” começou há quatro, quase cinco anos. Uma mulher muito me inspirou e acabou se mostrando, primeiramente, para mim. O fato de eu ter conhecido muitas pessoas que me inspiraram muito fizeram com que a minha escrita se expressasse pelo o que elas pediam que eu escrevesse. O processo criativo veio daí, da pressão que o escrito faz, enquanto existência.
“A Invenção do João” veio de um momento de uma criança, que faz parte da minha família. Ele passou por problemas de saúde e teve que ficar na UTI. Eu escrevi cartas, pois estava fora do país. Eu escrevia para que minha irmã lesse a ele na UTI. As cartas viraram o livro, que agora é universal. Ele se inspira em uma história pessoal, mas conta, agora, uma história que qualquer pessoa pode ter passado, pois esse é o objetivo do livro; que ele não fale de uma historieta pessoal, mas sim para que, qualquer pessoa que o leia, se sinta identificada.
O processo de edição foi muito minucioso. Tenho acompanhado passo a passo. O Cris Martins, um psicanalista e especialista em linguística goiano, esteve comigo discutindo todo o processo; a questão da prosopompeia é ele que nomeia. O processo foi a muitas mãos. Existiu uma revisão linguística, de norma gramatical, acompanhei tudo na editora, desde a capa a diagramação. Tem sido um processo artesanal.

“O Livro do Depois” se desdobra em uma performance artística. Como é isso?
O objetivo é que o escrito não fique enclausurado no livro, que as pessoas possam conhecer essas mulheres. Todas que participam são psicanalistas e são apaixonadas pela arte. Elas se propuseram a ensaiar diuturnamente para dar vida às mulheres do livro. Foi incrível. Algo que existia no papel ganhou vida.

Quais são suas referências literárias, seus escritores favoritos?
Minha origem é Cora Coralina. O livro está sendo lançado dentre de um projeto que se chama “Pré-Festival de Cinema de Asolo”. Existe a “Associação dos Amigos de Asolo em Goiânia”, que eu faço parte. A associação nasce com a vocação “Ponte”, inspirado no poema da Cora, em que ela diz “Sou geração ponte”, pois o objetivo é levar para Itália o que fazemos aqui e trazer para cá o que nos interessa.
A Itália está fazendo uma grande homenagem a Cora Coralina; terá um espaço de poesia fixa e outra itinerante dedicados à Cora e os dois livros são homenagens à escritora, isso dentro do evento. Os livros serão lançados na Itália, durante o Festival, realizado de 30 de outubro a 7 de novembro. Eles são bilíngues. Faremos flash mobs pelas ruas e museus divulgando o livro. Vai ser um barato. Na Itália, terá uma comitiva do governador Marconi Perillo. Ele vai participar junto de vinte pessoas, que vão à Itália em homenagem à Cora e prestigiarão o lançamento do “Livro do Depois”.

Serviço
Lançamento “A Invenção do João” e “Livro do Depois”, de Claudia Machado
Data: 9 de outubro
Horário: 19h30
Local: Palácio das Esmeraldas, na Praça Cívica