O labirinto de Cédric Klapisch
19 julho 2014 às 10h41
COMPARTILHAR
Cédric Klapisch foca na natureza apaixonada do homem como objeto de estudo para uma série de desencontros dos quais, muitas vezes, somos os próprios culpados
Marcelo Costa
Há 13 anos, um jovem francês deixava Paris para estudar economia em Barcelona, e seria abrigado na cidade catalã por um grupo de jovens que exemplificava a perfeição o sentido de globalização pelo qual vive a sociedade atual, uma mistura de línguas, sotaques e costumes que ao mesmo tempo em que se influencia, defende sua natureza única. Isso fica explicito numa cena de “Albergue Espanhol” (L’Auberge Espagnole, 2001), primeiro filme da trilogia que se encerra agora com “O Enigma Chinês” (Casse-tête Chinois, 2013), em que quatro jovens discutem avidamente a identidade catalã, embora o próprio conceito de “albergue” já seja um exemplo magnífico dessa mistura de costumes e defesa de personalidades.
“Albergue Espanhol” flagrava Xavier (Romain Duris) em um momento decisivo de sua vida: apesar de namorar Martine (Audrey Tautou) em Paris, ele parte para Barcelona e, parece afirmar o diretor e roteirista Cédric Klapisch (responsável, além dos dois filmes, também por “Bonecas Russas” — “Les Poupées Russes”, de 2005), não é a segurança de um diploma que o colocará nos trilhos e ditará seu futuro, mas sim a chama da experiência vivida no albergue, que fará com que Xavier se arrisque numa carreira de escritor não planejada, e, como exemplifica perfeitamente a hilária cena de abertura do bonito “Bonecas Russas”, passe a viver quebrando galhos, enrolando chefes, editores e as mulheres que ama.
Primo adolescente da trilogia “Antes do Amanhecer” / “Por do Sol” / “Meia Noite”, de Richard Linklater, o bom trio de filmes de Cédric Klapisch também foca na natureza apaixonada do homem como objeto de estudo para uma série de desencontros dos quais, muitas vezes, somos os próprios culpados. No caso do emblemático personagem Xavier, 10 anos após viver em um albergue espanhol com uma belga, uma espanhola, uma inglesa, um alemão, um italiano e um dinamarquês, quase nada mudou em sua personalidade na teoria, embora a prática mostre o contrário: em “O Enigma Chinês”, Xavier está casado, tem dois filhos e um problema: Wendy (Kelly Reilly) quer se separar e mudar para Nova York (com os filhos).
Aos 40 anos, Xavier já é um escritor reconhecido, ainda que não tão bem sucedido. Continua próximo de Martine e, principalmente de Isabelle (Cécile de France), a amiga lésbica devoradora de mulheres, que no momento se encontra apaixonada por Ju (Sandrine Holt, de “House of Cards”) e pretende engravidar para dar um filho para a esposa — Xavier terá participação eficaz nesta subtrama, mais uma peça no quebra-cabeças proposto por Klapisch desde a abertura do filme, que parece reforçar a crença do cineasta na natureza imutável do ser-humano: os personagens, mesmo quando envelhecem, permanecem os mesmos, com poucas alterações. Seremos então todos condenados a viver e não aprender?
Cinematograficamente, “O Enigma Chinês” é mais do mesmo cinema de Klapisch, um diretor que adora repartir a trama em pequenos núcleos narrativos que muitas vezes se dispersam, opta pela mesma edição exagerada que tomou de assalto o cinema francês pós-Amelie Poulain, e não tem medo de ser piegas, chegando a comover em alguns momentos. Porém, o filme perde em comparação por locação (Nova York é sensacional, mas Barcelona, Londres, Paris e São Petersburgo estão uns degraus acima) e na falta de uma grande canção: “No Surprises”, do Radiohead, move “Albergue Espanhol” enquanto “Mysteries”, de Beth Gibbons, comove em “Bonecas Russas”. Já “O Enigma Chinês” fica devendo.
O roteiro aposta novamente na comédia de costumes — por meio dos choques culturais de Xavier tentando se adequar em Nova York — ao mesmo tempo em que defende a premissa de que tudo aquilo que buscamos já estava no ponto inicial de nossa trajetória, mas só teremos capacidade de encontrar (e valorizar) após caminhar (e aprender) muito (ideia também usada em livros como “O Macaco e a Essência”, de Aldous Huxley, “Ilusões”, de Richard Bach e “O Alquimista”, de Paulo Coelho, entre outros). No caso de Xavier, ele precisou passar por Barcelona em “Albergue Espanhol”, Londres, São Petersburgo e Moscou em “Bonecas Russas”, e Nova York em “O Enigma Chinês”, o ponto final em que ele se redescobre.
A descoberta, no entanto, é mais romantizada que racional. Desde o primeiro filme, Cédric Klapisch coloca a busca de Xavier pela mulher de sua vida como peça central de um quebra-cabeças em que trabalho, família e aspirações pessoais são deixados de lado, como se o amor fosse a solução para todos os males. Xavier, desta forma, encarna o exemplo perfeito do adultescente e tem, inclusive, tanto um pouquinho de Rob Fleming (de “Alta Fidelidade”) quanto de Jesse (da trilogia de Linklater), homens modernos, eternamente apaixonados e inseguros, que acreditam que o amor é a resposta, mas como disse Bob Dylan certa vez, é impossível amar e ser esperto ao mesmo tempo.
Enquanto Richard Linklater utiliza longas discussões para desnudar seus personagens (e seus intentos), Cédric Klapisch é essencialmente visual, chegando a mover Xavier em um mapa (artifício usado nos três filmes assim como o reforço da frase “minha vida é uma confusão”). Menos equilibrado que sua “rival”, a trilogia “Albergue Espanhol” / “Bonecas Russas” / “O Enigma Chinês” tenta contemplar várias questões neste terceiro episódio (familiares inclusive, com duro olhar sobre ser e ter filhos), mas, ainda que tenha bons momentos, se encerra de forma abrupta e ineficaz, deixando no ar a dúvida central: será que Xavier realmente encontrou a(s) mulher(es) que ama? Um quarto episódio se faz necessário…
Marcelo Costa é jornalista. Editor do Scream & Yell.