O cinquentenário da estreia literária da poeta Yêda Schmaltz
07 junho 2014 às 10h07
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Há 50 anos a maior poeta da história da literatura goiana lançava o seu primeiro livro
Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado
Especial para o Jornal Opção
Goiânia, 1964. A “capital brotinho” respirava provincianos ares, ainda com 31 anos desde o lançamento de sua Pedra Fundamental, após 22 anos apenas de seu Batismo Cultural, uma moça do interior, de 23 anos de idade, desconhecida e simples secretária, ousava ter voz nos meios culturais de nosso Estado. Muito clara, esguia, suave e bonita, surgia no cenário das letras de Goiás o fulgurante nome de Yêda Schmaltz.
Trazia, no sangue, por atavismo, o amor pela poesia, herdado do avô, Demóstenes Cristino, que, na antiga Entre Rios, hoje Ipameri, havia publicado um livro de versos intitulado “Musa Bravia”. Nascida em Tigipió, no sertão pernambucano, muito criança, Yêda viera para Ipameri, depois Inhumas e finalmente Goiânia; ousava sonhar algo que extrapolasse os cerceados horizontes da mulher daquele tempo.
Era uma batalhadora, sobretudo. Mas combativa. Yêda estudava e tinha amor pelas letras e pela produção literária. Instigava a mesma, a força telúrica e poética da palavra. A palavra estava dentro dela e buscava se mostrar ao mundo, mesmo que de forma doída e sincera.
Foi nesse ano emblemático marcado pela Revolução de 31 de março, que Yêda se mostrou ao mundo com o seu singelo livro “Caminhos de Mim”, numa edição modesta, feita nas oficinas gráficas da antiga Escola Técnica Federal de Goiás.
Há 50 anos nascia a poetisa Yêda Schmaltz com a força arrebatadora de seus versos/vida!
Um ano antes, 1963, já fora ao lado de Miguel Jorge, extraordinário escritor, uma das baluartes do GEN (Grupo de Escritores Novos), que nascia para expressar ao mundo os anseios dos jovens daquele tempo. Era um grupo que surgia com talento e garra e escreveu o seu nome na história, por meio de seus magistrais membros.
Yêda estudava com afinco. Fez dois cursos superiores, Letras e Direito. Foi na atuação docente na PUC-GO e na Universidade Federal de Goiás que ganhou com honestidade o pão de cada dia. Ensinava Literatura e Arte. Fazia o que gostava. Viveu modestamente mas marcada pela mais absoluta dignidade.
Como poeta foi densa e produtiva. Deixou uma obra de valor, centrada nos livros: “Caminhos de Mim” (poesia), 1964; “Tempo de Semear” (poesia), 1969; “Secreta Ária” (poesia), 1973; “Poesias e Contos Bacharéis II” (antologia, com José Mendonça Teles e Miguel Jorge), 1976; “O Peixenauta” (poesia), 1975/1983; “A Alquimia dos Nós” (poesia), 1979; “Miserere” (contos), 1980; “Os Procedimentos da Arte” (ensaio), 1983; “Anima Mea” (seleção de poemas), 1984; “Baco e Anas Brasileiras” (poesia), 1985; “Atalanta” (contos), 1987; “A ti Áthis” (poesia), 1988; “A Forma do Coração” (poesia), 1990; “Prometeu Americano” (poesia), l966; “Ecos” (poesia), l996; “Rayon” (poesia), 1997; “Vrum” (poesia), 1999; “Chuva de Ouro” (poesia), 2000; “Urucum e Alfenins — Poemas de Goyaz”, 2002.
Recebeu diversos prêmios regionais e nacionais. Sua casa no aprazível Bairro Feliz era um porto seguro de poesia e arte. Participou do Gremi de Inhumas por vários anos, escrevia na imprensa suas impressões sobre arte e literatura. Era combativa, viva, entusiasmada pela vida, embora, tantos dissabores, tenha vivido na caminhada humana.
Yêda foi membro da União Brasileira de Escritores, secção de Goiás, da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás e dirigiu o Instituto Goiano do Livro. Era assídua em eventos culturais, lançamentos de livros e os projetos de poesia falada nos bares e botecos de Goiânia, famosos nos anos de 1980 e 1990.
Amou demais a Yêda, amor absoluto, fatal, sem solução. Esse amor não cabia em si, por isso sua passagem foi tão breve. Com pouco mais de 60 anos nos deixou em 2003. Sua ausência foi um hiato nas letras de Goiás.
Dia 29 de maio último, a UBE-GO em parceria com a Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás promoveu um evento para relembrar os 50 anos do lançamento do primeiro livro de poemas de Yêda Schmaltz, a meu pedido. Em minha fala, destaquei a força humana e poética de Yêda; o que foi reafirmado por tantos intelectuais ali presentes, que, emocionados, relembraram a inesquecível amiga.
Tarde de afeto, tecida na emoção. Crepúsculo de cintilações outonais. Assim, lembramos Yêda Schmaltz, pois ela, envolta em poesia, nunca se afastou da paisagem emotiva de nossos olhos, poéticos e saudosos, canteiro vicejante da tênue flor que, mesmo de forma dolorida, floresce nos corações.
Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado é escritor. Mestre em Literatura e Linguística pela UFG.