Banda goiana lança single na mesma data em que presidente flexibiliza regras para brasileiros que desejam ter posse de arma de fogo

Em novo single, banda Two Wolves brinca com a figura do machão armado pelas ruas do Centro de Goiânia no videoclipe de “Wasting Time” | Imagem: Reprodução/YouTube

No mesmo dia em que o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), assinou o decreto que flexibiliza as regras para obtenção da posse de arma para qualquer cidadão brasileiro, desde que atenda às regras estabelecidas no documento, a banda goiana Two Wolves, de Senador Canedo, satiriza a figura do machão armado nas ruas no videoclipe do seu novo single, a canção “Wasting Light”. A música, além de estar disponível para visualização no YouTube, está no Spotify, Apple Music, Deezer, Amazon Music e Google Play.

A Two Wolves, formada pelo vocalista Lineker Lancellote, os guitarristas Mauricius Wolf e Sérgio Araújo, o baixista André Machado, o baterista André Prado e o tecladista Miguel Angelo, lança o primeiro single de 2019 em parceria com a Monstro Discos. O selo goiano também foi responsável por disponibilizar “The Wander” no ano passado e “Howl” em 2017.

No clipe, o protagonista, vivido por Leonardo Huscc, tromba na rua, já no início do vídeo, no ombro do vocalista da Two Wolves, quase o derruba na rua, fica irritado e mostra o dedo do meio para Lineker. De terno azul e camisa branca, o personagem cumprimenta pessoas na rua batendo continência e faz o gesto de campanha de Bolsonaro nas calçadas, a arma com os dedos como se estivesse dando tiros.

Em um dos poucos momentos de rejeição, uma criança se nega a cumprimentar o homem de terno azul. Quando o refrão traz seu primeiro verso – “Make yourself at home” -, o rapaz se mostra complemente em casa no meio da rua, pega a muleta de uma pessoa e começa a fingir dar tiros de metralhadora, igual ao gesto feito pelo presidente em evento de campanha no Acre.

Ao cruzar com uma drag queen, o protagonista finge atirar com os dedos indicadores. A vítima cai no chão como se tivesse sido baleada sem motivo. O personagem mostra um enorme respeito à figura de homens fardados, cumprimenta três policiais na rua, faz flexões de braço. Mas a receptividade exagerada do homem de terno é tratada com deboche e desentendimento pelos policiais em serviço.

Na sequência do clipe de “Wasting Time”, o homem de terno azul e camisa branca começa a atirar sem controle na rua. A primeira vítima é um estudante de uniforme escolar. Em seguida, o protagonista chuta o chapéu com dinheiro de um músico que toca na calçada. O policial evita a confusão entre os dois. O artista é levado preso e o valentão segue ileso seu caminho.

Depois, ele cruza com um homem sentado que lê um jornal. A matéria principal compara o sumiço do tecladista da Two Wolves com o “menino do Acre”, que desapareceu para lançar seu livro, e até hoje não se sabe se foi um sequestro ou uma jogada de marketing. Na coluna da esquerda, o jornal veicula a promoção do filho do vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) no Banco do Brasil.

Outros textos, como uma coluna destinada aos cachorros, um título sobre o ex-BBB Kleber BamBam sair da jaula, depois da divulgação mentirosa de que ele teria morrido (o curioso é que o fato é noticiado na mesma terça-feira, 15, em que terá início a 19ª edição do reality show na Rede Globo), também estão na mesma edição do jornal lido pela pessoa na calçada. Quando a imagem volta para o protagonista do clipe, é possível ler na parte superior da página da direita do veículo impresso: “Cadê Queiroz, papai?”.

O nome do jornal, depois de todas as notícias citadas, chama atenção: “Wasting Times”. Mas logo o homem de terno azul pega na bunda de uma mulher que cruzou por ele na rua e leva um tapa na cara. Interpelado por uma repórter de TV, o protagonista a empurra e sai irritado. Mexe com outra mulher na rua, atira em uma manifestante que defendia com cartazes e gritos o direito da mulher de decidir o que fazer com seu próprio corpo e joga o livro de história que uma pessoa lia no chão.

A matança continua, e o valentão mata uma mulher de dreadlock. Depois, ele rasga o cartaz escrito “devolva nossas terras” que estava na mão de uma manifestante, atira em um skatista e em uma pessoa que mexia no celular encostada na parede de um comércio. Na empolgação, mata sem querer um pastor que pregava a palavra de Deus para uma mulher negra. Os dois são assassinados pelo homem de terno azul.

Acabou a matança? Um homem de cabelo comprido, depois um gay, são vítimas da mira do rapaz. No último minuto do clipe, a música vira e a letra cantada por Lineker diz “‘Cause we are always hoping that you’re lying” e as cenas começam a voltar. As pessoas assassinadas pelo protagonista voltam à vida e, em cena filmada na Vila Cultural Cora Coralina, todas as vítimas do homem de terno azul se reencontram com seu assassino.

A primeira reação do atirador é cuspir no chão e manter a pose de valentia. Mas em um clichê, que pode ser considerado como preciso, engraçado ou exagerado, o protagonista bate duas palmas e comanda uma dança na qual algoz e vítimas se misturam. Até um dos policiais, que via a cena com certa distância, se empolga e cai na dança. Mas logo é repreendido pelo olhar dos colegas de profissão.

O homem de terno azul vê o vocalista se aproximar e o clipe se encerra com uma cena de beijo entre o valentão e homem que foi empurrado por ele na primeira cena do vídeo.

https://www.youtube.com/watch?v=KAMSlZ53kEI

A ideia do videoclipe de “Wasting Time” é do vocalista Lineker Lancellote e do baixista André Machado. A música foi composta por Lineker, com produção de Francisco Arnozan no Estúdio Resistência. O roteiro final é assinado pela banda. A direção é de Diego Straiotto, fotografia dirigida por Agamenon Mariz, produção de Bárbara Almeida e produção executiva por Maria Mascarenhas.

Jota Calixto é o primeiro assistente, Raphael Lucas o segundo e a realização é da própria banda. Atuaram no clipe Alexandre Feitosa, Edilberto Oliveira, Ellen Ludmila, Francisnon Vasconcelos, Guilherme Otávio, Kim Batista, Leonardo Huscc, Ludmila Rocha, Marcela Junqueira, Maria Flor, Miguel Mendes, Nayara Silva, Rafael Henrique e Thaays Mesquita.