O percurso de casa até a escola infantil onde o Bê estuda dá cinco quilômetros e vamos conversando, eu, Bê e seu primo, por uns 15 minutos. Bê tem quatro anos de idade e seu primo completou recentemente seis anos. Os diálogos entre adultos e crianças são os mais improváveis por cada um ter seu mundo e suas preocupações.
Nesta semana, a caminho da escola, as duas crianças começaram um diálogo sobre o que pessoas de outra nacionalidade conversariam, mesmo que não entendam ainda as diferenças culturais e, principalmente de idioma.
Cada um sentado num banco longe do outro, usando o assento do meio para brincar com bonecos, intentaram uma cena cotidiana envolvendo russos, chineses e americanos. Cena que renderia, por força da história, numa realidade, conversas divertidíssimas. Os dois encenaram os contos assistidos em vídeos de internet.
Um dos bonecos gritou, em tom ameaçador, para o outro: “Xi lin piqui no ma hau”, que deve ter alguma tradução do mandarim. Depois do grito, veio uma espécie de soco teleguiado, como uma arma nuclear, nas costas do outro boneco.
O primo não se rendeu. O boneco dele tinha um escudo místico que impediu a agressão do boneco que falava mandarim. Sem perder tempo, revidou com o “tacabum”, o soco mais forte do mundo, segundo ele.
Mas sem sucesso, o boneco que falava mandarim e tinha uma cara de americano, com roupas militares, era também um mago com 1 mil anos de idade, que matou centenas de cobras venenosas e todos, frisa-se a quantidade, os dragões vermelhos de Goiânia, capital de Goiás. Por causa do boneco chinês não temos mais nenhum dragão andando pelas ruas da capital.
– Pai, qual língua o meu boneco tá falando? pergunta o Bernardo.
– Mandarim. Idioma que os chineses falam.
– Não é pai. É russo que os chineses falam.
– Ah sim, pode ser também. Sem problemas, é só aprender, né.
– Tio, não é verdade que os chineses falam americano? Ao invés de russo.
– Pode ser também. Se estudar, todo mundo pode falar o que quiser.
– Mas não é verdade também que os brasileiros têm o maior soco do mundo?
– Pode ser também.
– Ainda mais se forem os magos, né pai?
– Isso. Os magos são os mais fortes. E eles voam também.
– Tio, mas eles só voam se o cajado mágico estiver azul, que só fica de noite.
– Não é assim Leonardo –, responde meu filho, ao emendar: – os magos que tem o cajado mágico azul só voam quando falam russo. Eles são doidos.
– Sabe o mais é mais doido? Pergunto.
– O quê? Respondem os dois ao mesmo tempo.
Essas línguas de doidos que vocês estão falando. É um brasileiro com o soco mais forte do mundo que fala russo. É um mago americano que fala mandarim, mas só de noite.
– Não é pai. O mais doido é o guerreiro japonês, que luta capoeira e fala russo, e corre o mundo todo montado no dinossauro amarelo com capacete de motoqueiro na cabeça. Mas o capacete fica apertado porque o bico do dinossauro sai pela frente do capacete.
– Vocês dois são doidos. Respondo.
– Não somos não. Somos crianças.
– Esse idioma que os bonecos de vocês estão falando estão muito doidos.
– Tio, sabe o que é mais doido?
– O quê?
– Língua de doido.
Bom dia,
Meu nome é Sandy Trevisan Moreira, estudo Letras português-inglês na PUCPR. Estamos elaborando um projeto de realização de capítulo de material didático impresso, com o tema crônica. Gostaríamos de utilizar a crônica Minha Vida de Cão nesse projeto, iremos dar os créditos.
Atenciosamente,
Sandy.