João Gordo: “Velho, o rock está morrendo”
16 abril 2017 às 16h02
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Aos 53 anos, vocalista da banda Ratos de Porão passou por Goiânia duas vezes em um intervalo de cinco dias para conversar, discotecar e lançar sua autobiografia
“Cara, eu sou um senhor de 53 anos. O João Gordo do Crucificados era um moleque de 20 anos completamente louco e ignorantão, tá ligado?” Franco e sem medo da repercussão daquilo que pensa e fala, o paulistano João Francisco Benedan, de 53 anos, tinha 20 quando lançou o primeiro disco da banda Ratos de Porão, o Crucificados Pelo Sistema (1984), considerado em 2016 o melhor disco nacional de punk rock pela Revista Rolling Stone.
Depois do Crucificados Pelo Sistema, a Ratos de Porão e seu vocalista, o paulistano mais conhecido como João Gordo, lançaram outros 12 álbuns. O mais recente saiu em 2014 e é reflexo do momento de mudança cíclica da história política do mundo: Século Sinistro. Mesmo cheio de inspiração para falar sobre o que vive e observa ao seu redor, João Gordo não é nada otimista sobre o futuro do rock, principalmente do punk e do hardcore.
“Quem escuta esse tipo de som é a minoria. Não tem muito público. Ainda mais música tipo o Ratos, saca, meu?”, reconhece o vocalista da banda. E continua: “Velho, o rock está morrendo, cara. Na hora que morrerem os dinossauros vai sobrar quem, meu irmão?”.
Viva La Vida Tosca
Apesar do pessimismo quando fala sobre o momento do rock no mercado da música, João Gordo busca inspiração na esposa, nos dois filhos e no hardcore. Essa base rendeu a publicação da autobiografia Viva La Vida Tosca (DarkSide Books), assinada em parceria com o jornalista André Barcinski, em 2016. “E é um livro que fala a verdade nua e crua da minha vida ali, saca, meu?”
Mesmo com a dificuldade para ensaiar e compor com o Ratos de Porão, o vocalista diz que o século sinistro em que vivemos o inspira para escrever mais letras e pensar em novidades com a banda, que, enquanto não prepara material novo, deve soltar em breve um compacto com canções da banda finlandesa Terveet Kädet.
Panelaço
Além da música, João Gordo vive a experiência, desde 1996, de apresentar e participar de programas de TV. Ele passou pela MTV, Record, SBT e Canal Brasil. Hoje ele comanda o Panelaço, que é transmitido pelo YouTube. O programa estreou no dia 27 de novembro de 2014 e é dedicado à culinária vegana. O primeiro convidado a participar do Panelaço foi o chef Alex Atala. O mais recente foi divulgado no dia 13 de maio e tem a participação do ex-jogador de futebol Vampeta e a chef Adriele Madana.
João Gordo veio a Goiânia duas vezes nas últimas duas semanas. No sábado retrasado (8) ele participou de um bate-papo transmitido ao vivo pelo evento GO Art 2017, no qual também discotecou. Já na última quinta-feira (13), o vocalista do Ratos de Porão voltou à capital goiana para lançamento e noite de autógrafos do seu livro, Viva La Vida Tosca. Foi quando a coluna 365 Shows participou de uma entrevista coletiva concedida pelo paulistano, que considera se apresentar ao vivo “uma adrenalina incrível”. Confira a a conversa completa abaixo.
Entrevista | João Gordo
Você já gravou disco, escreveu livro, teve filho, casou. Já plantou uma árvore?
Já. Já plantei maconha.
Além disso, o que te falta fazer na vida?
Puta, cara, sei lá. Eu quero ficar vivo para ver neto, ver meus filhos grandes. Eu não tenho mais aspirações na vida, fiz um monte de coisa louca, velho. Continuo tocando ainda. Enquanto tiver saúde eu continuo tocando.
Então você se sente realizado com o que você já fez?
Sim. De uma banda como o Ratos de Porão, voltada para o underground e o hardcore tocando nessa velocidade, nessa fúria toda, há 35 anos, cara, eu acho que a gente já chegou ao máximo. Agora é só colher os frutos, ficar tocando em festival na Europa, aquela coisa toda que a gente faz todo ano.
365 Shows – O que mudou? Quem era o João Gordo do Crucificados Pelo Sistema e quem é o João Gordo hoje?
Cara, eu sou um senhor de 53 anos. O João Gordo do Crucificados era um moleque de 20 anos completamente louco e ignorantão, tá ligado? Eu não precisei fazer faculdade. Eu viajei para caralho. Eu viajei muito. Muito. E isso aí você vai formando a sua opinião do que você acha do mundo, tá ligado? Então eu sou um cara diferente, eu sou um cara muito mais consciente do que eu era naquela época do Crucificados lá, um punkzinho ignorante da periferia.
Com o Ratos vocês viajaram para a Europa, tiveram uma boa aceitação numa época em que não tinha essa coisa das bandas brasileira fazerem turnê por lá. Hoje em dia isso é bem mais comum. A que se deve essa aceitação das bandas nacionais lá na Europa?
Pô, as bandas são boas, né, cara? Pelo fato de ter muito daquela época dos anos 80, dos anos 70, ser tão difícil ter instrumento, era época da repressão, as bandas geralmente eram furiosas, né? Você pode ver, o Ratos é furioso, o Sepultura é furioso. E essa fúria toda os gringos percebem que é diferente, sabe, né, meu? E a gente tem uma ginga que os caras não têm, porra.
Aquela ginga que nego tucu ticutucu ticutucu. Não estou falando de samba, mas você pode ser assim fazendo metal tipo Krisiun, tá ligado? Não existe banda igual a Krisiun, não existe banda igual a Ratos, não existe banda igual a Sepultura, não existe banda igual a Violator, que é foda, tá ligado, meu? E um monte de banda de metal e punk foda que tem no Brasil, cara, que é uma cena muito fodida, tá ligado?
365 Shows – O punk tem força no Brasil principalmente em um momento de luta contra a Ditadura, de reabertura e retomada de direitos civis, políticos e liberdade para sociedade de forma geral. Como que o hardcore e punk hoje podem protestar, ainda mais com cenário atual?
Cara, hoje em dia, velho, não tem muito o que se fazer, tá ligado, meu? Com música. Quem escuta esse tipo de som é a minoria. Não tem muito público. Ainda mais música tipo o Ratos, saca, meu? O moleque novo aí que monta uma banda nova, tá ligado, e vai penar para crescer, tem a divulgação toda, sacou, meu? Mas não rola, cara. A nossa visão daquela época a gente era influenciado pelo o que estava acontecendo.
As letras do Ratos, cara, eu falo do que está acontecendo ao meu redor. E a partir de agora, desse disco Século Sinistro para cá, eu tenho muito material para escrever, cara. Muito assunto, muita coisa doida, tá ligado, que eu não pus em prática porque eu não sentei pra escrever. Mas o padrão político que se volta ao meu lado e os bagulhos sociais, cara, que me influenciam a escrever e fazer nosso tipo de protesto que de algum modo abrem os olhos de um monte de gente.
Então o próximo disco já está no forno?
Cara, a pior coisa do mundo é o Ratos ensaiar, cara. Cada um mora em um canto, cada um tem família, meu, e é difícil a gente ensaiar. Então a gente vai lançar um compacto agora com umas músicas do Terveet Kädet (Finlândia), cara. Mas para sentar e fazer música vai demorar um pouco.
365 Shows – É um século sinistro não só na política mas na música, principalmente para o rock no momento que o mercado musical vive?
Velho, o rock está morrendo, cara. Na hora que morrerem os dinossauros. Vai morrer o Ozzy (Osbourne), vão morrer os Led Zeppelin, vão morrer todos os AC/DC, aí vai morrer o Queen, já começa a morrer os punks. E aí eu morro e morre o Max Cavalera. Vai sobrar quem, meu irmão?
365 Shows – O que você pode falar sobre a sua autobiografia, o livro Viva La Vida Tosca?
Puta, é um livro bem legal, cara. A produção da DarkSide (Books) foi bem esmerada, cara. Muita foto, tudo caprichado, tudo produzido e tal, cara. E é um livro que fala a verdade nua e crua da minha vida ali, saca, meu? Está certo que tem uns esqueletos que eu não coloquei ali para o povo não vir tirar com a minha cara. Vai tomar no cu. Mas praticamente tudo que está escrito ali é tudo que eu vi, que eu presenciei, toda a minha visão dessa época da minha vida.
365 Shows – O que te dá mais tesão hoje: a música, o punk e o hardcore, ou a culinária e fazer programa de gastronomia?
Família é foda, cara. O meu combustível é a família, tá ligado, meu? Tenho que cuidar daquelas crianças, tenho que jogar com a minha mulher aquele jogo de xadrez da vida aí foda, cara, tá ligado? Isso aí dá combustível, cara. Punk e hardcore eu faço a vida inteira, então é tipo uma droga, tá ligado? Você está em cima do palco mandando aquela puta brasa, aquele som mó violento, aquela galera se matando. Cara, é uma adrenalina inacreditável. Eu necessito disso um pouco. É tipo ser viciado em adrenalina desses dias de hardcore assim, cara, tá ligado?
Uma vez você falou que se for para o seu filho fumar maconha você prefere que ele fume junto com você. Você mantém esse pensamento? Muitos pais se manifestaram contra esse pensamento. O que você tem a dizer em relação a isso?
Eu acho que se não for com você vai ser com os amigos, cara. Vai fumar com os amigos. Não tem essa. Não adianta esconder, barrar, porque, meu, a maconha é a realidade, velho. É o novo petróleo. Vai lá nos Estados Unidos que é tudo crentão, tudo Jesus, no Colorado os caras ganham bilhões de dólares com o comércio da marijuana, THC. E a maconha é um bagulho sagrado, velho. É a planta principal da terra que é tudo, cara. É medicina, é comida, é tecido, é combustível, é religião, é prazer, é tudo, cara. É o novo petróleo. Quem quiser ganhar dinheiro e descriminalizar isso aí eu estou dentro.
365 Shows – O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal chegou a dar uma declaração se posicionando a favor da legalização das drogas. Você acha que há essa possibilidade de o Brasil discutir em algum momento uma legalização ou tratar o usuário não como criminoso, mas como uma questão de saúde pública?
Velho, com esses crentes aí, meu, com esse ministro passando o facão (Alexandre de Moraes, do STF) você acha que vai acontecer o que com essa merda aqui, cara? Fodeu, cara. Fodeu. Está todo mundo fodido, cara.
365 Shows – Você citou o Violator, de Brasília, como uma banda que você tem ouvido e que acha muito foda. E de Goiânia, qual banda você tem acompanhado, que ouve e gosta?
Cara, eu não conheço nenhuma banda daqui para falar a verdade. Não me lembro de nenhuma.