Graças a Deus Honoré não possuía um cachorro, senão denunciaria seu dono aos credores. Ou, ainda pior, esse populacho passaria a chamá-lo: Balzac Junior
(O que pode acontecer quando aqueles que escrevem literatura se tornam eles mesmos literatura? Literalmente, tudo. Explorar essas múltiplas possibilidades é a proposta dessa série de contos publicados pelo Jornal Opção, com o apoio do escritor e doutor em História Ademir Luiz, presidente da União Brasileira de Escritores-Seção Goiás. Veremos transformados em personagens escritores e escritoras célebres como Clarice Lispector, Albert Camus, Guimarães Rosa, Machado de Assis, Edgar Allan Poe e muitos outros. Acompanhe a série e espere pela aparição de seu escritor preferido.)
Balzac — Escritor em fuga
Elias Antunes
— Abra logo, caloteiro!
O barulho chamou-me a atenção. Era o alfaiate esmurrando a porta do Honoré.
Conheço Honoré de algum tempo. Maluco e megalomaníaco, como todo bom escritor. Não sei como conseguiu escapar. Acho que rasgou sua roupa (de novo).
Prossegui meu caminho. Poderia ajudá-lo a pagar suas dívidas, mas meu amigo parecia um poço sem fundo, pródigo que era.
— Psiu! Não diga a ninguém que estou aqui, disse Honoré.
Levei um susto. Pensei ter descoberto um arbusto falante, porém era apenas Honoré escondendo-se do credor.
— Traga-me um pouco de café. Preciso terminar mais um romance. Vou ganhar muita grana com ele, disse Honoré, esforçando-se para parecer invisível.
Assenti com a cabeça. Era pouco o que ele pedia. Mais tarde traria o café. Honoré já se transformara em um animal noturno, pensei.
Caminhei para longe.
Ninguém imaginara que aquele rapaz fosse uma máquina de escrever. E um gênio.
Graças a Deus Honoré não possuía um cachorro, senão denunciaria seu dono aos credores. Ou, ainda pior, esse populacho passaria a chamá-lo: Balzac Junior.
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