“Frozen — Uma Aventura Congelante”, animação inspirada no conto do dinamarquês Hans Christian Andersen refuta a ideia de mulheres frágeis e dependentes de homens

Cena do filme de animação “Frozen — Uma Aventura Congelante”
Cena do filme de animação “Frozen — Uma Aventura Congelante”

Júlio Pereira
Especial para o Jornal Opção

De certa forma, o curta do Mickey (genial, diga-se) exibido antes de “Frozen — Uma Aventura Congelante” sintetiza a Disney dos últimos dez anos, comandada por John Lasseter (ex-presidente da Pixar): numa jogada de marketing por vezes trôpega (vide o ingênuo “Enrolados”), abraça seu estilo clássico de princesas, buscando sempre modernizá-las. Ou seja, desconstruindo cinderelas em prol de mais mulans. Um reflexo claro da força do movimento feminista. Não mais se admitem mulheres frágeis e dependentes de homens. Dito isso, podemos falar de “Frozen”.

Na trama, a princesa Elsa, ainda criança, é isolada pelo perigo dos seus poderes de “controlar” o gelo, já que machucou sua irmã mais nova, Anna — ainda que sem intenção. Dessa forma, as duas passam a vida isolada em um castelo, separadas uma da outra. Já na coroação de Elsa, anos depois, tudo sai do controle e ela, emocionalmente abalada, foge do seu reino, mas não sem antes deixá-lo sob um inverno permanente. Assim, Anna parte em uma jornada para buscá-la.

Nesse universo onde os homens encarnam papeis nulos, o roteiro se mostra ousado justamente por se aprofundar tanto numa personagem tridimensional feito Elsa, construindo com cuidado e grande beleza plástica toda a sua confusão mental, seu altruísmo autodestrutivo, sua culpa pelo que fez à cidade e à irmã. Justamente por isso, os adultos, carregados de cinismo pseudo-inteligente, podem interpretar sua atitude como simplesmente egoísta, enquanto a molecada consegue enxergar toda a pureza do ato.

Da mesma forma, a protagonista contraria a fórmula unidimensional das princesas. Dona duma espontaneidade adorável, Anna pode parecer uma moça rasa a princípio, mas se mostra uma personagem confusa — e, portanto, fascinante — pelo modo como sua irmã a trata. Além disso, seu isolamento do mundo torna-a uma pessoa estranhamente carente, apaixonando-se pelo primeiro rapaz com quem conversa, aceitando de pronto o seu pedido de casamento. Justamente por isso, não reconhece o amor verdadeiro do jovem do trenó, embora o sinta pulsando sem saber direito do que se trata. Tal qual a irmã fugitiva, a protagonista parece sofrer de uma dúvida ingênua (ao qual, confesso, eu mesmo considerei ao fim da sessão): não amaria ela quem lhe fosse mais conveniente? Quando um rapaz não pode salvar sua vida, subitamente ela percebe o amor por outro apenas por este ser capaz de “descongelá-la”?

Essa mesma dúvida besta pode ser desmantelada pela conclusão da obra. O filme simplesmente abole uns cinquenta anos de “homem salvando mulher” nas animações, apostando no amor entre irmãs — familiar, portanto — como arma de salvação.

Dessa maneira, “Frozen” encontra sua força justamente nessa relação entre duas personagens muito bem desenvolvidas.
Sim, o filme peca aqui ou acolá. Por exemplo, o boneco de neve é eleito o mascote da animação. Todavia, enquanto Timão e Pumba eram fundamentais no desenvolvimento da trama de “O Rei Leão”, por exemplo, o boneco de neve não passa dum personagem engraçado. E o romance com o garoto pobre também possui pouco sentido. Talvez para reforçar a mensagem do filme. Mesmo assim, um tanto mal colocado.

Porém, nada disso importa. O que pulsa em “Frozen” é sua mensagem. Acreditem: um filme da Disney pode ter um alcance ideológico avassalador — e, neste caso, mui importante — na cabeça das crianças. E as palmas ao final da minha sessão só me provam: esse filme não passará em branco.

Júlio Pereira é crítico de cinema.