Recentemente, uma lembrança boa me foi trazida pelo Facebook: a postagem de uma foto minha ao lado da escultura do poeta Carlos Drummond de Andrade na praia de Copacabana. Na imagem, eu trocando ideia com o poeta. A obra, inaugurada em outubro de 2002, é do artista plástico Leo Santana, que se inspirou numa fotografia de Rogério Reis, que chegou a fazer outras imagens do poeta itabirano.

Uma serenata “para” o poeta Carlos Drummond de Andrade | Foto: Sinésio Dioliveira

Anos depois dessa minha ida ao Rio, fui a Ouro Preto e depois a Itabira; naquela para conhecer mais detalhes da história dos inconfidentes, cuja vítima maior foi Joaquim da Silva Xavier: o Tiradentes. Além de enforcado em 21 de abril de 1792, seu corpo foi esquartejado, salgado e as partes colocadas em quatro lugares da estrada que ligava o Rio de Janeiro a Vila Rica (antigo nome de Ouro Preto); sua cabeça foi colocada dentro de uma gaiola na ponta de uma estaca na Praça de Santa Quitéria, hoje Praça Tiradentes, Vila Rica. Na calada da noite, alguém deu sumiço na cabeça, cujo paradeiro até hoje não se sabe. 

A Itabira, terra natal de Drummond, fui para conhecer o Memorial Carlos Drummond de Andrade, cujo projeto arquitetônico é de autoria do renomado Oscar Niemeyer. Em meio ao rico acervo do memorial, objetos pessoais, livros, cartas trocadas entre o poeta e sua mãe, Julieta Augusta Drummond de Andrade. O poeta, inclusive, tem a mãe como assunto no soneto “Carta”, construído em versos decassílabos. Drummond fala do longo tempo que não escrevia à mãe, salientando que “ficaram velhas as notícias” e que a velhice havia também lhe chegado, o que o fez “perder a sabedoria das crianças”.

Quando me desentendi como gente e comecei a rabiscar meus primeiros versos, Carlos Drummond estava entre os principais poetas que eu bebia vorazmente. Fernando Pessoa também era minha bebida, às vezes sendo até absinto. Aos 22 anos de idade, ganhei um presente preciosíssimo de um amigo que morava em Belo Horizonte e que tinha se mudado para o Rio. Nas cartas que eu trocava com esse amigo, eu em Goiânia, ele no Rio, eu sempre usava uma epígrafe de algum poema de Drummond e até usava algum trecho de versos no conteúdo da carta. Essa minha “drummonlatria” nas missivas me foi ótimo. Certa vez, quando abri um envelope trazido pelo carteiro, dentro dele estava algo que me fez transbordar de alegria: o livro “A Paixão Medida” autografado por Drummond para mim. Que dia feliz aquele. Lançado em 1980 um pouco antes de o poeta fazer 80 anos, o livro foi seu último filho poético.

Não pense você, altaneiro leitor, que me esqueci da serenata feita a Drummond, mais precisamente à sua escultura na Praia de Copacabana. Pois bem. Após um bate-papo silencioso com o poeta sentado ao seu lado no banco, ambos com olhos nos olhos, saí para comprar uma água de coco e de lá ir para o hotel em que eu estava hospedado na Avenida Atlântica, bem perto de onde estava a escultura. O sol estava de rachar. Da barraca, em que eu bebia num canudinho os últimos goles da água de coco, vi que havia alguns jovens em volta da escultura fazendo gracejos diversos: uma moça sentou-se no colo de Drummond, fez carinha de charme, outra fez chifrinho na cabeça do poeta, um jovem musculoso procedeu da mesma maneira. Foi uma algazarra só e nenhum gesto de respeito à obra e à memória do poeta.

A estátua de Carlos Drummond de Andrade e o jornalista e poeta Sinésio Dioliveira | Foto: Arquivo de Sinésio de Oliveira

Eu então, percebendo que eles não conheciam quem era Carlos Drummond de Andrade, (até me lembrei do roubo dos óculos da obra), aproximei e me comecei a registrar as cenas tolas. Uma moça me viu fotografando e falou aos outros, e todos foram a mim para exigir que eu apagasse as fotos, alegando que eu não tinha autorização para fotografá-los. Tentei argumentar que achei as fotos “lindas”. Felizmente não consegui convencê-los. Felizmente por quê? Continue lendo que saberá, altaneiro leitor. 

Acabei apagando as fotos para evitar problema e até catiripapos, pois os moços eram musculosos. Bendita hora em que me pressionaram, pois, no tempo que gastei eliminando as fotos sob os olhares deles, chegou um músico de Fortaleza com um saxofone, coisa que eu não teria visto se os jovens não tivessem me abordado. Escutei o saxofonista dizendo a duas pessoas que o acompanhavam que seu sonho era fazer uma serenata para Drummond. “Uau! que maravilha!”, pensei. Pedi-lhe permissão para filmá-lo e, para minha alegria, escutei “sim”. Ele mandou duas músicas lindas: “Eu sei que vou te amar” (de Antonio Carlos Jobim / Vinícius de Moraes) e “Wave” (de Antonio Carlos Jobim).

Filosofando sobre o fato ocorrido com os jovens e o músico cearense, descobri que a gente muitas vezes acha que está perdendo algo importante, no caso as fotos dos adolescentes, quando, na verdade, esse algo perdido nos proporciona outra coisa muito mais valiosa, que foi a serenata que filmei.

A vida tem metáforas interessantes…

P.S.: Eis-me no Dia da Poesia, dia em que se deu a morte do amigo jornalista e poeta Gilson Cavalcante.

Sinésio Dioliveira é jornalista