“Por que você escreve?” Foi esta a pergunta de uma jornalista quando, em 2012, abocanhei o prêmio Bolsa Hugo de Carvalho Ramos com o livro “Poema na Folha da Amendoeira”, título que busquei na crônica “Fala, Amendoeira”, de Carlos Drummond de Andrade. Respondi-lhe com outra pergunta: “Quando você está com a boca cheia de saliva, engole ou cospe?”. Sua resposta — “Eu cuspo.” — bateu com o que eu queria lhe responder. Ela captou minha metáfora.

Cora Coralina: poeta brasileira | Foto: Reprodução

Quem escreve, seja movido pela inquietação ou satisfação da alma, não consegue ficar calado. Engolir a saliva, ou melhor, ficar calado pode ocasionar a morte por engasgamento de silêncio. O que pode resultar em impotência existencial. Fato que leva ao fechamento da janela da vida para a entrada do sol, o qual, segundo Fernando Pessoa (um dos meus poetas preferidos), cuja luz “vale mais que os pensamentos de todos os filósofos e de todos os poetas”.

Porém não foi a luz do sol, mas sim a da poesia que me ensinou a copular com a vida de maneira prazerosa, e assim não permitir que minha existência seja um amontoado de dias transcorrendo de modo enfadonho e que eu não me sente no sofá e seja feliz simplesmente porque minha vida está durando e eu seguindo, com passos trôpegos, a “lição da raiz: ter por vida a sepultura”. (Tomara que Pessoa e Raul Seixas não se importem da mistureba que fiz das palavras deles.)

Pintura de Jonathan Wolstenholme

Sobre o amigo que não leu meu livro e finge ter lido, conforme consta no título, vamos a ele antes que minha digressão gere um nariz de cera maior que o nariz do ator Gérard Depardieu (ou seja, quase um corpo de cera). Até hoje só dei conta de parir dois livros. Eu poderia ter partejado mais, no entanto a ausência de leitores me contém nesse propósito. Essa fuga da leitura é tão explícita que tem gente pegando ônibus errado por não ler o letreiro que mostra o destino do veículo.

Pensei que estrearia no mundo literário com um livro de poesia, mas acabei publicando um de crônicas: “Coração Seco Não Chove nos Olhos”. E foi justamente com tal obra que presenteei meu amigo, isso a pedido dele. Há mais de três anos que lhe fiz um autógrafo todo especial, mas não tão especial como os dados pela poeta Cora Coralina, que praticamente escrevia um poema nas suas dedicatórias. Ela, em 1982, me mandou casar, ter filhos, plantar uma oliveira.

Sempre que encontro esse amigo, o que não é frequente, ele praticamente repete a mesma coisa: diz que gostou demais do livro e pergunta se há outro a caminho. E eu dou corda à sua conversa mole. No dia em que lhe dei a obra, isso num evento cultural, ele, outros amigos e eu tomamos chope artesanal pra nos distrair. Bebi uns três copos, o tal amigo foi bem além de mim. E isso o fez ficar um pouco chapado e assim esquecer “Coração Seco Não Chove nos Olhos” sobre a mesa cheia de copos com restos de chope.

Ouvi os gritos do meu filho literário chamando por mim, desesperado pelo abandono. Sobracei-o e o levei embora. Pensei em representeá-lo a esse amigo, mas me desconvenci dessa intenção. Afinal há coisas mais interessantes para esse amigo ler. Eu, por exemplo, não leria Sinésio Dioliveira, mas sim cronistas verdadeiramente cronistas, como Rubem Braga, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, entre outros.

Dedicatória de Cora Coralina para Sinésio Dioliveira