Em vez de confuso, fico Confúcio e com a lua
04 julho 2023 às 16h30
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Quando estou confuso, procuro ficar Confúcio. O trocadilho é de meia pataca, sei disso. O seu uso, carece informar, é meramente um pretexto para eu citar uma frase que, conforme pesquisei, é atribuída ao filósofo chinês: “A ignorância é a noite da mente, uma noite sem estrelas e sem lua”. E tal frase entrou no contexto pela lua deste domingo, dia 2. Certamente você, altaneiro leitor, deve ter posto a cara na janela para ver a lindona, cuja luz não vem de si (e isso para mim não importa), mas do astro maioral: o sol. Fiz fotos e mais fotos dela, e isso na companhia de um casal de amigos, Euler e Candice, que, igual a mim, morre de amor pelas maravilhas do mundo bucólico a nós vitais.
Antes de fazermos a caminhada combinada durante a semana, que foi realizada dentro do Parque Lagoa Vargem Bonita, um fato serviu de ingrediente para tornar o momento mais delicioso: um bolo de fubá com café que os dois levaram. Constatei que as migalhas caídas no chão enquanto comíamos foram motivo de festa das formigas doceiras, que certamente nos viram como gigantes bondosos. Como a lua não havia ainda dado as caras (o que fotografei assim que ela pôs cara na beirada do horizonte), e ambos estavam lá para também ver a primeira noite de lua cheia do mês, resolvemos ir a um local próximo onde se pode encontrar aves de diversas espécies. Fizemos uma bela colheita.
Voltamos com nossas gaiolas virtuais lotadas: príncipe, freirinha, lavadeira-mascarada, periquito-rei, jaçanã, galinha-do-brejo, tapirucu, choquinha, pombão (centenas), cardeal-do-nordeste, talha-mar. Já no momento do registro da lua, isso por volta das 19h, ouvimos um cauã cantando ao longe, o que adicionou mais poesia em nossa empreitada lunática (no bom sentido).
Era tanta luz derramada pela lua que caminhamos sem a necessidade de lanterna, a qual foi ligada em alguns momentos para vermos se o caminho estava limpo, ou seja, sem alguma cobra no meio do caminho. Tive uma namorada de cérebro fino e perna grossa que certa vez me fez uma reprimenda, e isso de modo sutil e levemente temperado de sarcasmo. Me questionou por que eu sempre fotografava a lua se esta é a mesma. “Você também é a mesma e sempre estou com você”, respondi-lhe. O amorleceu entre nós. Ambos nos mandamos na esquina procurar o outro, e assim cada um pegou uma vereda: a minha deu no sertão.
A noite literal não é perigosa. É ela que faz o vagalume acender sua luz. Sem ela, não ouviríamos as aves noturnas: o joão-corta-pau, o amanhã-eu-vou, o urutau, a murucututu e outras.
O perigo mesmo é a escuridão mental, que tem sido o alvo de combate dos filósofos de todos os rincões do mundo desde que o homem descobriu ser dotado de faculdades mentais.
Enquanto Confúcio (551 a.C. – 479) digladiava contra a ignorância num canto da Terra, Sócrates, (470 a.C.-399 a.C.) fazia o mesmo em outro. O filósofo grego, no entanto, levou a pior em sua luta: a escuridão mental da maioria dos 500 juízes que julgaram Sócrates apagou a luz de sua vida, condenando-o à morte por ingestão de cicuta. O placar abjeto teve 280 votos a favor do envenenamento.
Entre a multidão que assistiu ao julgamento, estava Platão, um aluno brilhante de Sócrates. O fim trágico de seu mestre o fez picar a mula de Atenas tão logo o julgamento terminou.
Falando em escuridão mental, o parlamentar Gustavo Gayer anda com a alma mergulhada numa ignorância medonha. Na verdade, acredito que as bizarrices desprezíveis ditas recentemente por ele são a ração para manter a manada bovina que o elegeu a deputado federal.
O deputado, assim como todos os parlamentares que integram o Congresso (leia-se 513 deputados e 81 senadores), custa anualmente quase 24 milhões ao povo brasileiro. Esse parlamentar certamente não tem espelho em sua casa, se tivesse, olharia nele e enxergaria em seu rosto vestígios da raça negra.
O importante na vida, não sabe o ignóbil deputado, não é ser branco, negro, amarelo, mas sim gente (no sentido humano da palavra), e gente não é definido pela cor da pele.
A igualdade racial em 1996 foi tema de uma campanha da empresa Benetton que mostrava, numa imagem do irreverente fotógrafo Oliviero Toscani, a igualdade física de três corações, cada um de uma etnia. Gustavo Gayer se mostra sem coração em seus disparates abomináveis, os quais merecem medidas jurídicas, se possível até a cassação.
Sinésio Dioliveira é jornalista