Prefiro jogar pedra na cruz a dizer que as árvores merecem mais amor que os pets, pois não quero entrevero com as pessoas que morrem de amor só pelos bichos. Dou um passarinho para não entrar numa briga e um bando pra não sair. Enfim não quero levar unhadas nem mordidas e outras bofetadas mais. Só que as pobres coitadas das árvores, faz-se necessário ressaltar, além de não serem acariciadas, nem adotadas como filhas e receber frases de carinho (e muitas vezes até ganhar beijos calorosos, com direito a dormir no sofá ou na cama com o dono), nem reconhecidas são como seres vivos. Circula por aí uma frase do papa Francisco que chama atenção para a importância da bondade da natureza, cujos benefícios ela mesma não desfruta: “Os rios não bebem sua própria água; as árvores não comem seus próprios frutos. O sol não brilha para si mesmo; e as flores não espalham sua fragrância para si”. Há um provérbio hindu que diz que “As arvores não negam sombra nem para lenhador”. Isso deixa claro o quanto esses seres verdes são bondosos.

O engenheiro ambiental Peter Wohlleben, em seu livro “A Vida Secreta das Árvores”, apresenta uma definição metafórica muito interessante para as árvores urbanas. Ele as chama de “crianças de ruas”. Elas enfrentam muitas dificuldades para sobreviver, diferente das árvores que nascem nas florestas, as quais “contam com uma terra macia, arenosa, rica em húmus e sempre úmidas para as raízes…” As plantadas em vias públicas, quando pequenas, ainda conseguem sobreviver bem, pois muitas vezes são até regadas; o problema, diz Wohlleben, ocorre “quando a raiz quer continuar expandindo”, mas aí pinta uma pedra em seu caminho: solo muito duro sob a rua ou calçada, fato decorrente da compactação de máquinas. Fato este que impede o desenvolvimento da espécie por não ter onde buscar alimento.

Outro dia recebi a ligação de uma senhora no órgão público em que trabalho (Agência Municipal de Meio Ambiente). Sua ligação caiu na assessoria de comunicação, queria falar no setor em que se pede a retirada de árvore em calçada. Alegou, com certa ênfase, ser uma mulher idosa e que não estava dando conta de varrer o quintal de tanto “lixo”. Consegui demovê-la do gesto de chamar folha seca de lixo, falei-lhe que o oxigênio que ela e eu estávamos absorvendo enquanto conversávamos vinha das árvores. Não alonguei a conversa e a transferi para a Diretoria de Áreas Verdes, que com certeza não autorizou a retirada, haja vista que folhas secas não são motivo justificável para se extirpar uma árvore.

Já que são seres vivos, as árvores envelhecem, ficam doentes e assim podem cair e gerar algum transtorno material. Inclusive até pôr em risco a vida das pessoas. Esses aspectos fazem com que muitas sejam extirpadas. E há ainda a impropriedade do plantio de uma espécie de grande porte num local inadequado, principalmente em calçada estreita, o que também pode permitir a sua retirada. O Plano Diretor de Arborização Urbana de Goiânia recomenda cuidados no plantio de uma árvore na porta de uma residência: observar se há “presença ou ausência de fiação aérea e de outros equipamentos urbanos, (…) assim como a largura da calçada”. Na rua 4, no Centro, próximo à entrada do camelódromo, o dono de uma loja plantou um jatobá na calçada. Ainda em jovem, a árvore já está se misturando à rede elétrica. É problema a caminho, que poderia ser evitado com o plantio de uma espécie de pequeno porte, como um resedá-rosa ou amarelo ou quaresmeira.

Foto: Sinésio Dioliveira

Quando se deu início ao processo de arborização de Goiânia, muitas árvores exóticas, como sibipirunas, fícus, flamboyants, mungubas, foram plantadas. E isso, acredito, não se deu por desvalorização das espécies do Cerrado, mas pelo fato de que as exóticas, exceto os flamboyants, geram sombra o ano inteiro. Fala-se muito por agora no plantio de ipês de todas as cores por todos os cantos da cidade para deixar Goiânia toda bela. Isso é bonito, poético, mas é preciso pensar também em espécies que geram sombra e consequentemente tornam a cidade mais agradável E, na Goiânia daquela época, as casas não tinham ventiladores, ar-condicionado. Era um calor infernal, que era atenuado com a sombra das árvores exóticas. De 1945 a 1947, a energia que abastecia Goiânia vinha de um motor de um submarino adquirido pelo governo então, pois a Usina do Jaó, construída em 1936, que gerava energia, rodou numa chuva, e então se recorreu ao motor até que a usina foi restaurada.

Hoje a Prefeitura de Goiânia não planta mais árvores exóticas nas vias, praças e parques. Agora existe até um programa (Disque Árvore) que disponibiliza uma árvore apropriada à pessoa que deseja ter uma na calçada de sua casa. A escolha da espécie é definida após técnicos da Amma avaliarem as fotos do espaço destinado ao plantio da árvore solicitada. Isso é uma ação inteligente na arborização da cidade. E árvores significam saúde pública.

Tomo a liberdade de repetir algo já dito numa crônica anterior publicada aqui: devemos amar as árvores como a nós mesmos. Elas não precisam de nós para sobreviver, já sem elas, nossa sobrevivência é impossível.

*Sinésio Dioliveira é jornalista.