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Vazios modernos

“Amores, Truques e Outras Versões”, de Alex Andrade, acompanha uma caçada por prazeres vulgares, na qual a tecnologia serve de motor para o abismo de sentimentos

Jornalista não quer divulgar sua fonte e poderá ser preso

[caption id="attachment_20125" align="alignright" width="300"]James Risen: denúncia é verdadeira, mas governo está mais preocupado com sua fonte James Risen: denúncia é verdadeira, mas governo está mais preocupado com sua fonte[/caption] O jornalista americano James Risen, do “New York Times”, escreveu uma reportagem mostrando que a CIA tentou sabotar o programa nuclear do Irã. Empresários, municiados pela Central de Inteligência dos Estados Unidos, ofereceram plantas nucleares falsas com o objetivo de travar o programa iraniano. A ação fracassou. A notícia era verdadeira e baseada em informações do próprio governo. Agora, James Risen está sob pressão do governo do presidente Barack Obama. O detalhe curioso é que o repórter não conseguiu convencer a então editora do “New York Times”, Jill Abramson, da gravidade da denúncia. Supostamente sob pressão de Condoleezza Rice, na época conselheira de segurança nacional, Abramson abortou a publicação do texto (a editora se arrepende do equívoco, pois admite que é um profissional “sólido como uma rocha”). Em 2006, com o material quente nas mãos, o jornalista publicou-o no livro “State of War”, que se tornou best seller e balançou o governo e a CIA. O Ministério Público tentou um acordo com James Risen, para que revele a fonte de sua informação. Como no caso da Petrobrás, o governo de Barack Obama não quer saber se a informação divulgada pelo repórter era verdadeira ou não. Nada havia de incorreto. O repórter disse, por meio de seu advogado, que, mesmo se for intimado, não vai prestar qualquer depoimento no julgamento de Jeffrey Sterling, oficial da CIA que é acusado pelo governo americano de ter fornecido informações confidenciais, in­clusive para James Risen. Noutras palavras, não revela o nome da fonte, nem sob ameaça de prisão, que poderá ser decretada. O governo alega que está preocupado com a segurança dos Estados Unidos.

O imaginário conveniente (parte 1)

Em “Caminhos de Goiás”, o historiador Nars Chaul procura desconstruir os conceitos de “decadência” e “atraso” para caracterizar o desenvolvimento do Estado

Demissões de Eliane Cantanhêde e Fernando Rodrigues tiram um pouco o brilho da Folha de S. Paulo

fernando-rodrigues-cantanhede-folha As redações patropis às vezes cometem um erro com seus melhores repórteres. No lugar de incentivá-los a continuar como repórteres, escrevendo textos de maior envergadura, colocam-nos, quando se tornam mais conhecidos, para escrever artigos. Nenhuma redação de alta qualidade demite profissionais do quilate de Eliane Can­tanhêde e Fernando Rodrigues. Pois a “Folha de S. Paulo” demitiu-os na semana passada. Eliane Cantanhêde escrevia artigos na página 2, com perspicácia e moderação, e com massa crítica apropriada. Tão objetiva que às vezes era apontada como “petista” e, logo depois, como “tucana”. Não é uma coisa nem outra. É uma colunista que, embora possa ter suas simpatias políticas — todos temos —, mantém aguçado o faro de repórter. Porém, articulistas, mesmo quando muito bons, são mais dispensáveis do que grandes repórteres (cada vez mais raros). Talvez seja o caso da jornalista, que continua a trabalhar no Globo News (no telejornal “Globo News em Pauta”). Dado seu talento, breve estará escrevendo num grande jornal, como “O Globo”. Fernando Rodrigues foi, durante anos, ao lado de Gilberto Di­menstein, o golden boy da redação da “Folha”, onde trabalhou 27 anos. É repórter notável e redator de texto preciso e elegante (o que não quer dizer pomposo). Aos poucos, mesmo continuando a atuar como repórter, passou a escrever artigos na cobiçada página 2. Por que foi demitido se é um dos mais qualificados repórteres? Possivelmente, devido ao salário — um dos mais altos da redação. Ele continua a escrever no UOL, que pertence ao grupo que edita a “Folha”, e a fazer comentários na rádio Jovem Pan. Uma idiossincrasia: a demissão que mais lamentei foi a de Eduardo Ohata. Sou aficionado de boxe, que considero uma espécie de sétima arte — acima do cinema, que é, no máximo, a sétima sub-arte (que me perdoe o excelente crítico André Ldc) —, e poucos jornalistas escrevem tão bem a respeito quanto o ex-repórter da “Folha”. Ele publicou textos antológicos sobre lutas de Muhammad Ali — o boxeador que batia tão bem quanto apanhava — e Mike Tyson

Atriz da Globo Letícia Sabatella pode beber mas não deve cobrar que o fato não seja divulgado

sabatellaA bela e competente atriz Letícia Sabatella reclama da imprensa que divulgou sua fotografia deitada no chão, em Brasília, e aparentemente bêbada. Há duas questões. Primeiro, é normal uma jovem, sobretudo depois de um bem-sucedido trabalho no teatro, beber, até beber um pouco mais. A bebida faz parte das “regras” de convívio social. Não há nada demais (e quem escreve isto é inteiramente abstêmio). Segundo, o que não pode é a atriz cobrar que a imprensa não divulgue o ato de uma atriz famosa. Na verdade, Letícia Sabatella parece ter criticado mais o moralismo — “ah, a atriz global é alcoólatra” (ela não é), certamente terão dito alguns — do que a divulgação do fato em si.

“Volta” dos militares ao poder? Nem eles querem tal excrescência

Os militares patropis criaram uma ditadura, com o apoio de civis — vivandeiras da estirpe de Carlos Lacerda e Magalhães Pinto —, e começaram a desistir dela em 1974, com a posse do presidente Ernesto Geisel. Militares, como Castello Branco, Golbery do Couto e Silva e Ernesto Geisel, acreditaram que, com eles no poder, a corrupção cessaria e o País cresceria, tornando-se uma potência similar aos Estados Unidos e à Alemanha. Ledo engano. A corrupção pode até ter diminuído, mas não acabou — como não acabará jamais —, o País cresceu, em termos econômicos, mas não se equiparou aos países de Wolfgang Goethe e William Faulkner. A permanência da corrupção e o início de uma estagnação econômica, depois de um período de crescimento “milagroso”, assustaram os militares aberturistas, como Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva. Aí, percebendo dias difíceis, que seriam atribuídos aos militares, a dupla decidiu “matar” a ditadura que haviam criado, com Castello Branco, em 1964. Agora, 50 anos depois do golpe de 1964, os militares querem continuar nos quartéis e não têm o mínimo interesse em voltar ao poder. Porque perceberam que a sociedade não pode ser “corrigida” por mãos rígidas e autoritárias e que são mais úteis ao País se atuarem como guardiões da segurança nacional. Portanto, quando alguns gatos pingados saem às ruas e pedem um novo regime autoritário, os militares, do mais graduado general ao mais simples soldado, provavelmente fazem piada. Ao contrário do que ocorreu em 1964, não há sincronia alguma entre o “movimento” — sem lastro social — que pede a volta dos militares ao poder, ou ao menos uma intervenção cirúrgica, e os militares. Os que clamam por “novo” golpe não sabem direito o que é uma ditadura, porque são muito jovens, mas os militares sabem que governos discricionários não são bons para ninguém — nem para eles.

Ombudsmen propõem jornalismo acadêmico e muito distante do mundo real

Uma coisa é certa: se o “Washington Post” tivesse ombudsman entre 1972 e 1974, a maioria das reportagens de Bob Woodward e Carl Bernstein teria sido vetada e o presidente Richard Nixon não teria renunciado em 1974. Quando começou a publicar as reportagens do Caso Watergate, a dupla de jornalistas não tinha segurança integral de que estava no rumo certo e que seus indícios eram consistentes. Mesmo assim, com incentivo do editor Ben Bradlee e da proprietária do jornal, Katharine Graham, seguiram em frente e, pouco a pouco, com acesso a documentos e fontes mais confiáveis, conseguiram estabelecer, de maneira inequívoca, a relação entre o arrombamento do escritório do Partido Democrata, no edifício Watergate, e o presidente Richard Nixon. Em assuntos intricados, como o Caso Watergate e a corrupção sistêmica na Petrobrás, é muito difícil, senão impossível, ter todos os detalhes explicitados, com provas cabais, em uma ou mesmo em várias reportagens. Se os jornais e as revistas forem esperar o detalhamento do chamado Petrolão, a partir da conclusão da Justiça, o caso, além de ser esquecido, jamais será esclarecido integralmente. Ou alguém duvida que sem as denúncias publicadas pela imprensa — numa escalada —, na primeira metade da década de 1990, Fernando Collor teria sofrido impeachment? Sem as várias reportagens de jornais, como “Folha de S. Paulo”, “Estadão” e “O Globo”, e de revistas, como “Veja”, “Época” e “IstoÉ”, o mensalão teria avançado e seus articuladores teriam sido presos? Às vezes a imprensa precisa “puxar” e “esticar” determinadas denúncias, apresentando e costurando pontas, para que a sociedade — incluindo polícias, Ministério Público e Justiça — reaja de maneira exemplar. O jornalismo sugerido pelos ombudsmen é acadêmico e, até, bonitinho. Mas repórteres que são escalados para investigar de fato, para escarafunchar a lama de certos políticos, executivos e empresários, sabem que este tipo de jornalismo róseo não investiga nem denuncia nada. Ombudsmen não são “auxiliares” infalíveis de Deus e suas opiniões são tão questionáveis quanto as de quaisquer outros jornalistas. Não é uma voz neutra, isenta.

Jornal “Diário do Comércio” fecha as portas e “Folha” e “Gazeta” promovem passaralho

As notícias de que 2015 não será um ano dos melhores, acredita-se que será um dos piores, estão levando as empresas de comunicação a demitirem profissionais. A “Folha de S. Paulo” demitiu entre 13 e 15 jornalistas, entre eles Eliane Can­tanhêde, colunista de política, e Eduardo Ohata, repórter esportivo (um dos poucos especializados em boxe no Brasil). O mercado jornalístico chegou a comentar que novas demissões serão feitas, mas o jornal não confirmou. A “Gazeta do Povo” fechou sucursais em Foz do Iguaçu e Londrina, no Paraná, e demitiu três jornalistas e um repórter fotográfico na semana passada. Durante o ano, foram 23 desligamentos. Devido à queda da receita, com consequente aumento do déficit, o Grupo Paranaense de Comunicação diz que é vital fazer enxugamentos. O “Diário do Comércio”, de São Paulo, foi extinto. Razão: dívidas (trabalhistas e outras) e o custo de manutenção do jornal impresso. Estuda-se recriar o jornal exclusivamente na internet.

Não há nada de ilícito na divulgação da doença do padre Marcelo Rossi

Leitores, como Arthur de Lucca e Carlos Wilson, que se consideram ombudsmen assistentes de vários jornais, inclusive do Jornal Opção, perguntam se é lícito publicar fotografias do padre Marcelo Rossi magérrimo. Talvez seja possível responder com uma pergunta: por que não seria lícito publicar uma fotografia do padre mais magro? Li pelo menos quatro reportagens sobre a doença (bulimia) do religioso e, no geral, não eram sensacionalistas. Explicaram o que havia acontecido e esclareceram que está se recuperando. As notícias da doença e da recuperação esconderam outra, talvez mais importante para o público: a confirmação de que o Vaticano investigou e chegou a pensar em punir o padre Marcelo, que estaria se comportando de maneira exibicionista e, assim, prejudicando a seriedade da liturgia católica. Depois de uma investigação exaustiva, o Vaticano concluiu que, longe de conspurcar a liturgia católica, o padre Marcelo trabalha, com sua música, seus livros e suas missas, para atrair católicos recalcitrantes. Muitos católicos migraram para igrejas evangélicas, às vezes mais, digamos, próximas dos problemas reais dos indivíduos. Com sua pregação alegre, até festiva, o padre Marcelo aproxima-se das ações dos evangélicos. O que “agrada” certa ortodoxia. Leia uma resenha do livro sobre o padre Marcelo Rossi: https://jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/imprensa/biografia-explica-por-que-marcelo-rossi-se-tornou-o-paulo-coelho-da-igreja-e-revela-sua-depressao-60258/

Uma dica para escapar do jornalismo burocrático

O Jornal Opção criou uma cultura interna que tem dado certo. Não há, na prática, editores. Todos são repórteres, inclusive aquele que é qualificado como editor-chefe. O resultado é que a redação não se tornou burocrática e uma equipe pequena (somos apenas cinco) — com repórteres que também são redatores competentes — é capaz de produzir um jornal com 48 páginas, às vezes um pouco mais. Em Goiás, pelo menos, há uma prática danosa: os melhores repórteres são guindados ao posto de editor e, assim, deixam de escrever, contentando-se com a atividade burocrática. Em “O Popular”, para ficar num exemplo, há editores que não escrevem um texto um pouco mais alentado há anos. Dos proprietários, Herbert de Moraes Ribeiro e Patrícia Moraes (ambos jornalistas criativos e inteligentes), recebemos sempre os melhores conselhos: sejam, ao mesmo tempo, ousados e responsáveis.

Florinda, a beata

[caption id="attachment_20100" align="alignright" width="620"]M. File M. File[/caption]

José Fernandes

Florinda entrou pela porta lateral da Matriz de São José de Botas e ajeitou-se à frente do primeiro ban­co, próximo à nave. Contrariando a es­pécie, não se deitou ou demonstrou qualquer constrangimento por encontrar-se em meio àquela multidão. Acompanhou a missa com o rabo espichado, revelando-se senhora de seu ato, como se aquele evento religioso fizesse parte de seus hábitos. Executava os mesmos movimentos dos fiéis. Levantavam-se; ela se levantava. Sentavam-se; ela se sentava. Padre José Paiva, compenetrado no rito e no ritual da transubstanciação, não lhe sentiu a presença. Á hora da consagração, ela abaixou a cabeça. No momento da pronúncia das palavras de poder e transformação, ergueu os olhos, como se também dissesse “Senhor meu e Deus meu”. Só não trazia um ramo às mãos, a despeito de tratar-se de missa de Domingo de Ramos.

Ao término da cerimônia eucarística, sem que a ninguém incomodasse, colocou-se ao lado, próximo à porta, aguardando os fiéis se organizarem na procissão que percorreria a Praça Cônego Pinto, Rua do Rosário e retornaria à Matriz. Tudo pronto, ela se pôs atrás dos fiéis, como a observar a ordem das filas e a sentir melhor a repetição do rito que lembrava o ontem cristão. Ao retornar, procurou adaptar-se ao novo espaço à frente do altar, posto que as crianças, portanto ramos às mãos, em atualização daquele gesto primeiro, dispuseram-se entre os bancos e a mesa do sacrifício. Ao longo do percurso, entretanto, encontrou um ramo no chão, certamente perdido por alguma beata distraída, ou por alguma criança traquina, recolheu-o entre os dentes e caminhou com ele, como se sua posse fosse imprescindível à consumação daquele ritual.

Finda a cerimônia, cada um voltou à sua casa. Creio que poucos se deram pela sua presença e por aquele fato inusitado. Mas, durante toda a Semana Santa, ela acompanhou todos os gestos que trazem à memória o trágico acontecimento da morte de Cristo. À cerimônia do lava-pés, ela se postou ao lado das personagens que representavam os apóstolos. Portava um olhar indefinido, expressão de curiosidade e de quem desejasse também ter os pés lavados, a fim de purificar-se de alguma mácula invisível, sequer desconfiada pelos humanos. Na procissão do Se­nhor Morto, enquanto Verônica can­tava e desenrolava a efígie do Cris­to coroado de espinhos, ela ga­nia baixinho, fazendo coro a alguns fiéis mais emotivos, certamente arrependidos de seus pecados. Houve quem risse do inusitado e quem se contristasse a pensar que ela trouxesse alguma mensagem do além. No domingo de pás­coa, após a missa, deitou-se em meio à calçada entre a casa de Ro­bson e a de Elias. Dava a impressão de que aguardava algum pedaço de chocolate ofertado pelas crianças, felizes por haverem encontrado o ninho do coelho.

A partir daquela semana, em todos os eventos religiosos da cidade, Florinda se fazia presente. Não se sabe como ela sabia dos horários e dos lugares em que eles se realizariam. Chegava, à hora exata, às missas, inclusive quando elas foram transferidas para a igreja de Nossa Senhora Aparecida, em decorrência da reforma por que passou a Matriz. Em dias de novena, como a que se faz por ocasião da Senhora Peregrina, ela ia à casa dos componentes do grupo, religiosamente. Acom­pa­nhava o terço, sem incomodar quem quer que fosse, e se retirava, ao final, quase sem ser percebida. A cidade já se acostumara com sua presença, e até havia quem visse nela a reencarnação de alguma alma penada a pagar os seus pecados. Houve até quem arriscasse algum palpite, nomeando pessoas que, segundo se relatava, assombravam porteiras, capoeiras e encruzilhadas. Os pelos furta-cores de Florinda propiciavam ilações relacionadas com algum falecido, pois conferia, à noite, uma tonalidade espectral, além de seus uivos chorosos em noites de lua-cheia.

O tempo propiciou-lhe co­nhecer todas as pessoas da cidade e, inclusive, saber-lhes os hábitos, pois, em uma missa de sétimo dia, a que as irmãs Timim compareceram, a fim de homenagear a amiga de infância, Ernestina Fernandes, Florinda as recebeu com alegria esfuziante. Ao contrário de outras ocasiões, fugiu inteiramente ao ritual de condolências próprios das missas de réquiem. Parecia dar-lhes as boas vindas, já que as via, pela primeira vez, a participarem de um culto religioso. Entrou pelo meio dos bancos e lhes pulou aos colos. Quase lhes beijou as faces. Mas, tudo de forma muito educada, como se soubesse até onde deveria expandir a sua satisfação. Os olhos dos fiéis, mesmo daqueles mais concentrados na celebração, caíram sobre elas. Não houve quem não deixasse escapar um risinho maroto, não sei se pela simpatia das Timim, ou se pelo comportamento inesperado de Florinda.

Mas a religiosidade de Florinda não se encerra na frequência às missas. Dispunha de um faro especial para cerimonias religiosas. Não se sabe como, bastava que alguém pensasse abrir as portas da Matriz, que ela já estava por ali, à espera do acontecimento. Duas semanas após a Semana Santa, faleceu Antônio Pedro. Era uma quarta-feira, e não havia nenhum culto, à tarde. Todavia, o passamento do avô do Padre José Paiva requeria missa de corpo presente, com todos os ritos propícios aos mortos. Aberta a porta lateral, ao lado direito, Florinda entrara junto com o sacristão. Quando Padre José chegou, ela, discretamente, aguardava a chegada do cortejo fúnebre. Assim que a urna mortuária chegou, colocaram-na sobre a essa. Assim que os familiares tomaram seus assentos, Florinda sentou-se ao lado da essa, como que entristecida pela próxima ausência eterna daquele ser humano.

Normalmente, cachorro entra na igreja porque encontra a porta aberta e, quase sempre, sai logo, porque as pessoas, discretamente, dão um jeito de vê-lo longe do templo. Com Florinda, talvez em decorrência de sua discrição, ninguém se incomodou. Por isso, manteve-se ali, encolhida, durante a missa e, depois, na realização da benção do corpo. Na sequência, aguardou que todos saíssem para, em um gesto inesperado pelos presentes, acompanhar o féretro até o cemitério. Saiu pela porta da frente, como todos os acompanhantes, a fim de não desorganizar o cortejo e, pareceu-me, em sinal de respeito, pois sair pela porta lateral implicaria interromper os passos do falecido à casa dos tempos. Cultural_1885.qxd

O cortejo seguia a passos lentos, como se todos estivessem retardando aquele momento imponderável de separação. Os filhos, tantos; os netos e bisnetos, inúmeros; e os amigos colhidos ao longo dos longos anos. Se o féretro parava por momentos, Florinda mantinha-se à distância, sem misturar-se ao grosso do povo, talvez receosa de que alguém a molestasse, embora parecesse acreditar ser aquele o seu lugar, pois estava curiosa por ver como ocorria a despedida definitiva de um humano.

Um dia, à tarde, agoniada, corria em volta do templo à procura de uma porta aberta. Em pouco tempo, via-se o féretro subindo a rua do meio. Ela, imediatamente, correu ao encontro do cortejo e, à frente, dirigiu-se à igreja. Entrou e postou-se próximo à essa, aguardando que, nela, alojassem o caixão. Ao choro dos familiares, começou a ganir em tom agônico o passamento de Antônio Feliciano, morto na fazendo de Antônio Belo, perto de Arco Verde.

Terminado o ritual das exéquias, ministrado pelo Padre Geraldo, àquele dia, aguardou os acompanhantes do féretro porem-se em movimento, para iniciar sua tarefa de guia até o cemitério. Lá, guiada por algum instinto ou por algum espírito dos mortos, dirigiu-se, como que magnetizada, ao túmulo da família. Posto o ataúde no chão, ouvia as palavras do orador, como se as entendesse, porque, a cada palavra de expressão doída, em decorrência da passagem do amigo por ele proferida, parecia-lhe dilacerar o corpo, em uma dor de real confrangimento. À reza do réquiem, fechou os olhos, a fim de se pôr em comunhão com o falecido e, sobretudo, com o Senhor dos mortos, para que recebesse com a alegria de amigo aquele que fora ceifado da vida.

Assim que saiu das dependências do cemitério, porém, seu comportamento macambúzio e discreto converteu-se em alegria, ao perfilar-se com Beijinho. Pulava e corria para lá e para cá, ao seu redor, como se lhe fizesse uma festa. Ele, que a via pela primeira vez, não entendia aquele carinho; ainda mais quando ela, erguendo-se, rapidamente lhe deu verdadeiro beijo na face. Essa cadela deve estar me confundindo com alguém aqui da cidade. Nunca vi um animal me fazer tanto carinho; nem o Tupi, que viveu, até morrer, na fazenda, e me ajudava a juntar o gado no pasto. E olha que eu o tratava como se fosse alguém da família, tamanha a amizade que nos devotávamos. Estou até constrangido, no meio dessas pessoas que só conheço de ver pelas ruas da cidade.

— Florinda gostou de você, compadre Beijinho! Será o que ela viu em você? Deve ser o cheiro do Cambalé que você trouxe na barra das calças. Ele não lhe acompanhou pelo pasto hoje?

— Pode ser, compadre Cas­simiro. O fato é que não estou gostando dessas intimidades! Nunca vi esse animal antes!

Duas semanas se passaram, quando Florinda, em uma manhã de sábado, acho que 14 de agosto, postou-se à porta do cemitério, ao aguardo da chegada do coveiro. Acompanhou a abertura da cova naquela parte mais sinistra, em que se não veem túmulos. Horácio estranhou que ela não se encontrasse, como sempre, nas proximidades da matriz de São José. Ao ver o féretro vindo dos lados de Arcoverde, correu e pôs-se à frente dos poucos acompanhantes, a guiá-los ao local exato em que se procederia ao sepultamento. Era Beijinho, assassinado no capoeirão de João Pinto por Adão Bento!

Diferentemente dos outros enterros de que Florinda participara, ela não demonstrou aquele semblante soturno e contristado e nem aquele comportamento discreto que lhe possibilitou conquistar a simpatia dos habitantes de Alto Rio Doce. Parecia alegrar-se com a morte daquele amigo de poucos minutos, conquistado há apenas duas semanas; mas respeitou a mansão dos mortos. Porém, assim que se viu fora de suas dependências, pôs-se a saracotear em frente de José Belo, num verdadeiro ritual de saudação à amizade. Zé Belão, assim chamado pelos amigos, ficou vermelho, ao ser distinguido entre os participantes do cortejo com aquelas manobras de carinho. Será que ela sentira em mim o cheiro do Botuca? Cachorro é um animal muito estranho. Apenas vi essa cadela assistindo a algumas missas. Nunca me aproximei dela, e nem ela de mim, e ela vem me assediar hoje. O pior é que pula no meu peito e me suja a camisa. Já corre na cidade que ela previu a morte do Beijinho. Eu, heim!

Semanas depois, Zé Belão sentiu-se sufocado. Era meia-noite, na roça, sem condução para ir à cidade. Andava pra lá e pra cá, dentro de casa, sem pegar no sono. Seu irmão, Ângelo, chegou a vê-lo naquele estado. Deu-lhe um calmante, na esperança de que ele dormisse, para, no outro dia, levá-lo ao médico. Mas ele fora categórico: minha hora chegou. Pela manhã, Ângelo, ao dirigir-se ao seu quarto, encontrou-o morto. A notícia logo chegou à cidade. Elias, ao saber do ocorrido, ficou ressabiado, pois presenciara o ritual celebrado por Florinda, dias antes. O enterro, entretanto, seria em Arcoverde, no túmulo da família. Todavia, assim que o coveiro começou a subir o morro que demanda aa cemitério, a fim de providenciar a abertura do túmulo, deu com ela à porta da igreja. Ela encontrava-se ali para chorar a morte. Credo! Se essa cadela vier pro meu lado, vou dar-lhe uns pontapés. Sai de mim coisa ruim!

Ninguém a viu voltar à cidade. Mas, na missa de sétimo dia, celebrada pelo Padre José Paiva, lá estava ela, contrita, a fazer coro aos amigos de Zé Belão. Lembro-me bem de que, a despeito de a igrejinha de Arcoverde encontrar-se lotada, ela entrou pela porta lateral, do lado da casa paroquial, e ficou ali, à frente, próximo aos familiares do falecido. Deu uma olhada para Floripes e Alípio, mas não os incomodou. Terminada a missa, saiu discretamente enquanto os amigos cumprimentavam, com sofridos pêsames aos irmãos de Zé Belão: Ângelo e Conceição. Mas, comentando mais tarde o ocorrido, em uma roda de amigos, Edith, Cátia, Cristina e Adair disseram-nos que, no mesmo dia e horário, ela estava no sepultamento e na missa de sétimo dia do Padre Geraldo.

Jose Fernandes é escritor, crítico literário e doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Net age como bicho preguiça e demora a atender reclamações de seus clientes

Moradores do Setor Bueno, nas proximidades do Parque Vaca Brava, entraram em contato com o Jornal Opção para reclamar que, na semana passada, ficaram dois dias sem acesso à programação da Net. Ao buscarem informações precisas, eram informados de que brevemente, entre as 12 e às 17 horas, um técnico iria resolver os problemas. O técnico não apareceu. O curioso é que Net teria negociado sua dívida bilionária — cerca de 5 bilhões — com o BNDES. A cúpula nacional deveria fazer uma auditoria na sua unidade de Goiânia. Alguma coisa está errada.

Júlio Hungria anuncia o fim do site Blue Bus

O às vezes polêmico site Blue Bus, criado por Júlio Hungria, está saindo do ar. Mas promete voltar, e brevemente. A direção do portal de notícias sobre publicidade e jornalismo divulgou um comunicado: “E chegou o dia em que o nosso querido ônibus azul precisou fazer uma parada. Trocar os pneus, ajustar os faróis, checar o óleo, colocar um ar condicionado, quem sabe? Temporariamente em manutenção, o Blue Bus vai fazer um pit stop. Pedimos aos seus milhares de passageiros que permaneçam em seus lugares, pois, em breve, esperamos religar os motores. Para nossos motoristas, as estradas são sempre infinitas”. Comenta-se no mercado que, apesar de bem-sucedido em termos de audiência, o site estaria com dificuldades financeiras.

O Popular publica reportagem que mais parece material publicitário do Flamboyant

O “Pop” publicou uma reportagem sobre a nova expansão do Flamboyant que mais parece material publicitário. O jornal não anotou sequer uma reclamação dos frequentadores do shopping, que tiveram de conviver, durante meses, com piso escorregadio e que às vezes afunda um pouco (em alguns lugares), poeira (colocaram panos que às vezes deixam escapar terra e pedaços de cimento) e, nas proximidades da Livraria Saraiva, cheiro de esgoto. O empreendimento chegou a colocar “pilastras” móveis, mas nenhum órgão público investigou a segurança da intervenção. Num País em que a segurança das pessoas é mais importante do que o lucro dos comerciantes, pelo menos a parte do shopping que sofreu uma intervenção gigantesca teria sido interditada. Outro problema: as escadas rolantes nem sempre funcionam e crianças e pessoas idosas — o elevador está sempre lotado, quando funciona — têm dificuldade para ir de um andar para o outro. Na primeira página, o editor do “Pop” publicou uma chamada como se a expansão já tivesse sido inaugurada. Curiosamente, o “Pop” pressiona mais órgãos públicos do que empreendimentos privados. É certo que um jornal não deve ser o sorriso do governo, mas também não deve ser o sorriso da iniciativa privada e a cárie da sociedade.

PSDB e PTB lideram lista de pré-candidatos à presidência da Assembleia

Articulações para eleger novos integrantes do comando do Poder Legislativo estão amenas, por enquanto. A partir de janeiro, afunilamento de pretendentes será intensificado