Seca extrema: plantas cresceram 33% menos no Cerrado
04 março 2024 às 10h28
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Um estudo inédito da Universidade do Estado do Colorado (EUA), com colaboração da Universidade Federal de Goiás (UFG), investigou a seca extrema no mundo e as potenciais consequências ecológicas deste fenômeno, que tem o potencial de se tornar cada vez mais frequente. O Cerrado foi o bioma que mais sofreu o impacto da seca extrema em comparação com as áreas outras avaliadas no Brasil. A perda de produtividade primária foi de 33%, isto é, as plantas cresceram menos do que em outros locais.
No Brasil, foram avaliados três ecossistemas campestres distribuídos em quatro áreas: uma no Nordeste, outra no Rio Grande do Sul, e duas no Parque Nacional das Emas, em Goiás. Segundo os resultados, a escassez extrema de chuvas pode reduzir em média em cerca de 35% o crescimento das plantas acima do solo em campos e pastagens.
Entre as consequências da falta extrema de chuva, a mais preocupante, segundo o estudo, diz respeito à redução na capacidade de remoção do CO2 da atmosfera. O cenário também pode levar à menor produção de flores e frutos no ecossistema e impactar a oferta de recursos para a “fauna de herbívoros”, com o potencial de desencadear efeitos em cascata.
A menor cobertura de plantas no solo pode levar à sua maior exposição e à evaporação de água, desencadear ou aumentar processos erosivos e, consequentemente, dificultar a recarga dos aquíferos naturais. De acordo com os pesquisadores, o problema é auxoexplicativo, visto que o Cerrado é conhecido como uma enorme ‘caixa d’água’ subterrânea. As maiores bacias hidrográficas da América do Sul têm rios importantes que nascem no Bioma.
O estudo, liderado por duas pesquisadoras da Universidade do Estado do Colorado (EUA), envolveu mais de 170 pesquisadores que fazem parte da Rede Internacional Drought Net e acompanhou a resposta de 100 regiões localizadas em seis continentes, ficando de fora somente a Antártica. De acordo com a UFG, esta é a primeira vez que um estudo de tal abrangência é realizado para compreender o impacto das secas na produtividade dos ecossistemas campestres.
Maior seca dos últimos 100 anos
A seca extrema foi caracterizada como aquela equiparável à menor precipitação registrada no ano mais seco dos últimos 100 anos nos locais estudados. Em 44 regiões, foram simulados eventos historicamente extremos de escassez de chuva, persistindo por pelo menos uma estação de crescimento completa, ou seja, um ano.
Em outros 56 locais, foram projetadas secas menos severas, representando a variabilidade natural das chuvas ao longo do ano. O objetivo foi avaliar a produtividade primária, relacionada à capacidade da vegetação de crescer acima do solo e gerar biomassa por meio da fotossíntese.
Para as áreas afetadas por secas extremas, a produtividade diminuiu em média cerca de 35%. As vegetações campestres foram mais afetadas do que as arbustivas, com reduções na produção primária em torno de 38% e 21%, respectivamente. Nos locais sujeitos a secas menos severas, consideradas normais, o crescimento das plantas acima do solo foi reduzido em 21%, com pouca variação entre os ecossistemas.
O estudo indica que a diminuição da produtividade primária foi mais pronunciada em ecossistemas mais secos e com menos diversidade de espécies, tornando essas áreas mais suscetíveis à seca extrema. As vegetações campestres cobrem mais de 40% da superfície terrestre livre de gelo, distribuindo-se por todas as regiões do planeta e armazenando mais de 30% do carbono mundial.
Metodologia do estudo
A gravidade real da seca imposta durante o ano de manipulação da precipitação foi calculada usando dados meteorológicos coletados no local ou de uma estação meteorológica próxima, com uma distância média de 10,2 km. Quando os dados do Global Historical Climatology Network (GHCN), Climate Hazards Group InfraRed Precipitation with Stations (CHIRPS) ou estações meteorológicas locais não estavam disponíveis, foram utilizadas estimativas anuais de precipitação fornecidas pelo local.
Inicialmente, foi calculada a quantidade de precipitação recebida por cada local nos 365 dias anteriores à coleta da Produção Primária Acima do Solo (ANPP). Em seguida, utilizando esse cálculo de precipitação, a porcentagem de redução de precipitação imposta pelo tratamento da seca relatada pelo local e os dias em que os abrigos contra a seca estavam instalados antes da coleta da ANPP, estimou-se a quantidade total de precipitação reduzida em cada local.
Para se qualificar como um ano de seca, os abrigos de um local precisavam estar instalados durante pelo menos uma estação de cultivo completa (dentro de uma semana de 120 dias de tratamento antes da colheita), mas menos de dois anos (dentro de uma semana de 650 dias). Para medir a severidade da seca, foi comparada a precipitação estimada recebida nas parcelas de seca com a Média Anual de Precipitação (MAP) em milímetros conforme relatado por cada local, e calculado o desvio deste número.
Seca no Norte do Brasil
A crise hídrica na Amazônia já é considerada a pior dos últimos 43 anos na região, segundo o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais). Desde 1980, a estação menos chuvosa na Amazônia não tinha índices tão agudos de deficit de chuva.No trimestre de julho a setembro, os índices de precipitação ficaram abaixo da média histórica em praticamente toda a região. Os Estados mais afetados são Amazonas, Acre, Roraima, Amapá, Rondônia e Pará. Parte do Tocantins também sofre efeitos da seca, assim como regiões do Piauí e Bahia.
A temporada de maio a outubro é tradicionalmente mais seca na região Norte. Neste ano, porém, a estação menos chuvosa foi mais grave que o normal. Isso foi provocado pela junção de 2 fenômenos climáticos: o El Niño e o aquecimento da porção norte do oceano Atlântico.