“Agrotóxico virou arma química contra indígenas no Brasil”, diz pesquisadora sobre aprovação de PL do Veneno

30 novembro 2023 às 09h20

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“Agrotóxico está sendo usado como arma química no Brasil para forçar o deslocamento de comunidades de indígenas, camponeses e quilombolas”, denunciou a pesquisadora e professora licenciada da Universidade de São Paulo (USP), Larissa Bombardi, entrevista à DW. O plenário do Senado aprovou nesta terça-feira, 28, o projeto de lei que flexibiliza a autorização ao uso de agrotóxicos, apelidado por ambientalistas de PL do Veneno.
O texto (PL 1459/2022) cria um marco legal para pesquisa, experimentação, produção, embalagem e rotulagem, transporte, armazenamento, comercialização, uso, importação, exportação, destino final dos resíduos e das embalagens, registro, classificação, controle e fiscalização dos agrotóxicos. O Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aprovou, até meados de julho, o registro de 231 agrotóxicos. O ritmo de liberações nesse período equipara-se ao do primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro (PL) e supera a soma anual de qualquer mandato petista.
A aprovação desses produtos segue um decreto controverso de outubro de 2021, editado por Bolsonaro. Esse decreto agiliza a liberação desses produtos químicos, o que é questionado por alguns especialistas devido aos potenciais riscos à saúde e ao meio ambiente. No entanto, os produtores defendem a medida, alegando que facilita a adoção de produtos modernos e menos prejudiciais.
Agora, com a aprovação do PL do veneno, que segue para sanção presidencial, fica mais fácil comercializar os agrotóxicos no país. A medida beneficia os grandes empresários e a bancada ruralista. Enquanto isso, prejudica os trabalhadores rurais, indígenas, quilombolas e toda a população que ingere alimentos cheios de agrotóxicos (confira abaixo os alimentos mais afetados).
Ameaça às populações originárias
Em entrevista à DW, a pesquisadora critica a proposta de acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE) e sugere que o bloco europeu inclua uma cláusula suspendendo a exportação de agrotóxicos banidos em seu próprio território – como fez a França. Três dos dez pesticidas mais consumidos no Brasil são proibidos pela UE.
Para ela, a aprovação do PL do Veneno aceleraria o uso dos pesticidas no país. “A aprovação do PL do Veneno será um grande retrocesso. Ele flexibiliza ainda mais a atual legislação. Inclui, por exemplo, a permissão para produzir agrotóxicos não autorizados no Brasil, o que vai trazer risco ambiental e para os trabalhadores. Prevê também o registro temporário de agrotóxicos. Vamos caminhar para trás, porque, apesar de tudo, havia conquistas na nossa atual lei de agrotóxicos”.
O agrotóxico é uma arma química usada contra os indígenas e também contra os camponeses e quilombolas. Há muitos conflitos fundiários em que o agronegócio pulveriza o agrotóxico em cima dessas áreas. No Rio Grande do Sul, por exemplo, um assentamento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) foi pulverizado justamente com essa intenção de ameaçar a comunidade.
“Acontece, principalmente, porque as fazendas foram chegando muito perto, e hoje a maior parte das terras indígenas está em contato com áreas de expansão do agronegócio, sobretudo da soja. Com a pulverização aérea, há um desvio dos agrotóxicos e uma parcela é levada pelo vento e contamina a água dos rios. E, às vezes, os indígenas são contaminados de forma criminosa, nos conflitos por terra. Suas áreas são pulverizadas com agrotóxicos, na tentativa de expulsá-los. Teve um caso bem famoso no Mato Grosso do Sul, numa área da etnia Guarani-Kaiowá, que terminou na Justiça, com o fazendeiro sendo obrigado a indenizar os indígenas por causa da ação criminosa. O produto aplicado, inclusive, foi um fungicida da Bayer. É um caso raro de vitória”, explicou Larissa.
No Brasil, 56 mil pessoas foram intoxicadas por agrotóxicos nos últimos anos, o que corresponde a 15 pessoas, em média, por dia.
Segundo a pesquisadora, o consumo cresceu mais na Amazônia, nos estados da região Norte. Isso tem a ver diretamente com a expansão agrícola. O consumo de atrazina, por exemplo, um herbicida associado a diferentes tipos de câncer, ao mal de Parkinson e à malformação fetal, aumentou 575% nos últimos dez anos na região Norte.
A substância é proibida há 20 anos na Europa. Investiguei ainda o tebuconazol, cujo consumo aumentou mais de 100% na Amazônia. Ele também é proibido na Europa. Já o uso do glifosato aumentou 270% na Amazônia brasileira. O Instituto de Pesquisas para o Câncer (IARC), das Nações Unidas, classificou a substância como potencialmente cancerígena para seres humanos. “Infelizmente, o bloco europeu acaba de renovar a licença do glifosato por mais dez anos. Uma tragédia”, disse Larissa.
“O agronegócio está interessado na assinatura do acordo justamente para poder ampliar as vendas para esse mercado, que é o segundo maior mercado de produtos brasileiros. Isso será feito com a ampliação das áreas de cultivo – o que certamente levará a um crescimento no uso dessas substâncias. E esse crescimento tem sido claramente desproporcional ao aumento da área. No Brasil, a área total cultivada aumentou 30% nos últimos dez anos, enquanto o uso de agrotóxicos aumentou 76%.”, explicou sobre os interesses na aprovação do PL.
Agrotóxico causa câncer
A exposição a agrotóxicos pode estar associada a maior incidência de câncer entre trabalhadores rurais goianos, indicaram estudos realizados no Laboratório de Mutagênese (LabMut) do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFG. A pesquisa comparou o perfil de 59 trabalhadores que fizeram ou fazem tratamento contra o câncer no Hospital Araújo Jorge, em Goiânia, com o de 83 agricultores saudáveis.
Thays Milena Alves Pedroso, que desenvolveu o estudo no doutorado em Genética e Biologia Molecular da UFG, explicou que as pessoas em tratamento contra o câncer são provenientes justamente de cidades com intensa atividade agrícola. “Quando nós pensamos em vias de exposição, esse é um fator de risco para a saúde desses trabalhadores. Outro indicativo da relação entre a exposição aos agrotóxicos e o desenvolvimento de câncer está nos tipos de tumores identificados”, explica.
Cânceres raros na população em geral, como os linfomas Hodgkin e não Hodgkin (que atingem as células do sistema linfático) e o mieloma múltiplo (que se origina na medula óssea), são frequentes entre os trabalhadores. “O meu trabalho ele é mais voltado para a análise genética, e outras nuances como uso de equipamento de proteção individual, tipos de agrotóxicos e cultivos mais frequentemente citados pelos trabalhadores. Há outra vertente desse trabalho, desempenhado pela mestranda do laboratório onde ela faz a abordagem do dano conferido ao DNA, sintomas, histórico familiar de doenças e uso de EPIs também”, diz Thays.
Para ela, a aprovação dessa legislação configura um retrocesso. Isso porque pensando no perfil de liberação dessas substâncias, em associação com a quantidade de produtos utilizada, procedência e toxicidade, os agricultores podem ser descritos como um grupo vulnerável.
“Há relatos de aparecimento de sintomas pós aplicação, e fica evidente o quão grave são os casos de subnotificação de intoxicação no estado, pois a maioria não se dá conta de que está sendo intoxicado. Com a aprovação da PL, em contexto generalizado, abre a oportunidade para que os problemas que vem sendo perpetuados ao longos dos anos, continue em uma crescente e piore, quanto mais produtos são liberados para uso, maiores os riscos conferidos também para saúde ambiental e humana”.