Agrotóxico banido na União Europeia dizima abelhas no Brasil
02 outubro 2023 às 11h14
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Os recentes surtos que resultaram em graves perdas para as populações de abelhas em diversas regiões do Brasil têm algo em comum, além da devastação em grande escala: o uso generalizado do agrotóxico Fipronil. O produto químico, cuja síntese ocorreu nos anos 1980, teve sua patente expirada, permitindo sua produção por qualquer empresa. Infelizmente, sua utilização tornou-se indiscriminada, conforme relatado por acadêmicos e técnicos agrícolas.
Agrônomos ressaltam que outros agrotóxicos, como os inseticidas à base de nicotina, herbicidas e fungicidas, comprometem gradualmente o sistema biológico das abelhas, enfraquecendo suas funções físicas até levá-las à morte, reduzindo, assim, o tamanho das colmeias ao longo do tempo.
O Fipronil, por sua vez, age de forma distinta. Essa substância atua diretamente no sistema nervoso central dos insetos, desencadeando uma superexcitação nos músculos e nervos. Ela se mostra implacável como agente da morte aguda, conforme destacado por Ricardo Orsi, professor de veterinária da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
“Inseticida sistêmico de ação prolongada e agressiva, o Fipronil é utilizado em diversas culturas agrícolas, explicando a ocorrência de contaminações de abelhas em várias partes do Brasil”, explica Orsi.
Embora o alvo principal do Fipronil seja formigas e cupins, ele também é aplicado no combate a pragas como o bicudo do algodão, a larva-alfinete no milho e a lagarta-elasmo na soja. Além disso, possui aplicações domésticas, encontrando-se em produtos como mata-moscas e coleiras para cães e gatos, utilizadas para o controle de pulgas e carrapatos.
De acordo com informações do jornal Folha de S. Paulo, exames indicaram que o agrotóxico Fipronil foi o agente responsável pela morte de cerca de 100 milhões de abelhas em Mato Grosso, em junho, 80 milhões na Bahia, em julho, e também causou perdas em Minas Gerais, em janeiro.
Estudos em curso no Mato Grosso do Sul têm revelado uma crescente associação entre mortes em massa de abelhas e o uso dessa substância. Em 2017, o fipronil estava presente em 30,5% das amostras analisadas; em 2021, em 66,6%. No ano passado, foi detectado em 85,7% das amostras.
Retrocedendo um pouco no tempo, o Fipronil também foi identificado como a causa da morte de 50 milhões de abelhas em Santa Catarina, em 2017, e do surto que dizimou quase 500 milhões no Rio Grande do Sul, entre outubro de 2018 e março de 2019. Em todos os casos de mortandade em massa, não é raro encontrar propriedades rurais com cultivo em larga escala nas proximidades das colmeias.
“Não existe local mais perigoso para as abelhas hoje do que próximo a uma fazenda, pois nunca se sabe que tipos de agrotóxicos serão utilizados e como serão aplicados”, adverte o apicultor José Arnildo Marquezin.
Foi necessário um período considerável para estabelecer uma correlação entre o fipronil e as mortes agudas, conforme afirma Aroni Sattle, professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Os surtos começaram no início dos anos 2000. As abelhas chegavam, eu as examinava e não encontrava nenhuma doença ou praga que justificasse a mortandade intensa, que ocorria de um dia para o outro. Por isso, comecei a congelar amostras”, relata.
Em 2018, ele enviou 37 dessas amostras para análise, e o Fipronil emergiu como o agrotóxico predominante. Avaliações de surtos subsequentes seguiram a mesma tendência. “Podemos afirmar que 60% a 70% das mortandades são provocadas por ele”, conclui Sattle.
Técnicos especializados afirmam que a pulverização aérea ou terrestre, muitas vezes realizada sem considerar as condições ambientais adequadas, é o principal problema, especialmente quando efetuada durante a floração das plantas. Abelhas contaminadas carregam o veneno de volta para a colmeia, contaminando toda a colônia.
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