Transexual é o primeiro em Goiás a receber hormonioterapia pelo SUS
14 dezembro 2023 às 10h15
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Eduardo Araújo de Jesus, de 35 anos, é um homem transexual que obteve uma decisão liminar favorável, a primeira no Estado de Goiás, considerando a hormonioterapia um direito estabelecido pela legislação. Na última terça-feira, 12, ele recebeu a notícia que o medicamento undecilato de testosterona será disponibilizado gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, Eduardo aguarda na fila de espera para fazer a cirurgia de mamoplastia masculinadora.
Ele contou que faz parte do projeto Ambulatório TX há 2 anos e 7 meses. “Foi uma grande mudança, eu cresci e evolui muito. A partir do momento que eu consegui fazer parte do projeto eu pude ser realmente aquilo que eu sempre fui. A transição, assim, como esse acompanhamento, é fortalecedor. A gente passa por questões psicológicas para saber como encarar a sociedade, como que é ser trans no Brasil, o país que mais mata transexuais no mundo”, explicou.
O projeto do qual ele faz parte é do Serviço Especializado do Processo Transexualizador do Hospital Estadual Alberto Rassi (HGG), onde pessoas trans recebem acompanhamento psicológico, psiquiátrico e ginecológico. Ele informou que é obrigatório participar de dois anos no projeto para realizar as cirurgias plásticas e de transgenitalização pelo SUS. Após o período estabelecido, os pacientes aguardam na fila para a realização da cirurgia.
Ele explicou que desde o início do processo transexualizador já começou a tomar hormônio. “No começo o hormônio era mais barato, mas o tratamento foi ficando difícil, porque o undecilato de testosterona está em torno de 250 reais. É um dinheiro que no final do mês me faz muita falta. É muito difícil custear este tratamento sem o apoio do SUS”.
Eduardo nasceu e mora em Goiânia e é casado há mais de 2 anos com uma mulher. Para ele, essa decisão é apenas o começo, pois abre portas para que outros homens trans também consigam ter acesso a esse direito.
Apoio jurídico
A Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) obteve, no último domingo, 10, a primeira decisão liminar favorável no estado de Goiás considerando a hormonioterapia um direito da pessoa trans. O juízo da 6ª Vara de Fazenda Pública Estadual determinou ao Estado de Goiás que forneça e entregue o medicamento ao assistido da DPE-GO, com dispensação periódica, na forma e posologia em prescrição médica.
Em agosto de 2008, o SUS instituiu o processo transexualizador, passando a permitir o acesso da população a procedimentos com hormonização, cirurgias de modificação corporal e genital, assim como acompanhamento multiprofissional. O programa foi redefinido e ampliado pela Portaria 2803/2013, passando a incorporar como usuários do processo transexualizador do SUS os homens trans e as travestis, tendo em vista que até então apenas as mulheres trans eram assistidas pelo serviço.
O cuidado com a população trans é estruturado por dois componentes: a Atenção Básica e a Atenção Especializada. A Especializada é dividida em duas modalidades: a ambulatorial (acompanhamento psicoterápico e hormonioterapia) e a hospitalar (realização de cirurgias e acompanhamento pré e pós-operatório). Para todas as pessoas, a idade mínima para procedimentos ambulatoriais é de 18 anos. Para os hospitalares, ela aumenta para 21 anos. Qualquer indivíduo pode procurar o sistema de saúde público e é seu direito receber atendimento humanizado, acolhedor e livre de discriminação.
A ação de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência foi movida pela defensora pública Ketlyn Chaves, colaboradora do NUDH. Ela afirma que “apesar de Eduardo já ter realizado a alteração de sua documentação pessoal, o desconforto gerado pela falta do hormônio e na demora da cirurgia tem gerado momentos de angústia e constrangimento, deixando bem clara a urgência da necessidade do tratamento e hormonioterapia”.
Ketlyn Chaves lembrou que, durante a 2ª Reunião Pública realizada entre o NUDH e os movimentos sociais LGBTQIAPN+, foi observada a grande dificuldade de acesso ao tratamento hormonioterápico na rede pública de saúde para pessoas transexuais.
“Simplesmente não há estoque no âmbito da Secretaria de Saúde”, informou a defensora pública. Ela destacou ainda que cabe ao Poder Público disponibilizar meios para concretizar o direito à saúde e identidade de gênero. Está previsto na Portaria SUS nº 2.803/2013, por exemplo.
Preconceito
Apesar de a transfobia ser crime no Brasil desde 2019, o país é ainda o que mais mata pessoas trans e travestis em todo o mundo pelo 13° ano consecutivo.O número de assassinatos de mulheres trans e travestis é o maior desde 2008 — ano em que o dado começou a ser registrado.
Conforme o relatório de 2021 da Transgender Europe (TGEU), que monitora dados globalmente levantados por instituições trans e LGBTQIA+, 70% de todos os assassinatos registrados aconteceram na América do Sul e Central, sendo 33% no Brasil, seguido pelo México, com 65 mortes, e pelos Estados Unidos, com 53.
Ao Jornal Opção, Eduardo contou um pouco sobre as situações de preconceito que já viveu. “Nós todos passamos por vivências bem difíceis. Já perdi o emprego por ser questionado sobre minha orientação sexual. Já passei por uma situação bem constrangedora há um tempo atrás. Uma pessoa do RH me questionou porque tinha o carimbo de uma ginecologista. Eu fui questionado no meio da loja, ‘como que um homem traz um atestado ginecológico”.
Ele explica que a orientação da psicóloga do HGG é que em todo emprego que está, a pessoa transexual não tem a obrigação de falar que é homem ou mulher trans. Isso porque quando vai um homem hetero à procura de emprego ele não chega lá falando que é um homem cis e hetero.
O relatório mostra que o Brasil teve 125 mortes. Por outro lado, só no ano de 2020, Associação Nacional de Travestis e Transexuais reportou 175 transfeminicídios e mapeou 80 mortes no primeiro semestre de 2021.
As maiores vítimas de transfeminicídio são mulheres. De acordo com o documento da Transgender Europe, 96% das pessoas assassinadas em todo o mundo eram mulheres trans ou pessoas transfeminadas; 58% das pessoas trans assassinadas eram profissionais do sexo; a idade média das pessoas assassinadas é de 30 anos; 36% dos homicídios ocorreram na rua e 24% na própria residência.