Niquelândia, com 9.843 quilômetros quadrados, é o maior município de Goiás, quase do tamanho da Jamaica, metade de Sergipe, o dobro do Distrito Federal. No Norte do Estado, fica relativamente longe das capitais: 310 quilômetros de Goiânia, 265 de Brasília. Imagine mobilizar recursos para atender a um território desses… Foi o motivo de o prefeito Fernando Carneiro nomear um empregado da Caixa Econômica Federal, José Antônio de Oliveira, secretário de Relações Institucionais. Ambos terminaram agosto absolvidos pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás.

“Em apertada síntese”, como alguns militantes do Direito chamam o resumo de um fato, em agosto de 2020 o prefeito e seu secretário foram acusados de violar o inciso I do artigo 1º do Decreto-Lei 201 de 1967: “apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio”. Teriam cometido o delito porque o auxiliar era caixa da CEF, não ficaria na prefeitura e repassaria o salário para Fernando Carneiro. Nada disso ficou comprovado. Documentos e depoimentos de testemunhas indicaram o contrário.

Os advogados Demóstenes Torres, Caio Alcântara e Jéssica Barbosa rechearam o caso de provas da inocência de Carneiro e Oliveira. O Ministério Público concordou não haver “indicativo nos autos de que Fernando Carneiro da Silva tomasse para si a integralidade ou parte dos vencimentos de José Antônio”, conforme anotou o promotor Rafael Simonetti Bueno da Silva, coordenador da Procuradoria de Justiça Especializada em Crimes Praticados por Prefeitos. “Tampouco os elementos de prova registram que as verbas remuneratórias fossem destinadas a qualquer pessoa, além do próprio José Antônio”

Faltava à defesa convencer quanto ao efetivo trabalho prestado pelo secretário, o que acabou não sendo usado no mérito durante a sessão de julgamento. Demóstenes, Caio e Jéssica escreveram: “Após a instrução processual, não há dúvidas de que José Antônio sempre exerceu, regularmente, a função para a qual foi nomeado por Fernando Carneiro. A função de Relações Institucionais, como qualquer outro secretariado, possui natureza política e, por isso, não submete seus agentes a controle de frequência a uma estrutura física, sob pena de inviabilizar o próprio exercício do trabalho”.

A jornada flexível na CEF e na prefeitura proporcionaram o emprego duplo: “Enquanto secretário em Niquelândia, cumpriu sua função, levando recursos e melhorias para a comunidade, tanto era possível que realizou viagens a Brasília e Goiânia em busca de emendas parlamentares e de viabilização de projetos junto aos ministérios”. Agia assim porque “o cargo de secretário possui natureza política, por meio de relações institucionais entre as demais esferas da federação”. Devido à distância das Capitais da República e do Estado, não poderia estar na cadeira da prefeitura numa hora e na seguinte visitando o gabinete de um parlamentar federal ou integrante de ministérios.

A absolvição, no fundamento de atipicidade de conduta, foi por unanimidade. No TJ-GO, o relator Fábio Cristóvão de Campos Faria decidiu pela improcedência, acolhendo o parecer do MP, e foi seguido pelos demais desembargadores, Eudélcio Machado Fagundes, revisor, e Itaney Francisco Campos. A representante do Ministério Público foi a procuradora de justiça Cleide Maria Pereira. Atipicidade significa que o ato cometido não é crime.