*Antônio Caiado

Os Houthis, uma milícia xiita, buscam projetar-se no mundo árabe e ganhar legitimidade, usando armamentos fornecidos pelo Irã para atacar navios comerciais e posições em Israel. Seus ataques podem ter o propósito de desviar a atenção de Gaza e forçar concessões da Arábia Saudita, enquanto os Estados Unidos lideram uma coalizão para combatê-los, e Israel considera ataques cirúrgicos para neutralizá-los. A crise já atinge proporções comparáveis às da Crise do Canal de Suez de 1956.

Desde 15 de dezembro, quatro das cinco maiores empresas de navegação de contêineres do mundo, CMA CGM, Hapag-Lloyd, MAERSK e MSC, interromperam suas operações no Mar Vermelho devido aos ataques das milícias Houthis do Iêmen. Para termos a real dimensão disso, devemos considerar que estas 4 empresas juntas representam 53% do comércio internacional.

A situação atual é comparada à Crise do Canal de Suez de 1956 devido ao seu potencial impacto significativo no comércio global e na economia mundial. Essa crise foi um conflito geopolítico que ocorreu após o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser nacionalizar o canal, uma rota marítima crucial para o comércio entre ocidente e oriente. Isso provocou uma resposta militar de Israel, Reino Unido e França, que buscavam retomar o controle da passagem. O conflito terminou com uma intervenção da ONU, levando à retirada das forças invasoras e à desmilitarização da área.

Assim como em 1956, os ataques atuais no Mar Vermelho ameaçam uma rota comercial vital, podendo provocar perturbações econômicas em escala global. Ambas as crises destacam a vulnerabilidade das rotas de comércio marítimo e as consequências geopolíticas de sua interrupção, e fatalmente uma intervenção militar dos Estados Unidos e países aliados se fará necessária.

Os Houthis alegam que estão realizando esses ataques por causa da guerra de Israel em Gaza. Neste sentido, a interrupção do fluxo marítimo no Estreito Bab al Mandab funcionaria como uma maneira de afetar o comércio internacional com Israel. Mas ironicamente, apenas 5% do comércio israelense passa pelo Mar Vermelho.

Por esse motivo, cabe a nós perguntarmos: qual o real objetivo dos Houthis com essas verdadeiras operações terroristas? Quem são os Houthis? Quem os financia? Quais os interesses por trás disso? E, principalmente, por que estão intensificando os ataques justo nesta época do ano, quando bilhões de pessoas no mundo inteiro estão celebrando o Natal e, em breve, as festas de Ano Novo?

Os Houthis são uma milícia político-religiosa conhecida também  pelo nome de Ansarallah (Os apoiadores de Deus) que surgiu no Iêmen durante a década de 90 através do seu líder Hussein al Houthi, que foi morto pelas forças do governo iemenita em 2004.

Religiosamente, os Houthis seguem uma corrente minoritária do islã xiita chamada de zaidismo. O zaidismo é predominante do norte do Iêmen enquanto o restante do país segue a orientação sunita, que é majoritária no mundo islâmico. Mas por quase 500 anos o Iêmen foi um Estado Zaidita mas desde 1962 até 2015 foram marginalizados por um governo sunita alinhado à Arábia Saudita.

Em 2015, os Houthis tomaram o poder na capital do Iêmen após uma guerra civil de 4 anos contra impulsionada pela Primavera Árabe em 2011. Mas entre 2015 e 2022 entraram em guerra com a Arábia Saudita, que apoiava as forças do governo deposto. E nesse xadrez político o Irã tomou parte apoiando logisticamente os Houthis com armamentos de última geração.

Esses armamentos, que consistem em mísseis balísticos de médio alcance e drones militares, estão sendo usados agora para atacar navios comerciais no Mar Vermelho e posições na região sul de Israel. Os Houthis alegam que irão continuar a atacar os navios até que Israel permita a entrada ajuda humanitária na Faixa de Gaza e suspenda suas operações militares, Mas como já apontei, apenas 5% do comércio israelense passa pelo Mar Vermelho.

Na realidade, é o comércio internacional que será afetado. Os navios terão que contornar o Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, o que irá encarecer muito mais os fretes e seguros. Até mesmo o valor internacional do petróleo e gás natural será elevado pelos ataques das milícias Houthis, que a propósito aumentaram perto da época das festas de final de ano justamente por causa do aumento do comércio nesse período.

Foto: Acervo Pessoal / Antônio Caiado

Os objetivos dos Houthis estão muito além de Israel. Eles querem se projetar diante do mundo árabe e ganhar legitimidade, levando em consideração que são o único ator político que está dando uma resposta militar ao Estado judeu e que até pouco tempo estavam em conflito armado contra Arábia Saudita e Emirados Árabes.

A rede Al Jazeera frequentemente mostra vídeos da liderança Houthi relatando as suas “operações” bem sucedidas. Isto também pode ser uma forma de escalar o conflito no Oriente Médio para que Israel e Estados Unidos abram várias frentes de batalha, tirando assim o foco sobre Gaza.

Por outro lado, os Houthis podem estar querendo arrastar a Arábia Saudita para que façam novas concessões já que as duas potências estão em estado de trégua e negociações desde 2022. Mas o que temos de concreto é a entrada dos Estados Unidos liderando uma coalizão de países, incluindo o Bahrein, para lutar contra os Houthis. O governo israelense também propôs um ataque cirúrgico às bases dos Houthis no Iêmen para anular a sua força ofensiva.

Antônio Caiado | Foto: Acervo Pessoal

*Antônio Caiado é brasileiro e atua nas forças armadas dos Estados Unidos desde 2009. Atualmente serve no 136º Maneuver Enhancement Brigade (MEB) senior advisor, analisando informações para proteger tropas americanas em solo estrangeiro.

@oantoniocaiado
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